Capas de CartaCapital ao longo desses 20 anos
Publicado originalmente na Revista CartaCapital, em 15/08/2014.
Especial 20 anos.
Quanto valem estes 20 anos?
CartaCapital faz aniversário depois de duas décadas a nadar
contra a corrente diante de caluniadores dados à concorrência desleal.
por Mino Carta.
Esta é a edição do 20º aniversário de CartaCapital. A
ocasião oferece óbvios motivos de satisfação a quem a publica e aos seus
leitores. Mas a fatalidade interfere com indiferença feroz na vida do País e
lança uma sombra de profunda tristeza sobre nossa celebração.
Estamos envolvidos no pesar da nação, golpeada pelo
desaparecimento de Eduardo Campos, o jovem líder pernambucano herdeiro de
notáveis tradições, candidato à Presidência da República nas próximas eleições,
já intérprete de um papel importante e certamente destinado a um futuro
decisivo na política brasileira.
Tratava-se de um amigo verdadeiro de CartaCapital, de cujos
debates capitais participou mais de uma vez, a última em março passado, ao lado
de Paul Krugman e Delfim Netto, entre outros. Saiu-se com brilho. Falava com
fluência e clareza, tinha ideias e ideais. Almoçamos lado a lado no intervalo
do evento, como se dera, anos atrás, no Recife, no encantador Leite no centro
da cidade. Grande e forte, cavalheiro cortês, os olhos o traíam, de certa
forma, mostravam energia irresistível, impulso avassalador. Assim dele me
lembrarei.
Entristeceu-me, no começo oficial da campanha eleitoral,
quando CartaCapital definiu seu apoio à reeleição de Dilma Rousseff, o dissabor
que Eduardo fez chegar aos meus ouvidos, na crença de ter sido apontado como
candidato da direita. Entendera mal. Entre os motivos de nossa escolha estava a
percepção de que ele, a despeito de suas crenças sinceras, acabaria tragado
pela virulenta campanha anti-Dilma, anti-Lula, anti-PT, desfechada desde sempre
pela mídia nativa, de sorte a trazer para o lado da reação quem se opusesse aos
alvos do seu ódio. Não tive a oportunidade, infelizmente, de explicar as nossas
razões.
A vida, bem sabemos, é um átimo imensurável, a não ser,
talvez, pelos pés alados de Hermes. Sobra a memória, caminhada para trás nem
sempre feliz. Mesmo as boas lembranças carregam a saudade de nós mesmos. E
então me vem à mente uma reunião de junho de 1994 na sala de estar da minha
casa. Lá estavam Nelson Letaif, George Duque Estrada, Bob Fernandes, Wagner
Carelli. Falava-se do projeto de uma revista ainda sem nome. Tomávamos vinho
branco.
Vínhamos de experiências comuns em épocas diversas,
sedimentadas por Bob, Nelson e Wagner na redação de IstoÉ, da qual havíamos
saído em turvas circunstânciais. Outra figura da turma, a minha fiel secretária
Mara Lúcia da Silva, para quem telefonei no dia seguinte. “Mantenha-se de
prontidão – avisei –, a revista vai sair.” Telefonei também para os eternos
amigos fraternos, Luiz Gonzaga Belluzzo e Raymundo Faoro para comunicar o que
me parecia ser boa-nova. Por mais de duas décadas, contávamos com eles como
conselheiros e colaboradores.
Mensal, a publicação, que os recursos não permitiam voos
mais amplos. Nascia de uma ideia inicial de Andrea Carta, meu sobrinho, então
diretor da Carta Editorial, fundada por meu irmão em agosto de 1976. Andrea
imaginava uma revista de Economia e Negócios, disse a ele que esta eu não
saberia fazer. Propus uma publicação para fiscalizar o poder onde quer que se
manifestasse, na política, na economia e na cultura. Concordou. Muitas mudanças
se deram ao longo do caminho, porque a revista ganhou corpo e fôlego. O que
nunca mudou foi a linha editorial.
Mensal, de meados de agosto de 1994 a março de 1996.
Quinzenal até agosto de 2001. Enfim semanal de uma nova editora batizada
Confiança, ousada aventura, estranhamente confiante, conduzida por dois
cidadãos desprovidos de qualquer vocação empresarial. Felizmente, contamos com
a competência comercial e administrativa da equipe comandada por Manuela Carta
e, anos depois, também por Luís Moraes. E, enfim, com a entrada em cena de um
novo sócio sabedor das coisas, Eduardo da Rocha Azevedo.
Nem todos os fundadores estão aqui hoje. Outros jornalistas
vieram, afinados com o projeto capaz de se opor ao pensamento único para
defender o seu, insólito no panorama. Ou, por outra, a denunciar a permanência
insuportável, a resistência implacável da casa-grande e da senzala, a
precipitar um desequilíbrio social monstruoso. Se houve melhoras com os
governos Lula e Dilma, e as houve, não foram suficientes. E, como a mídia
nativa se empenha em demonstrar diariamente, a mentalidade dos senhores fica
intocada, infensa ao mais tímido exame de consciência.
De todo modo, mantenho viva a convicção de que a atual
CartaCapital é a melhor entre as publicações que tive a honra e o prazer de
dirigir. Obra coletiva de uma redação impecável, encabeçada pelo
redator-chefe Sergio Lirio.
O tempo é invenção do homem, e se sujeita a adquirir
dimensões diferentes. Quanto valem 20 anos de vida de uma revista que nada
contra a corrente, obviamente incompreendida por muitos leitores dos jornalões
e dos semanalões, constantemente alvejada pelos escribas dos donos da
casa-grande e hostilizada pelos sabujos que chamam o patrão de colega? Creio
que valham mais do que quantos foram vividos por escribas e sabujos, e seus
patrões.
Este é um dia feliz. Mas é também muito triste, Eduardo
Campos vai fazer falta. Ao acima assinado, por exemplo. E ao Brasil.
Imagem e texto reproduzidos do site: cartacapital.com.br/revista/813
Nenhum comentário:
Postar um comentário