De Grace Melo, em 24 de Junho de 2010.
Carta à Paulo Barbosa.
Anselmo Góis, do jornal O Globo
Paulo do Bem
Eu já cheguei naquela fase da vida que a gente anda, para
cima e para baixo, com o bolso cheio de remédios. É hora então, de preparar o
ouvido e o coração para as coisas que o médico vem contar- desagradáveis, quase
sempre. É comum nesta fase da vida ser atingido com telefonema, até mesmo de
madrugada, trazendo má notícia.
Outro dia, voltando de uma viagem, soube da morte do
economista e jornalista Paulo Barbosa de Araújo. Foi uma paulada. Perdi um
amigo querido. Poucas pessoas eu conheci - nesta estrada da vida, que já dura
51 anos - tão idealista e generosa como ele. Amava e lutava pelo próximo nos
pequenos gestos do dia a dia. Era um intelectual inquieto preocupado com os
desencantos do universo - mas muito fixado pela ideia recorrente de tirar
Sergipe do atoleiro econômico e social - Paulo era do bem.
Ele foi meu colega na Gazeta de Sergipe no agitados anos
sessenta. O jornal era uma universidade de jornalismo impresso em tinta e
papel. O "reitor", Orlando Dantas, era um filho da elite que resolveu
romper com o atraso. O jornal fazia a terra tremer.
Não tinha rabo preso. Travava todo dia uma batalha campal
contra a roubalheira no setor público. Esbanjava jornalismo.
Debaixo dessa liderança se forjou uma redação de peso. Dela
fazia parte, entre outros, Ivan Valença, Paulo Barbosa, José Rosa de Oliveira
Neto, Macepa (Antônio Lopes), José Carlos Monteiro, Nino Porto e Chato (Carlos
Alberto de Jesus). Chato morreu cedo. Era uma espécie de Cazuza do Jornalismo.
Espírito rebelde, tinha uma inteligência fulgurante - capaz de fazer bonito
numa redação do Rio e de São Paulo.
O comando da tropa estava com Ivan Valença. Era de todos nós
o jornalista mais completo. Acho mesmo que ele foi o principal responsável pela
modernização da imprensa sergipana. Antes dele os jornais locais eram meio
panfletários.
Atento à revolução gráfica que vinha ocorrendo no Jornal do
Brasil Ivan valorizou na Gazeta o texto claro, limpo, bem apurado e bem
escrito. Ele me deu régua e compasso. Com ele aprendi os primeiros macetes da
profissão.
Outro professor foi o Zé Rosa. Ele tinha no meu tempo uma
presença bissexta na redação. Mas foi o meu guru. Em minha juvenil soberba
ameaçava ler a obra completa de Karl Marx e Engels. Coube a Zé Rosa aplicar um
choque de humildade. Antes de voar alto eu tinha de conhecer os livros de
nativos como Graciliano Ramos ou Amando Fontes. Outra feita fez com que eu
recusasse um emprego de assessor da Galeria Álvaro Santos - sem sair da Gazeta.
"Jornalismo não pode ter bico no governo", sentenciou em 1966 - numa
época em que este tipo de promiscuidade era aceita até nos grandes jornais
nacionais.
Já Paulo Barbosa tinha um faro profissional privilegiado.
Quando o homem pisou pela primeira vez no chão fino e poroso da lua, foi dele a
ideia de me mandar para a periferia da cidade para repercutir, aquela odisseia
no espaço, com o povo simples e inculto. Na Aracaju de 1969, ninguém
acreditava. Aquilo era visto como uma coisa de satã. Uma blasfêmia que poderia
apressar o fim do mundo. Aposto que uma ideia dessa num jornal como o A Folha
de São Paulo, por exemplo, seria capaz de arrebanhar prêmios.
P.S. Um beijo pesaroso para Osa Araújo, Paulo Mário e George
Marcelo.
Ancelmo Gois Jornalista
Texto reproduzido do blog: cajueirosepapagaios.zip.net/
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