O Leitor Moderno é um Asno de Apartamento?
Por Dilson Ramos.*
O dia 31 de outubro de 2012 tende a se tornar um dia de luto
para os jornalistas e uma data funesta para a imprensa brasileira. Foi numa
quarta-feira que circulou pela última vez o 'Jornal da Tarde' (JT), o
importante diário do Grupo Estado criado em 1966 com um padrão gráfico inovador
e uma linguagem que logo conquistou leitores. O fechamento do JT, além de um
marco triste para jornalistas e leitores, desencadeou uma discussão sobre o
futuro dos jornais e lançou uma suspeita avassaladora em mim: estamos ficando
burros? Estamos virando asnos de apartamento, o típico leitor de manchetes de
portais de internet?
O hábito de ler jornal é secular. Ouvir o barulho da queda
do jornal na varanda de casa sempre dá uma sensação de prazer na alma do
leitor, de quem se sente um dos donos do mundo ao ler o diário no café da
manhã. Essa cena que nos remete a muitos filmes de Hollyood se repete cada vez
menos porque as novas gerações têm trocado a leitura de jornais por uma zapeada
em sites. A oferta de portais na internet
é tão grande que não há tempo hábil para se debruçar sobre a notícia - que está
em todos os lugares, às vezes com o mesmo título e conteúdo. Não sobra espaço
para a leitura.
O JT foi sepultado numa cova rasa no museu da imprensa,
abalado por uma doença que vinha a cada ano roendo suas forças: a falta de
leitores. Quem imagina que os jornais sobrevivem apenas com a receita de
publicidade não entende como pulsa o coração de um jornal impresso. A redação é
o cérebro e o coração dessa estrutura. Quando as notícias deixam de interessar,
e nas bancas é cada vez maior o encalhe, é o momento de colocar as barbas de
molho e esperar pelo pior.
A morte do 'Jornal da Tarde' até podia ser uma morte
anunciada, mas há sempre uma ponta de esperança por dias melhores, por uma
virada de placar no segundo tempo da partida. Mas parece que caprichar na
pauta, ajustar as manchetes e redesenhar o estilo não adianta, o hábito
saudável e prazeroso da leitura de jornal não passa de pai para filho, não é
transmitido de uma geração para outra. Aquele que não herda o gosto pela
leitura de um diário é o mesmo que deixa livros mofando na biblioteca e se
atualiza em sites, portais, blogs. A internet é sua única ferramenta de
leitura.
A perda de leitores pelos jornais não é um fenômeno novo. O
maior jornal do país, a 'Folha de São Paulo', alcançou na década de 90 a marca
impressionante de 1,1 milhão de exemplares/dia. Ao apostar numa reforma gráfica
ousada e na política de fascículos, a Folha bateu recordes de tiragem e virou
um sucesso editorial. Foi o primeiro diário brasileiro a atingir a marca
expressiva de um milhão de exemplares. Mas a chegada da internet, e a
transformação dos hábitos de leitura, fizeram com que a Folha - a exemplo de
outros grandes jornais - dessem marcha-ré. O ato de ler foi ficando um hábito
de poucos e o que se viu foi o surgimento do leitor moderno, diria, com certo
exagero e ressentimento, um asno de apartamento.
A 'Folha de São Paulo' hoje tem uma circulação diária de 280
mil exemplares. A média de tiragem deste ano é de 286 mil, contra 294 mil em
2010. Segundo o IVC (Índice Verificador de Circulação), a poderosa Folha está
há dez anos perdendo leitores e, lógico, reduzindo a tiragem. Pesquisa feita em
2009 revelou que nos 20 maiores jornais do país houve uma queda de 6,9% na
circulação. É um cenário aterrador para um para um país que sonha em conquistar
uma vaga na primeira divisão dos países, o Primeiro Mundo, através de uma
verdadeira revolução na educação.
Os pais de minha geração estão desapontados com seus filhos.
Têm pouca disposição em ler. O livro que ganham permanecem com as páginas
impecáveis, testemunho de um desdém que preocupa. O livro é recebido com festa
e acaba numa gaveta, na estante ao lado do DVD de Justin Bieber ou Lady Gaga.
Esse desapego pela leitura e um amor incondicional com a internet ameaçam
editores e a imprensa escrita. Essa geração que não cultua desde cedo o hábito
de ler pode tornar os jornais cada vez menores, obrigando-os a encurtar suas
equipes para sobreviver ao desprezo pela letra impressa. Os asnos de
apartamento que sepultaram o JT acompanham o correr apressado do relógio da
modernidade, mas criam um mundo pobre e inculto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário