Publicado originalmente no blog Jornal do Mino, em 26/11/2008.
Entrevista com Mino Carta para o Jornal da República na
FACHA
Segue entrevista concedida por Mino, pelo telefone. Espero
que gostem.
Nathalia Martins – Como foi a criação do Jornal da
República?
Mino Carta – [risos] Eu sempre tive idéia de que seria
possível em São Paulo um jornal diferente dos outros, ou seja, um jornal
empenhado nos interesse da maioria em lugar de estar ligado naqueles da
minoria. Eu sempre curti essa idéia, e enfim, então em abril de 1979 quando a
“Isto É” instintivamente começou a ser um sucesso empresarial, embora fosse uma
revista muito comedida nos seus gastos, feitos com terríveis economias, começou
a dar lucro. Há algum tempo ela já dava lucro. Então eu cheguei no Domingo
Alzugaray, que era o homem que cuidava dos negócios enquanto eu cuidava da
redação da “Isto É” e propus à ele a idéia do jornal. Jantamos juntos numa
noite de abril de 1979. E chegamos à conclusão Eu e ele, que era o homem dos
negócios, e que portanto, tinha a chave do cofre, por menor que fosse o cofre.
E ele me disse “Não, tá bom, eu acho bom”. Domingo foi um empresário bem
sucedido e sobretudo foi também o diretor comercial da Abril e tinha sido em
outros tempos diretor comercial da “Editora Abril”. Administrado sagaz... Mas
aplicou o conceito jornal diário nos parâmetros que ele costumava aplicar à
publicação de revista. Lançamos o jornal. O jornal fez uma boa campanha, teve
um lançamento feliz, com uma fluência de anúncios respeitabilíssima, mas logo
mostrou que jornal não se confunde com revista. Sem contar, a oposição dos
demais jornais paulistanos que naturalmente tentavam semear a cizânia. É isso.
Então nós lançamos o jornal no fim de agosto de 79 e o jornal foi enterrado sem
solenidade no fim de janeiro de 1980.
NM – Mas, você considera que ele foi um fracasso?
MC – Não, não considero um fracasso, por que acho que no
fundo, no fundo era melhor do que os outros.
NM – Mas porque você acha que não deu certo?
MC – Não deu certo por uma série de razões. Primeiro porque
do ponto de vista empresarial, ele foi mal concebido, ou seja, não era possível
aplicar, não estou jogando a culpa nas costas do Domingo Alzugaray, Deus me
livre, até porque não acho que seria justo, na verdade nós temos que compartilhar
a responsabilidade da culpa completamente. Eu de alguma maneira tenho mais
responsabilidade no fracasso, porque eu insistia muito para fazer o jornal, e
depois eu quis resistir enquanto ele quinze dias depois disse “Vamos fechar
essa bodega.”. Eu não, insisti e prossegui na empreitada, embora estivesse
claro que seu desfecho estaria longe de ser favorável. Então eu tenho muito
mais responsabilidade que o Domingos, mas, de qualquer maneira eu acho que o
fracasso se deveu primeiro à questão realmente empresarial. Questão essa que
desaguou nas dificuldades de impressão e de distribuição do jornal, porque o
jornal era impresso nas oficinas dos então “Diários Associados” tínhamos de
fechar o jornal às oito da noite. A primeira página do jornal fechava às oito
horas da noite e a distribuição era muito mal feita. A distribuição que pegava
SP capital e alcançava os municípios mais próximos. Um reparte mínimo chegava
tardiamente a Santos. Então havia dificuldades muito grandes de distribuição.
Além disso, realmente, havia uma campanha venenosa conduzida pelos, digamos
assim, aqueles que não chegavam a ser concorrentes porque eram muito maiores e
muito mais fortes do que nós. Tudo isso contribuiu evidentemente para que o
jornal entrasse em pane. Nós tínhamos pouquíssima publicidade, insuficiente
para sustentar o jornal, e acabou como acabou. Essa escassa publicidade, eu não
sei, não posso excluir que alguns anunciantes achassem o jornal francamente
subversivo, lembremos que ainda era tempo de ditadura, mas eu acho que se nós
tivéssemos tido recursos fortes, consistentes, se tivesse havido uma
compreensão por parte de empresários dispostos efetivamente a se interessar
pelos destinos de um país disposto a distribuir rendas, e coisas que tais, eu
acho que nós teríamos sobrevivido, mas precisaríamos ter exatamente essa
retaguarda financeira contígua.
NM – Você teria alguma pretensão de lançar algum projeto
parecido com o Jornal da República?
MC – Não, não, absolutamente. Eu te confesso que os meus
projetos no momento são muito comedidos. Eu me contento bastante com a “Carta
Capital” porque acho que é uma publicação milagrosa, nesse nosso país, se você
me permite. Agora, ela me satisfaz. A pequena empresa que a edita que se chama
“Editora Confiança” está partindo para várias iniciativas importantes. Talvez
eles incluam nos expedientes o meu nome, mas na verdade eu não tenho nada haver
com essas novas publicações embora eu ache que elas são muito bem direcionadas,
por exemplo, a “Carta na escola”. Agora saiu outra para o ensino fundamental.
Vai sair uma sobre sustentabilidade, que são publicações muito interessantes,
muito bem feitas, muito sérias, muito responsáveis e muito interessadas no
país. Isso é indiscutível. Agora eu no fundo, não tenho nada haver com elas. Me
basta a “Carta Capital”.
NM – Quando você criou o Jornal da República, você buscou um
nome histórico para ele. Porque você escolheu esse nome para o jornal?
MC – Por vários motivos. Primeiro porque eu acho que o
espírito republicano é central. Laico e republicano. Eu acho que isso é central
para se criar um país digno da contemporaneidade do mundo. Além disso, eu tinha
estado em Roma em 76 quando foi lançado o “Republique” italiano esse sim com um
grande respaldo financeiro, mas com posições muito próximas àquelas que o
jornal da república queria depois ter. O “La Repubblica” na Itália e o “Jornal
da República” aqui. Eles tinham recursos financeiros extraordinários, tinha
atrás do jornal um grupo de empresários dispostos realmente a apostar em alguma
coisa mais substanciosa e certamente de esquerda. E o jornal da republica hoje
é, juntamente com o “Corriere della Serra” o maior jornal italiano. Tem uma
tiragem diária de um milhão de exemplares. E o “La Repubblica”, ou seja, “A
República”, não o “Jornal da República” também me influenciou um pouco na
escolha do nome.
NM – Você acredita que essa questão do nome que tem algum
tipo de busca histórica, de algum estudo por trás não seja mais tão importante?
Porque hoje em dia temos jornais como “Extra”, “Meia Hora”, “Expresso”, que não
têm uma base histórica, uma pesquisa para ser criado esse nome. Então você
acredita que não seja mais tão importante assim?
MC – Não. O nome estava no meu coração e no coração de quem
me acompanhou na aventura. Havia gente notabilíssima, desde Cláudio Abramo, que
era um irmão mais velho meu, um jornalista excepcional, até o Raimundo Faoro,
que é um dos poucos grandes pensadores brasileiros. Então, imagine, tinha gente
que me ajudava muito, até na escolha do nome.
NM – Durante as aulas nós fizemos algumas pesquisas na
internet, e lemos que o nome “Jornal da República” foi vendido para o Moreira
Salles. Como nem tudo o que está na rede é verdade, gostaríamos de saber se
essa informação é verdadeira.
MC – É verdadeira sim. Nós fizemos, digo nós, a equipe, teve
a sorte, a certa altura, por causa provavelmente de uma decisão estelar digna
de um filme do, por exemplo, Frank Capra (cineasta). Deus se encontrou com São
Pedro e decidiu resolver o nosso problema, porque subitamente apareceu em cena
o filho do Walter Moreira Salles, o Fernando Moreira Salles, que tinha
habilidades jornalísticas, tinha vontade de avançar nesse terreno e decidiu
comprar a revista “Isto É”, tapando o buraco do “Jornal da República”. Essa no
fundo foi a operação. Se eu fosse o Fernando Moreira Salles eu teria comprado o
“Jornal da República” para continuar a sustentá-lo, por que ali havia realmente
recursos para tanto. Mas ele não via serventia alguma no jornal e tinha
interesse na “Isto É”, que quatro anos depois ele entregou de mãos beijadas
para a “Gazeta Mercantil” e em 1988 a “Isto É” foi recomprada pelo Domingo
Alzugaray. No fundo essa foi a operação. Ele tapou o buraco do “Jornal da
Republica”, que era um buraco ponderável, grande, grande mesmo e com isso ficou
dono da “Isto É”.
NM – Atualmente que jornal no Brasil ou no mundo você acha
que seria parecido com o “Jornal da República”?
MC – Eu acho que o “Jornal da República” era o que podia
ser. Era perfeito, eu acho. Tinha suas falhas, sem dúvida, mas era um jornal
muito pobre, visivelmente pobre. Eu acho que no Brasil, a mídia em geral, não
falo só dos jornais diários, mas a mídia em geral, sem exclusão da Globo, é
ridícula. É absolutamente grotesca. É de péssima qualidade, muito mal escrita e
sobretudo é uma mídia a serviço do poder, porque ela é um dos rostos do poder.
Ela exprime as vontades, os interesses do poder, porque ela é poder, entende?
“O Globo”, “Estadão”, a “Folha de São Paulo”, a revista “Veja”, a “Editora
Abril”, tudo isso é poder no Brasil. Estão todos unidos contra os interesses
reais do país. Então aqui não tem nada, aqui é um deserto, o “Deserto de Gobi”
(localizado na Mongólia e nordeste da China), que é um desertozinho em
comparação com o Saara. Não disse Saara, porque aí conferiria uma dimensão à
mídia brasileira que ela não merece. Mas, digamos, há muitos jornais bons mundo
afora, sobretudo na Europa. Excelentes jornais, enfim, mas jornais poderosos
que tenham recursos financeiros notabilíssimos, então qualquer comparação é
difícil com o “Jornal da República” que era um jornal de pobretões.
NM – graficamente você tem algum jornal preferido, algum
jornal que você acha que seja mais moderno?
MC – Graficamente ou com conteúdos, no jornal em geral?
NM – Na parte gráfica mesmo.
MC – Na parte gráfica? Não sei, acho que imprensa inglesa e
a imprensa italiana são nesse ponto de vista os melhores.
NM – com a evolução da tecnologia, como você vê o futuro do
jornal? Você acha que algum meio de comunicação vai se extinguir?
MC – Olha, eu não vejo. Até porque eu não sei como vai ser o
meu futuro. Então, se meu futuro é nebuloso, imagine o futuro do mundo e da
imprensa especificamente e da mídia especificamente. Eu sempre duvido que a
escrita possa morrer. Mas eu tenho certeza, ao mesmo tempo, que o mundo já está
vivendo uma idade média. Então a escrita não pode morrer porque ainda sou
partidário da idéia de que a escrita fica realmente. E veja, mesmo a internet
recorre à escrita. Quer dizer, o problema está em como os instrumentos são
usados. Eu por exemplo não me aproximo de um computador e uso até hoje a minha
máquina de escrever porque o computador me assusta. Ele tem uma boca
aparentemente desdentada, mas disposta a me engolir a qualquer momento. Muita
gente foi engolida pelo computador e não percebe, mas foi e já está sendo
digerida por ele. Agora, eu acho que tudo depende de como você usa os
instrumentos. O computador é um instrumento que pode ser excepcionalmente
profícuo e eficaz. E também pode ser uma bobagem. Eu percebo que muita coisa é
absolutamente bobagem, embora tenha também coisas que tenham substâncias que
nascem, surgem e circulam graças ao computador. Mas a escrita não morre.
NM – você tem algum projeto para o futuro?
MC – [risos] Bom, eu já lhe disse. Não sei qual vai ser o
meu futuro, até porque vejo que meu futuro encolhe a cada dia.
NM – Bem alguma coisa que eu não tenha perguntado sobre o
“Jornal da República” que você gostaria de falar?
MC – Não, pessoalmente vou te dizer que o “Jornal da
República” foi uma experiência encantadora e eu não me arrependo de nada e,
portanto o “Jornal da República” é uma bela etapa. Eu me arrependo de outras,
mas não dizem respeito ao jornalismo.
NM – Mas com relação ao “Jornal da República” nada?
MC – Em geral, tudo o que fiz no jornalismo eu não tenho
arrependimento algum, mas eu tenho arrependimentos de outros gêneros. E tenho
muitos até, e pelo menos alguns muito profundos, mas com relação ao jornalismo
nada, zero.
Texto reproduzido do blog: jornaldomino.blogspot.com.br
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