Capa da última edição, a de agosto, que chegará ás bancas
nos próximos dias.
Ao despedir-se de BRAVO!, redator-chefe discute a mídia
Mercado editorial
Armando Antenore, que editou a revista BRAVO! entre 2005 e a
última quinta-feira, autorizou a publicação de sua carta de despedida, que é
uma reflexão sobre o jornalismo impresso
por Lino Bocchini .
Nesta quinta-feira, 1º de agosto, a editora Abril anunciou o
fechamento de quatro revistas, três sites e a demissão de dezenas de
profissionais, dentro de uma reestruturação oficializada em um comunicado
interno que este blog divulgou em primeira mão. Armando Antenore, redator-chefe
da revista BRAVO!, uma das publicações "descontinuadas" pela empresa
dos Civita, escreveu uma interessante carta de despedida e a postou no Facebook
--es posteriormente em seu blog. Mais do que meramente despedir-se da publicação,
o jornalista faz uma reflexão sobre os motivos que poderiam ter levado a
revista ao fechamento, e acaba contribuindo para o debate sobre o momento atual
do jornalismo. Consultado, Armando gentilmente liberou este blog para
reproduzir o texto abaixo.
Por que a revista BRAVO! acabou?
Por Armando Antenore
A Abril S.A. divulgou hoje o fim da revista BRAVO! em todas
as plataformas. A publicação – uma das únicas no país dedicada exclusivamente
às artes, onde trabalhei entre agosto de 2005 e julho de 2013, como
editor-sênior e redator-chefe – nasceu em outubro de 1997. Estava, portanto, à
beira de completar 16 anos. Foi criada numa pequena editora de São Paulo, a
D’Ávila, já extinta, e migrou para o grupo Abril em janeiro de 2004. Quando
chegou à seara dos Civita, desfrutava de prestígio, mas padecia de má saúde
financeira. Não sei dizer quanto dava de prejuízo à época. Só sei que, na
Abril, o quadro não se alterou substancialmente, mesmo quando o título adotou linha
editorial um pouco mais pop, um pouco menos “cabeça” que a de origem.
Com todos os defeitos que pudesse ter – e que realmente
tinha, à semelhança de qualquer publicação –, BRAVO! não perdeu o respeito do
meio cultural. Havia divergências de vários artistas e intelectuais em relação
à revista. Os próprios jornalistas que passaram pela redação nem sempre
concordavam 100% com a filosofia do título, ditada obviamente pelos donos. Uns
o acusavam de conservador, outros de elitista, superficial ou condescendente
demais. Mas havia também muita gente boa que gostava de nossas edições. O fato
é que mesmo os opositores jamais recusaram sair nas páginas de BRAVO!. Quem
trabalhava para a publicação raramente ouvia um “não” quando fazia pedidos de
entrevista. Até Chico Buarque, famoso por se expor pouquíssimo na mídia, topou
protagonizar uma capa junto de Caetano Veloso (deixou-se fotografar, mas não
abriu a boca, convém lembrar). Todos, de um modo geral, reconheciam que a
publicação buscava primar pela seriedade.
Mesmo assim, em termos comerciais, BRAVO! nunca gerou lucro
– ao menos, não na Abril (como disse, desconheço os números da D’Ávila). A
revista, embora contasse com o apoio da Lei Rouanet, operava no vermelho. Em
bom português, dava prejuízo – ora de mihões, ora de milhares de reais. Por
quê? Vejamos:
1) BRAVO! dispunha de poucos leitores? Sim e não. A revista
contava com cerca de 20 mil assinantes e 8 mil compradores em bancas e
supermercados. Vinte e oito mil pessoas, portanto, adquiriam a publicação mensalmente.
Se levarmos em conta os parâmetros do mercado publicitário, cada exemplar
tinha, em média, quatro leitores. Ou seja: uma edição atingia algo como 112 mil
pessoas. No Facebook, a publicação contava com 53.600 seguidores e, no Google
+, com 30.900. Eram índices desprezíveis? Depende. Em comparação com revistas
de massa, a maioria editada pela própria Abril, os números de BRAVO! nem
chegavam a fazer cócegas. Mas, considerando que o título se voltava para um
nicho relativamente restrito, o da cultura mais sofisticada, as cifras não
parecem tão ruins. Em geral, BRAVO! falava sobre manifestações artísticas que,
embora se destacassem pela qualidade, não atraíam público quantitativamente
significativo. A revista dedicava quatro, seis, oito páginas para filmes como
Tabu, do português Miguel Gomes, exposições como a retrospectiva de Waldemar
Cordeiro no Itaú Cultural, livros como O Erotismo, de Georges Bataille, peças
como A Dama do Mar, de Bob Wilson, e espetáculos de dança como Claraboia, de
Morena Nascimento. Procure saber quantas pessoas viram tais filmes, mostras e
espetáculos ou leram tais livros. Cinco mil, 10 mil, 20 mil? Como BRAVO!
poderia ter zilhões de leitores se o universo que retratava não tem zilhões de
consumidores? A publicação, por sua natureza, enfrentava o mesmo problema que
amargam todos os artistas do país dispostos a correr na contramão dos
blockbusters.
2) BRAVO! perdeu leitores em papel com o avanço das mídias
digitais? Perdeu, seguindo uma tendência internacional. A perda, no entanto,
não se revelou tão expressiva e ocorreu num ritmo menor que o de muitos
títulos.
3) Era mais caro imprimir a BRAVO! do que outras revistas?
Sim,bem mais caro, por causa de seu formato e de seu papel, ambos incomuns no
mercado.
4) BRAVO! tinha poucos anúncios? Sim. Raramente, a
publicação cumpria as metas da Abril nesse quesito. O motivo? Falhas internas à
parte, os grandes anunciantes costumam demonstrar pequeno interesse por títulos
dedicados à “alta cultura”. “O leitor de revistas do gênero, sendo mais
crítico, tende a frear os impulsos consumistas”, explicam os publicitários, nem
sempre com essas palavras. Pela mesma razão, tantos cantores, artistas visuais,
produtores de teatro e bailarinos encontram sérias dificuldades para captar
patrocínio.
A soma de tais fatores tornava BRAVO! deficitária. Ao longo
dos anos, tentaram-se diversas medidas para estancar o sangramento. O número de
páginas da revista diminuiu de 114 para 98; as datas em que a publicação rodava
na gráfica da Abril se alteraram algumas vezes com o intuito de reduzir os
custos de impressão (é mais barato imprimir em certos dias do mês que em
outros); a redação encolheu; os projetos gráfico e editorial sofreram ajustes;
criaram-se ações de marketing pontuais na esperança de aumentar a receita
publicitária. Cogitou-se, inclusive, mudar o papel e o formato de BRAVO!. O
publisher Roberto Civita (1936-2013), porém, sempre vetou a alteração.
Acreditava que fazê-la descaracterizaria em excesso a revista.
A Abril poderia ter insistido um pouco mais? Pecou por não
descobrir jeitos inovadores de sustentar a publicação? É difícil responder – em
especial, a segunda pergunta. A crise está instalada na imprensa de todo o
mundo. Gregos e troianos dizem que a mídia tradicional precisa se reinventar.
Eu também digo. Mas qual o caminho das pedras? Não sei. No máximo, posso
arriscar uns palpites. E seguir investigando, e seguir apostando. O mesmo vale
para os empresários da comunicação.
Gostaria que a edição de agosto não fosse a última de
BRAVO!. Entristeço-me com o fim da publicação porque aprecio muitíssimo a arte.
Filmes, livros, peças, músicas, instalações, pinturas, balés e quadrinhos me
ensinaram mais sobre viver do que a própria vivência. No entanto, não bancarei
o viúvo rancoroso. Não lamentarei a baixa escolaridade do brasileiro, o
pragmatismo dos publicitários e dos patrões, o advento da revolução digital.
Tampouco abdicarei de minhas responsabilidades frente aos erros e acertos da
revista. Fiz e ainda faço parte do complexo jogo em que a mídia se insere.
Procuro encará-lo com amor, senso crítico e serenidade. Nem sempre consigo,
mas…
De resto, queria agradecer tanto à Abril quanto a todos os
leitores e profissionais (artistas, editores, repórteres, críticos, ensaístas,
revisores, designers, ilustradores, fotógrafos, assessores de imprensa,
executivos, vendedores, secretárias, motoristas e motoboys) que tornaram
possível tão longa e inesquecível
jornada.
Foto e texto reproduzidos do site: cartacapital.com.br/blogs/blog-do-lino
"LUC, eu tenho, sempre tive umas ressalvas quanto à Bravo. Comprei seus primeiros números quando ainda era editada pela Dávila, a mesma editora da República (antes de ser estuprada pelo Reinaldo Azevedo e transformada em Primeira Leitura). E desde aquele momento ela padecia do mesmo problema das publicações de cultura nacionais: uma superficialidade atávica, uma incapacidade de combinar domínio do tema e talento literário. É um mal dessas revistas nacionais todas. Por isso investem em belos tratamentos gráficos, acreditam realmente que uma foto vale mil palavras. Cadê os grandes textos, os grandes perfis, as grandes análises? Como disse um sujeito cá no Facebook, esses editores acham que vão ganhar dinheiro fazendo revistas de cultura para quem não gosta de ler.
ResponderExcluirE isso foi só no começo. Na Abril ela foi piorada, e muito. Por isso acho que a agonia do sujeito, embora compreensível, reflete em parte uma certa incapacidade de entender o que fizeram de errado. E isso significa que vão continuar fazendo.
É triste dizer isso, mas não há comparação dessas revistas nacionais com revistas gringas de cultura, por exemplo. Mesmo a New Yorker, basicamente uma “semanal de informação”, costuma ter mais profundidade de pensamento e análise do que essas revistas de cultura nacionais.
Mas acho que esse sequer é o problema real. O caso é que hoje a internet oferece opções muito melhores do que essas revistas. Informação mais rápida, aprofundada e plural. Revistas fazem cada vez menos sentido, mas seu fim não significa que temos de fato menos opções.
Ou seja: tudo isso é pra dizer que, pelo menos pra mim, a Bravo não vai fazer falta. Isso fariam, se acabassem – ou melhor, quando acabarem – a Piauí e a Le Monde Diplomatique".(Rafael Galvão, comentando em postagem no Facebook/Linha do Tempo/Luciano Correia).
"Rafa Rafael Galvão: concordo INTEIRAMENTE com seu diagnóstico da Bravo!. Sempre pensei o mesmo e, por isso, comprei apenas as primeiras edições (no primeiro e segundo ano, e não mais). Minha certeza dessa superficialidade no trato de suas matérias se deu na editoria de literatura (?), numa matéria com Pedro Juan Gutiérrez. Quando li, fiquei com a impressão que eu, pobre leitor, sabia mais do que o repórter. Agora, divirjo de você só num ponto: não foi por isso que ela fechou. Se fosse tão boa quanto Piauí e o Diplô (concordo novamente com você, são os dois únicos títulos que leio atualmente), fecharia do mesmo jeito. O que salta dessa história é a ditadura dos números, da maioria, que está produzindo mecanismos reducionistas, estandardizantes. Isso é um veneno para a riqueza e diversidade culturais. Nem a política, apodrecida como está aqui e alhures, consegue ser tão insensível ao mundo da vida. Veja que em todas as democracias civilizadas (e não estou dizendo que seja o nosso caso), as minorias perdem eleições, mas têm representatividade assegurada, mesmo que seja pela via dos consensos, da práxis que faz do parlamento um lugar de mediação". (Luciano Correia, respondendo ao comentário acima de Rafael Galvão, em postagem no Facebook/Linha do Tempo/Luciano Correia).
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