Carlos Alberto Menezes
Publicado no Blog "Primeira Mão" (de Eugênio e
Kleber), em 22/03/2011.
Um Pasquim sergipano “O Rekado"
Por Afonso Nascimento
Prof. do Departamento de Direito da UFS
Três estudantes de Direito da UFS fundaram o jornal “O
Rekado”. Os seus nomes são Carlos Alberto Menezes, Walter Calixto e Arício
Fortes. Hebdomadário, era um jornal em formato de tablóide, impresso a chumbo
na Gráfica João XXIII, da Igreja Católica, tinha vinte folhas e, portanto,
quarenta páginas. Os fundadores e colaboradores pretendiam, com ele, fazer uma
espécie de “O Pasquim” sergipano. Ele funcionou durante todo o ano de 1973,
sendo publicados oito números.
Não era um jornal feito por jornalistas – à exceção de Hugo
Costa. Nenhum dos seus colaboradores era remunerado pelo que escreviam. A
grandíssima maioria dos colaboradores ou articulistas era composta por
estudantes de Direito, a saber, à parte os três nomes mencionados acima,
Luciano Oliveira, Hélio Paz, Alcides Melo, José Cláudio dos Santos, entre
outros. Mas havia também estudantes de outros cursos universitários como Jane
Vieira, então poetisa famosa e estudante de Letras. Contribuiu também um
importante intelectual da época chamado Alberto Carvalho, sob o nome de Roberto
Carvalho. Um político sergipano que escreveu notinhas foi AVAL, ou seja,
Antônio Carlos Valadares. O jornal tinha também correspondentes em outros
lugares como Bosco Mendonça, em Brasília.
O financiamento de “O Rekado” é uma parte que chama a
atenção de quem lê o jornal. Era muito grande o número de anunciantes. Como
explicar isso? Imagino que isso tenha a ver com os altos custos da impressão e
com o fato de esses tantos anunciantes darem pequenas contribuições. Os
anunciantes eram prefeituras do interior e também da capital, empresas,
escritórios de advocacia e de medicina, laboratórios e até o Judiciário
sergipano, através da publicação de editais. Por trás desse trabalho cansativo
de bater de porta em porta em busca de dinheiro estava o diretor comercial
Walter Calixto e Carlos Alberto Menezes.
O jornal procurava imitar o Pasquim e tinha muitas seções.
Na primeira página, além das manchetes e chamadas, havia sempre uma frase
engraçada, distorcida, que se queria inteligente, cuja inspiração parecia vir
diretamente de Millor Fernandes. Dentro do jornal havia muitas colunas
permanentes que nem sempre apareciam. Ei-las: editoriais, respostas às cartas
dos leitores, a coluna política de Carlos Alberto Menezes, a coluna de Luciano
Oliveira, a coluna literária de Jane Vieira e seus convidados, a coluna
esportiva (com destaque para as notícias sobre o kart, a paixão de Walter
Calixto), a coluna social escrita por Lânia Duarte e por Alexander (Arício
Fortes?), a coluna de Hugo Costa, a coluna de ensaios de Hélio Paz (de todos
colaboradores era aquele que mais deixava transparecer os autores
estruturalistas franceses da moda) e, ponto forte, as entrevistas.
Os entrevistados foram nomes sergipanos pertencentes a
diversos domínios da cultura local. O primeiro foi o pintor Adauto Machado, que
foi seguido pelo poeta Amaral Cavalcanti, o intelectual (inclassificável, por
ter uma obra que cobre muitas áreas) Luiz Antônio Barreto, o historiador da
política sergipana Ariosvaldo Figueiredo, o político do MDB Guido Azevedo,
nomes do MDB nacional (numa entrevista coletiva) e Luiz Adelmo (numa entrevista
à parte feita por Lânia Duarte). Em todos os entrevistados, observa-se um
cuidado em relação àquilo que era dito – zelo mais perceptível na entrevista
com Guido Azevedo. No todo, pode-se ter uma razoável ideia do clima cultural e
político de Sergipe no começo da década de 1970.
Eu imagino que todos os colaboradores do jornal praticavam a
auto-censura. Com efeito, procurei com cuidado qualquer crítica à ditadura
militar e nada encontrei – a não ser duas notinhas muito indiretas - ou para
“iniciados” - de Carlos Alberto Menezes sobre Filinto Müller (referindo a sua
ligação com a ditadura de Vargas) e outra sobre Médici, adaptação de famosa
piada com trocadilho com o verbo medir (“mede-se”). Além de política, os temas
tratados pelo jornal eram, sobretudo, culturais: cinema, teatro, música,
esportes, literatura. Em muitos casos, a linguagem era aquela de aprendizes de escritores
e em outros de jovens com domínio das técnicas de redação. A propósito de
linguagem, não sei por que esses jovens adotavam a letra K, ao invés do C, em
todas as ocasiões em que isso era possível. Querem exemplos? DestaKadas,
DesKargas, ReKado, etc.
Os destinatários do jornal eram, suponho, os jovens
universitários daqueles tempos. Isso pode ser deduzido pelo conteúdo das
matérias produzidas relativas aos seus interesses e pelo preço do jornal de um
cruzeiro. Existe muito texto sobre os cursos de graduação da UFS, notícias
universitárias em geral, o Festival de Arte de São Cristóvão criado em 1972.
Mas o jornal também era destinado a outros públicos de outras faixas etárias.
Agora, afora algumas exceções, o jornal nada tinha a ver com os seus anunciantes,
posto que os seus leitores, a não ser de forma excepcional, dificilmente seriam
compradores dos produtos e dos serviços ali vendidos. Quais eram a repercussão
e o impacto do jornal junto à juventude universitária sergipana de então? Vou
deixar essa questão para outras pessoas responderem.
O jornal não tinha nenhuma filiação partidária. Isso é dito
bem claramente numa das entrevistas. Agora, pode-se notar, na entrevista com
Guido Azevedo, que os jovens estavam próximos da oposição à ditadura militar,
próximos do MDB e, mais precisamente, mais próximos ainda dos políticos
“autênticos” do MDB. Percebe-se também nítida simpatia por Jackson Barreto e
Jonas Amaral, num período em que a ala jovem do MDB já fora fundada em Sergipe.
Mas não afirmarei – embora pareça – que essa proximidade dos estudantes de
Direito com o MDB, que levará ao PCB e que será atropelada, em 1976, com a
Operação Cajueiro, comece por essa época. Não pode deixar ser dito, ainda a
esse respeito, que diversos anunciantes eram prefeitos da ARENA, o partido da
ditadura militar.
Para terminar, seria interessante colocar a questão: o
ReKado foi um jornal da imprensa alternativa ou um exemplo de jornalismo
estudantil? Ele me parece, inicialmente, uma amostra de expressão de jovens
estudantes de Direito rebeldes, talentosos e empreendedores que se afirmarão
mais tarde, além do ordinário, nos domínios profissionais que escolherão para
si (academia, profissões jurídicas etc.). Entendo que foi mais imprensa
alternativa do que jornalismo estudantil. Não deixou de ser lamentável que a
Polícia Federal o tenha fechado no início de 1974, quando estava sendo impresso
o seu número nove na referida gráfica. Sendo o jornal chamado de “clandestino”
(sic), os seus principais colaboradores foram intimados a depor em inquérito
junto à PF (que à época tinha uma fama negativa por sua associação à repressão
política e cultural), mas ninguém foi preso. Mesmo que jornal tenha sido
publicado por menos de um ano completo, esses jovens rebeldes e inquietos
tinham dado o seu recado contra a ditadura militar.
Texto reproduzido do Blog primeiramao.blog.br
Foto reproduzida do Google
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