O dono da coluna mais lida do
Brasil. Por José Reinaldo Marques (14/8/2009).
Com 45 anos de profissão, o
jornalista Ancelmo Gois, colunista do jornal O Globo, chega aos 60 anos de
idade com muito dinamismo, trabalhando em média 12 horas por dia. Ele diz que o
seu apetite pela política é que o trouxe para o jornalismo: “No começo eu
sempre fiquei dividido entre a política e a atividade jornalística”, declarou.
Começou sua carreira na Gazeta de
Sergipe aos 15 anos. Foi chefe do escritório da Veja no Rio, função que
acumulou com a de titular da coluna “Radar”. Convidado por Marcos Sá Correa
trocou a revista pela coluna “Informe JB” no Jornal do Brasil, veículo que era
o seu grande sonho de consumo.
Nesta entrevista Ancelmo Gois
fala da sua participação no movimento estudantil, o seu envolvimento com o
Partido Comunista Brasileiro, do exílio na União Soviética e sobre o dilema que
viveu entre a política e o jornalismo e que durou até a edição do AI-5, em
dezembro de 1968.
ABI Online — Como é chegar aos 60
anos de idade e 45 de profissão como um dos jornalistas mais prestigiados da sua
geração?
Ancelmo Gois — Eu ralei muito e
ainda ralo até hoje. E também sou muito grato às pessoas que me ajudaram e me
deram oportunidades. A primeira chance que eu tive foi no jornal A Gazeta de
Sergipe, quando eu tinha 15 anos de idade.
ABI Online — Apesar da pouca
idade você já tinha a convicção de que queria ser jornalista?
Ancelmo — Quando eu cheguei ao
jornalismo eu me vi numa encruzilhada, que era a vontade de ter uma
participação política efetiva, e ao mesmo tempo exercer a profissão de jornalista.
No meu tempo, política e jornalismo se misturavam. Essa era uma prática comum
no Brasil naquela época (anos 60), daí haver muitos políticos que também eram
jornalistas. O ambiente no País era mais propício a essa mistura. No começo, eu
sempre fiquei dividido entre a política e a atividade jornalística.
ABI Online — Como surgiu esta sua
inclinação para a política?
Ancelmo — Eu fui muito
influenciado pela família. O meu pai, Euclides Gois, foi vereador pelo Partido
Republicano, em Frei Paulo, onde eu nasci, em 1948, no interior de Sergipe. Lá
em casa, era muito comum os políticos vindos da Capital serem recebidos para
almoços, quando iam fazer campanhas no interior. Então, eu muito moleque, fui
ouvindo aqueles papos sobre política, que me chamavam a atenção e me
despertavam muita curiosidade.
ABI Online — Você costumava
acompanhar de perto as campanhas eleitorais?
Ancelmo — Em 1962, quando o Lott
disputou a Presidência da República com o Jânio, eu tinha 14 anos de idade e
adorava freqüentar os comícios. Tanto é que até hoje eu guardo, com muita
força, as recordações das campanhas daquela época. O Lott, como era Marechal,
usava uma espada de ouro como símbolo de campanha. O do Jânio era a
vassourinha. Eu ia para os comícios e adorava cantar os jingles das campanhas.
ABI Online — Você ainda se lembra
desses jingles?
Ancelmo — Nos comícios do Lott,
de quem o meu pai era eleitor, eu cantava: “Espada de ouro / quem tem é o
Marechal/ Lott, Lott você é o ideal / Porque da dobradinha PTB-PSD...”. Mas,
escondido do meu pai, eu ia aos comícios do Jânio, cujo jingle de campanha era:
“O homem da vassoura vem aí / Já sei para onde ir com a família...” (risos) Eu
adorava isso. Ligava o rádio para ouvir a Nacional do Rio de Janeiro,
interessado nos acontecimentos políticos. Eu fui criado em um universo que
sempre me despertou um grande interesse pela política.
ABI Online — E da campanha do
Jango, você também tem alguma recordação?
Ancelmo Gois e Gilberto Gil
Ancelmo — Eu me lembro também da
música criada para o Jango pelo Miguel Gustavo, que era assim: “Na hora de
votar / A dona de casa vai jangar / É o Jango, é o Jango / É o João Goulart /
Pra vice-presidente / minha gente vai votar/ É no Jango, é no Jango / No doutor
João Goulart”. Isso me emocionava muito. Eu cheirava aquele ambiente, respirava
as brigas da UDN com o PSD. Na minha adolescência e na juventude eu era movido
pela política, que acabou me levando para o jornalismo.
ABI Online — Como assim?
Ancelmo — Como eu já disse, eu
comecei freqüentar a Gazeta de Sergipe em 1963, com 15 anos. Mas quando eu
entrei para o jornal a minha paixão não era o jornalismo, era a política. A
Gazeta, naquele tempo, pertencia ao Partido Socialista Brasileiro, que tinha
uma base socialista muito forte. Tanto é que antes de se chamar Gazeta de
Sergipe, o título do jornal era Gazeta Socialista.
ABI Online — Mas você acabou
mudando o foco, não seguiu a carreira política e virou jornalista.
Ancelmo — Pois é, depois que eu
ingressei no jornal nunca mais abandonei a profissão. São 45 anos na atividade
jornalística.
ABI Online — E como foi a sua
estréia no jornal?
Ancelmo — Aconteceu por causa da
descoberta de petróleo em Sergipe, em novembro de 1963, na cidade de
Carmópolis. Mesmo sendo um adolescente fui destacado para fazer essa matéria.
Evidentemente, que isso foi uma maluquice. Pois eu não sabia nem escrever à
máquina direito.
ABI Online — Essa experiência
deve ter sido muito proveitosa...
Ancelmo — É por isso que eu
costumo dizer que tive duas grandes escolas. A primeira de política; a segunda
de jornalismo, que eu cursei em um jornal do interior. Hoje, um moleque como eu
era não consegue nem passar aqui na portaria do jornal (se referindo ao Globo).
Quanto mais entrar. E se isso vier a acontecer, será quando ele estiver com 20
anos de idade, no último ano da faculdade. Então ele ingressa no jornal (e está
certo) e vai fazer uma coisa só.
ABI Online — Qual foi o saldo
positivo desse período?
Ancelmo — Eu mexi com muitos
assuntos. Fui até crítico de cinema, entre outras coisas. Como o jornal era
pequenininho, a gente acabava fazendo de tudo. Como acontece em qualquer
cidadezinha do interior, onde a pessoa termina distribuindo e vendendo o jornal
para o qual escreve. Deus me deu essa felicidade de viver dentro de jornal.
Inclusive, eu era um péssimo aluno, não queria ir para a escola. O meu desejo
era ficar dentro do jornal, onde eu conheci a impressão a quente, no chumbo. A
minha primeira função foi a de limpar os clichês que eram usados para a
impressão das fotografias.
ABI Online — O que mais é
marcante na sua atuação no jornalismo em Sergipe?
Ancelmo — A imensa generosidade
de pessoas que me ajudaram naquele período, como os dois grandes mestres que eu
tive. Um deles foi o José Rosa de Oliveira Neto (que já morreu) e chegou a ser
dirigente do Partido Socialista. Ele me orientou muito com relação à leitura.
Eu era um jovem metido a besta, que só queria saber de livros de Filosofia. Ele
me dava bronca e dizia: “Você não tem que ler livros de Filosofia p... nenhuma.
Vá ler José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Jorge Amado”. Esse cara foi
fundamental na minha vida.
ABI Online — Você citou um dos
seus mestres, quem foi o outro?
Ancelmo — O Ivan de Macedo
Valença, que está vivo e esteve na minha festa de 60 anos. Ele foi o meu
primeiro chefe na Gazeta de Sergipe. Um profissional com uma grande sensibilidade
jornalística. Estávamos na década de 60, quando o creme do creme do jornalismo
brasileiro era o nosso Jornal do Brasil, no qual ele se inspirava. O Jornal do
Brasil tinha o “Informe JB”, então o Ivan criou o “Informe GS” (Informe Gazeta
de Sergipe). Ele morava em Aracaju, que naquela época era uma cidade pequena
ainda, mas vivia antenado, pesquisando o que era bem-feito.
ABI Online — Que outras inovações
o Ivan introduziu na Gazeta?
Ancelmo — Na Gazeta de Sergipe
ele introduziu muitas idéias gráficas que pesquisava nos jornais, inclusive
publicações estrangeiras. Mas principalmente do Jornal do Brasil. Eu fui criado
nesse ambiente até que veio o golpe de 1964.
ABI Online — E aí...
Ancelmo — E aí que o jornal foi
empastelado, muitos profissionais foram presos. Isso tudo acontecendo muito
perto de mim. Eu vi os agentes da ditadura entrar na Gazeta, empastelar o
jornal, com gente fugindo, entre outras coisas. Por isso, eu me considero um
cara de sorte, porque durante toda a minha trajetória ligada ao jornalismo,
Deus colocou diante de mim coisas muito marcantes.
ABI Online — Mas tem também o seu
próprio mérito...
Ancelmo — Eu me refiro a ele
usando uma frase de um personagem do Guimarães Rosa, que diz assim: “Eu quase
que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa". Eu sempre fui muito
curioso, mas também tive a sorte de ter perto de mim pessoas muito
interessantes.
ABI Online — Você ainda não
explicou como se decidiu pelo jornalismo.
Ancelmo — O dilema entre a
política e o jornalismo durou até a edição do AI-5. Eu ficava muito dividido
entre o jornalismo e as minhas idéias socialistas, que incorporei desde o tempo
da Gazeta. Quando aconteceu o golpe militar, eu era secundarista e comecei a
participar do grêmio do colégio, que já foi presidido, no passado, pelo Joel
Silveira, que também é sergipano. Nós fizemos greves e passeatas contra a
ditadura, quando então, em dezembro de 1968, veio o AI-5 e eu acabei sendo
preso.
ABI Online — Para onde você foi
levado?
Ancelmo — Para o 28º Batalhão de
Caçadores, uma unidade do Exército em Sergipe. Mas nunca fui torturado ou
molestado fisicamente, inclusive fiquei pouco tempo detido, para os padrões da
época. Mas quando eu saí dali o meu emprego na Gazeta de Sergipe tinha
evaporado. Não vou entrar muito no mérito do motivo que levou o dono do jornal
a me demitir, até porque eu ainda não era um grande repórter, pois estava com a
cabeça ainda muito voltada para a política.
ABI Online — Você procurou logo
um outro emprego?
Ancelmo — Aconteceu um fato inusitado.
Apareceu uma outra chance que eu agarrei com muita força. Foi o seguinte: como
eu já militava no Partido Comunista Brasileiro e no movimento estudantil, no
período da prisão eu fortaleci as minhas convicções socialistas. A ponto de na
minha saída da prisão, o partido de maneira irresponsável, mas que para mim foi
a glória, me ofereceu para estudar na antiga União Soviética.
ABI Online — O que aconteceu em
seguida?
Ancelmo — Aconteceu que eu ainda
bem jovem, com 20 anos de idade, fui embarcado para a União Soviética. Eu nunca
tinha entrado num avião na minha vida, e de repente estava voando
clandestinamente para a Rússia.
ABI Online — Como era sua vida na
Rússia?
Ancelmo — Eu vivi por algum tempo
com o nome falso de Ivan Nogueira. Porque estávamos na ditadura militar e a
gente só conseguia ir para a Rússia, protegido pela KGB. Foi este órgão que me
deu uma identidade falsa, com retrato, e me transformou numa outra pessoa. Em
seguida, eu fui para uma escola comunista para jovens, a Escola de Formação de
Jovens Quadros, Konsomol, do Partido Comunista da União Soviética, onde eu
estudei sobre o marxismo e o leninismo.
ABI Online — Como foi que você se
virou com a língua, já que não falava o idioma russo?
Ancelmo — As aulas eram
traduzidas, mas a língua a gente aprende rápido por uma razão muito simples.
Você pega um sergipano, que saiu da caatinga e joga lá na União Soviética. Em
dez dias ele tem que aprender o que é sal, porque aquela comida é uma merda e
insossa. E se você quiser comer batata e não sabe como pronunciar em russo,
depois de três dias você aprende pela extrema dificuldade. Senão como é que
você vai comer ou andar de metrô, entre outras coisas?
ABI Online — E sobre a escola?
Ancelmo — Era uma escola
internacional, onde me deram a chance de conviver com cinco suecos, dois
argentinos, quatro irlandeses, dez chilenos, entre outros povos. Imagina o que
era morar em um lugar com pessoas de várias partes do mundo. Eu tinha como
vizinhos de quarto dois italianos, com os quais eu conversava muito, e também
com finlandeses. Foi uma experiência muito rica.
ABI Online — Quando foi que você
voltou ao Brasil?
Ancelmo — Em 1970, eu voltei para
o Brasil e vim para o Rio de Janeiro. Eu entrei no País pela Argentina, e a KGB
inventou que eu estava na França. Toda a minha documentação sobre dia e horário
da minha entrada naquele país foi falsificada, o que fazia parecer que eu tinha
morado na França e não na União Soviética.
ABI Online — Assim que chegou
você foi logo procurar emprego na imprensa?
Ancelmo — Não. O meu sonho era me
dedicar 24 horas por dia à causa do Partido Comunista. Eu não voltei pensando
no jornalismo. Eu estava definitivamente apaixonado pela política, que tinha
sido a minha opção entre os anos de 68 e 70. Eu vim para o Rio e queria apenas
ser profissional do PCB. Mas nesse período houve muitas perseguições, mortes, e
de repente, o partido que me dava um salário ficou sem dinheiro e eu morando de
favor, na casa do jornalista Luiz Paulo Machado, a quem eu devo muito, e que
foi meu colega na Konsomol.
ABI Online — Como foi que você
enfrentou essa situação?
Ancelmo — Eu precisava arranjar
um emprego. Eu não queria voltar para Sergipe. Eu me aproximei dos camaradas do
Partido Comunista no Rio de Janeiro, principalmente do Oscar Maurício de Lima
Azêdo, que foi um grande padrinho meu. Eu procurei o Azêdo, que naquele tempo
era o principal quadro do Partido Comunista na imprensa no Rio.
ABI Online — Qual foi a atitude
do Maurício Azêdo para lhe ajudar?
Ancelmo — Foi ele quem conseguiu
para mim os meus primeiros frilas. Ele falou com o jornalista Domingos
Meirelles (atual Diretor Financeiro da ABI), que trabalhava na editora Abril,
na revista Realidade. Eu fui procurá-lo no escritório da revista no Passeio, no
Centro da cidade. Domingos me apresentou a um amigo dele, chamado José
Preciliano Martinez, que trabalhava na divisão de edições técnicas
especializadas da Abril, responsável pelas revistas Máquinas e Metais,
Transporte Moderno, Química, Plásticos e Embalagens e uma outra se não me
engano ligada ao ramo de supermercados.
ABI Online — Você lembra qual foi
o seu primeiro trabalho como freelancer na Abril?
Ancelmo — Foi sobre lingotamento
contínuo. Naquele tempo a indústria siderúrgica brasileira estava em grande
expansão. O então Presidente Médici tinha acabado de lançar um plano nacional
para o setor. Na época, havia três usinas estatais que se destacavam nesse
produto, entre elas a Unsiminas e a Cosipa (Cia. Siderúrgica Paulista). Lá fui
eu atrás do tal lingotamento contínuo, assunto do qual eu não entendia nada,
mas me agarrei naquilo com a fome do nordestino e a necessidade do retirante. E
aí voltei para o jornalismo.
ABI Online — E ingressou na
revista Exame?
Ancelmo — Eu trabalhava com muito
tesão, com muito entusiasmo, e as revistas técnicas começaram a editar no abre
(primeiras páginas) uma coluna chamada “Negócios em exame”, que veio a ser a
maternidade da revista Exame, na qual eu comecei a trabalhar. Depois eu fui
subeditor de Economia da Veja, num período de muitas matérias interessantes, de
muitos furos de reportagem. Naquele tempo na Veja eu colaborava muito com a
coluna “Radar”, que era feita pelo Élio Gaspari, que também foi meu padrinho.
Depois quando o Marcos Sá Correa foi dirigir o Jornal do Brasil, me levou para
fazer o “Informe JB”.
ABI Online — Esse foi o início da
sua carreira como colunista?
Ancelmo com Caetano Veloso
Ancelmo — Eu dei um salto danado,
pois o Marcos Sá Correa apostou em mim com uma coragem sem igual. Então eu
deixei o cargo de subeditor de Economia da Veja, para escrever a mais
importante coluna da imprensa brasileira daquela época, que era o “Informe JB”.
ABI Online — Sempre quando fala
sobre o tempo que passou no JB você se manifesta com muita paixão.
Ancelmo — É fácil de entender.
Quando me perguntam por que eu sou jornalista eu respondo: “por causa do Jornal
do Brasil”. Eu era moleque lá na minha Aracaju e tinha uma paixão total e
absoluta pelo JB. Como eu lhe falei, a Gazeta de Sergipe imitava o JB. Todo dia
um avião da Varig chegava na cidade, às três e meia da tarde, trazendo os
exemplares do jornal. E eu fazia parte da molecada que pegava carona em um jipe
velho, para ir ao aeroporto apanhar o Jornal do Brasil.
ABI Online — Vocês faziam dessa
rotina um grande acontecimento.
Ancelmo — E a minha postura
quando via o Jornal do Brasil era a de um cristão diante da “Bíblia”. O dia em
que eu entrei no JB pela primeira vez para trabalhar tive uma crise de choro e
dizia: “P... que p... eu estou no JB”. Para um moleque que veio lá de Frei
Paulo, cidadezinha do sertão sergipano, ingressar no Jornal do Brasil foi bom
demais. E o corpo não agüentou a emoção daquele momento.
ABI Online — Quanto tempo você
ficou no Jornal do Brasil?
ABI Online — O que levou você a
trocar a posição de destaque que ocupava na Veja pelo site jornalístico
Notícias Opinião (NO)?
Ancelmo — Por uma razão muito
simples. Quem fica parado é poste e a gente precisa constantemente sentir um
friozinho na barriga. No dia em que o profissional se acomoda ele está lascado.
Eu estava em um dos melhores empregos do jornalismo do Brasil, como chefe do
escritório da revista no Rio, responsável pela coluna “Radar”, ganhando um belo
salário, quando o Marcos Sá Correa, que tinha me levado para o JB, me chamou
para fazer jornalismo na internet.
ABI Online — Era uma proposta
vantajosa?
Ancelmo — Eu fui para o NO porque
confiava muito no taco do Marcos. Ele já tinha sido meu chefe no Jornal do
Brasil e o salário era do tamanho de um caminhão. Eu ganhava três vezes mais do
que na Veja. Naquele tempo a internet era um mercado de altos salários. Eu
comprei um apartamento com esse trabalho. Foram quinhentos dias trabalhando no
NO. Uma experiência rica, porque era um veículo muito diferente do jornalismo
impresso.
ABI Online — Foi difícil se
adaptar a essa mídia nova?
Ancelmo — Eu achava que ninguém
me lia, principalmente porque tinha saído de uma coluna de 4 milhões de
leitores, para um negócio chamado internet. Tinha dias que eu me sentia isolado
e ficava gritando para a máquina “Tem alguém aí? Tem alguém aí?”. Uma coisa que
eu tive que me adaptar foi a relação com as fontes.
ABI Online — Como assim?
Ancelmo — Uma coisa é você ligar
para um ministro dizendo que é o Ancelmo Gois da Veja. Outra é falar que é do
NO. Do outro lado da linha vinha sempre a pergunta: “NO? O que é NO?”. Então eu
tinha que ficar explicando para as secretárias que NO era o site jornalístico
Notícia Opinião, era uma loucura. Teve também outras coisas interessantes.
ABI Online — Quais?
Ancelmo — A internet é fantástica
por causa da parceria e interação com o leitor que nos proporciona. Se a gente
escreve uma bobagem, imediatamente recebe uma mensagem assinalando que a nota
contém erro. Numa questão de minutos um cara lhe escreve provando que você é um
merda. No impresso você só tem esse contato uma vez por dia, quando abre a
correspondência vinda pelo correio. Enquanto que na internet essa comunicação é
on-line, com pessoas que podem ser idiotas ou cultas. A internet levou à
exaustão a interação do leitor com o veículo.
ABI Online — E por que o NO não
foi adiante?
Ancelmo — O NO era bancado por um
grupo de empresários que não tinha nada a ver com o jornalismo. Gente como
Daniel Dantas, pessoas ligadas à Brahma, o Carlos Jereissati e o dono da
Andrade Gutierrez, ou seja, investidores que criaram um produto jornalístico
certamente para vender mais adiante por um bom dinheiro, como era comum naquela
época. Só que no meio do caminho caiu a bolha e nesse período vagou o cargo de
colunista aqui no Globo, para onde eu vim substituir o Ricardo Boechat, que é
um grande amigo meu.
ABI Online — Quem são as suas
referências no colunismo nacional?
Ancelmo e Gilberto Braga
Ancelmo — A maior delas foi o
Zózimo com quem eu convivi no JB. Ele me inspirou no uso de algumas expressões.
Eu utilizo na coluna o estilo que ele e o Ibrahim Sued já usavam. Mas eu acho
que o Zózimo era o brasileiro que melhor escrevia em três linhas. Escrever
pouco é mais difícil do que escrever muito. Fazer um texto de dez laudas é
muito mais fácil, do que resumir toda informação em poucas linhas. Essa é uma
prática que requer uma inteligência especial. Mas eu acho que a qualidade maior
do colunista é o gosto pela reportagem, pela notícia e pelo furo.
ABI Online — Qual o princípio que
você defende sobre a relação do colunista com as fontes?
Ancelmo — É um desafio diário
você se aproximar, conviver e se separar quando é necessário de uma fonte.
Vamos supor que a fonte é um pilantra, você não vai ligar para ele e falar: “Oi
seu pilantra, me dá uma notícia”. O que eu quero dizer é que uma boa coluna não
vive de falar somente com santos. O colunista não pode ser promíscuo, mas é
impossível publicar as safadezas que ocorrem em Brasília ligando para o Colégio
São Bento ou o Convento de Santo Antônio. Porque se você ligar para esses
lugares não vai conseguir apurar o que está acontecendo de ruim na Capital. Pra
isso o colunista tem que ligar para os próprios personagens. Alguns ilustres,
mas a maioria nem tanto.
ABI Online — Existe uma fórmula
para colunista não escorregar na questão ética?
Ancelmo — Na realidade eu não sei
qual é a melhor maneira de se abordar uma fonte, se tornar próximo dela e, por
questões éticas, manter a devida distância. Sinceramente, eu não tenho uma
fórmula para isso.
ABI Online — Quem são as fontes
que você chama de cinco estrelas?
Ancelmo — Com o tempo o colunista
vai descobrindo as fontes que são boas de notícia e aquelas que nem tanto. O
Doutor Ulysses era uma boa fonte, mas quando se pedia a ele para revelar um bastidor
ele negava, já o Antônio Carlos Magalhães contava. Ao longo do tempo o
jornalista vai aprendendo que uma fonte não precisa ser necessariamente o
presidente da empresa, pode ser a secretária ou até mesmo um concorrente. Com o
amadurecimento na profissão a gente aprende quem são as pessoas para quem se
deve ligar. Descobrimos quem é fonte cinco estrelas, quatro, duas ou uma. Tem a
fonte com quem falamos uma vez por mês, outras a gente liga todo dia. Essas são
as cinco estrelas.
Ancelmo — Depende da informação,
da gravidade do assunto e da fonte. Como eu disse anteriormente depois de um
longo tempo na profissão o colunista vai prestando atenção naqueles que nunca
falharam e que lhe deixam mais relaxado. E também no cara em que a gente não
confia, e que nos obriga a dar dois ou três telefonemas para checar a
informação.
ABI Online — Em que medida o
trabalho em equipe ajuda na qualidade da notícia?
Ancelmo — As colunas atualmente
são feitas em equipe, não é mais como antigamente o trabalho de uma só pessoa.
A nossa é a melhor do colunismo brasileiro.
ABI Online — Você pode
identificar os seus colaboradores?
Ancelmo — Um deles é o Marceu
Vieira, que é o meu braço-direito e o cara que traz alguma graça para as notas
da coluna. Conto também com a Ana Cláudia Guimarães e o Aydano Motta que é o
editor do site. Oitenta por cento do meu trabalho e o de toda a equipe é dizer
não aos pedidos que chegam. É por isso que toda coluna tem que ter um bom grupo
trabalhando. Como a gente faz uma coluna que é muito lida, temos uma pressão
muito forte de gente querendo plantar notas.
ABI Online — Você tem uma jornada
de trabalho muito extensa?
Ancelmo — É um processo de muita
relação. Basicamente todo dia o jornal manda um motorista me pegar de carro em
casa às dez da manhã e às dez da noite é que eu saio da redação de volta ao
lar.
ABI Online — Como é que você lida
com o grande volume de informações que recebe diariamente?
Ancelmo e Zeca Pagodinho
Ancelmo — As notícias cada vez
mais têm um prazo de validade mais curto. Então muitas vezes o cara tem uma boa
história, mas se ele me contar fora do prazo de validade não adianta. O mundo
de hoje está cada vez mais veloz. É uma rapidez tão grande de uma informação
que às vezes o jornalista bobeia e não apura direito. Na internet isso é
mortal. Foi o que aconteceu com a Agência Estado, que ligou para a casa do
Zuenir Ventura e o garoto que atendeu de sacanagem disse “o Zuenir morreu”, e
os caras publicaram que o Zuenir tinha morrido. A internet é uma máquina
mortífera que já matou muita gente, inclusive o mestre Zuenir (risos).
ABI Online — Como se defender
desse tipo de barriga?
Ancelmo —Temos que ter cuidado
para a rapidez não nos domar, porque não podemos dar desculpa pelo tipo de
notícia. Não se pode dar uma nota na internet ou na rádio sem checar, a começar
pela morte de alguém.
ABI — O jornalismo on-line é
mesmo uma ameaça para o impresso?
Ancelmo — Tem um jornalista
americano que disse que o jornal impresso vai acabar no verão de 2035, então eu
quero que ele se dane. Primeiro, porque eu não acredito muito nisso; segundo,
porque em 2035 eu posso não estar vivo; e terceiro porque eu não quero que
acabe. O jornal impresso terá um dia uma finalidade mais nobre, por isso não
vai acabar.
ABI Online — Na sua opinião qual
é o nível do jornalismo brasileiro?
Ancelmo — Eu acho que nós fazemos
um jornalismo muito moderno. Veja o caso da TV Globo que tem sido comparada com
o que há de melhor nas TVs estrangeiras, inclusive por causa da produção de
novelas. No caso das revistas há publicações como a Veja, que está no nível das
maiores revistas semanais do mundo.
ABI Online — Atualmente ela tem
sido muito criticada.
Ancelmo — Essa é uma outra
questão que suscita o debate sobre como a imprensa se comporta diante dos
fatos. Cada um reage de acordo com o seu olhar, o seu cacoete e as suas
predileções ideológicas. Eu acho que nesse contexto a Veja radicalizou o seu
posicionamento, principalmente no conteúdo político que é bom. Se não fosse, a
revista não seria vendida. Se de um lado é um sucesso, por outro gera uma reação
muito forte naqueles que pensam diferente. Os jornais também não são isentos.
Para mim não há problema nenhum a Veja ter assumido esse caminho, desde que
haja outras publicações que assumam outras posições. Isso não me assusta.
ABI Online — Alguma vez você foi
censurado?
Ancelmo — Rigorosamente não, mas
já tive que responder a dezenas de processos. O Eurico Miranda, ex- dirigente
do Vasco, já abriu vários contra mim. Ele de sacanagem levava as ações para o
Fórum de Duque de Caxias, alegando que o Globo tem um escritório lá. Só pelo
prazer de me deslocar para a Baixada Fluminense.
ABI Online — É uma situação
constrangedora.
Ancelmo — Mas eu acho, e digo
isso de coração, que somente vamos conseguir fazer um país correto dando às
pessoas o direito de contestarem a imprensa. Ninguém está acima da lei. O Poder
Judiciário, desde que bem acionado, é um instrumento para ser acessado contra
qualquer cidadão, seja jornalista ou presidente da República.
ABI Online — Como você analisa o
quadro político brasileiro na atualidade?
Ancelmo com o Presidente Lula
Ancelmo — A política é uma arte
nobre indispensável no processo civilizatório de todas as sociedades. No caso
brasileiro, o que me preocupa é uma certa alienação de uma parcela da sociedade
com a política, principalmente os jovens. Vivemos um momento político especial,
mas no fundo somos vítimas do nosso próprio sucesso. Como implantamos uma
democracia, nós deixamos de nos dedicar mais à política.
ABI Online — Quais são os
problemas que esse comportamento tem acarretado?
Ancelmo — Eu vejo com muita
inquietação os dilemas que estão colocados para política brasileira, que
necessita urgente de uma reforma. Acho que um dos grandes problemas do Brasil
hoje é o fim dos partidos. Por exemplo, o PMDB é atualmente uma sigla
partidária regionalizada. Cada diretório do partido, em um município qualquer
do Brasil, pode ter uma política diferenciada do outro.
ABI Online — Que tipo de
prejuízos isso acarreta para o processo político?
Ancelmo — Não é possível fazer um
Congresso sem partido, um conglomerado de tendências. Por isso a reforma
política no Brasil é fundamental. Veja o caso da eleição norte-americana, ali
está muito claro que só existem dois partidos: o democrata e o republicano que
são mais protecionistas no campo da economia e mais interventores no âmbito do
Estado. Os democratas defendem garantias sociais mais fortes, enquanto os
republicanos são mais liberais no campo econômico. As coisas estão mais ou
menos separadas.
ABI Online — Você acha que no
Brasil as propostas não são tão claras?
Ancelmo — Exatamente. O que é o
PT hoje? Por que em São Paulo, nas últimas eleições, o PT tem tido uma
diferença tão grande de votos em relação ao Rio de Janeiro? É porque são dois
partidos totalmente diferentes reunidos em um só. O erro não está na população,
mas nos partidos; e o que vale para o PT, vale para o PSDB, PMDB e qualquer
outra sigla partidária.
ABI Online — No momento, você
acumula o trabalho na coluna com o programa “De lá pra cá” na TV Brasil. Você
gosta da televisão?
Ancelmo — O programa, que eu apresento com a
Vera Barroso, é voltado para a História, no qual a gente parte de um dado
histórico e o trazemos para o presente. Por isso o nome “De lá pra cá”. Pegamos
um episódio do passado e mostramos o que aconteceu daquela data até os dias de
hoje. Nos 70 anos do lançamento do livro “Vidas secas”, do Graciliano Ramos,
fomos até Palmeiras dos Índios, terra onde nasceu o escritor, mostrar a vida
naquela cidade atualmente.
ABI Online — E você está se
sentindo à vontade como âncora de programa televisivo?
Ancelmo — É um brinquedo, mas o
meu negócio é o jornalismo em papel. *
* Foto e texto reproduzidos do site http://www.abi.org.br
* Foto e texto reproduzidos do site http://www.abi.org.br
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