segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Carta à Paulo Barbosa, de Ancelmo Góis, do Jornal O Globo

Imagem meramente ilustrativa.

Carta à Paulo Barbosa, de Ancelmo Góis, do Jornal O Globo.

Paulo do Bem.

Eu já cheguei naquela fase da vida que a gente anda, para cima e para baixo, com o bolso cheio de remédios. É hora então, de preparar o ouvido e o coração para as coisas que o médico vem contar- desagradáveis, quase sempre. É comum nesta fase da vida ser atingido com telefonema, até mesmo de madrugada, trazendo má notícia.

Outro dia, voltando de uma viagem, soube da morte do economista e jornalista Paulo Barbosa de Araújo. Foi uma paulada. Perdi um amigo querido. Poucas pessoas eu conheci - nesta estrada da vida, que já dura 51 anos - tão idealista e generosa como ele. Amava e lutava pelo próximo nos pequenos gestos do dia a dia. Era um intelectual inquieto preocupado com os desencantos do universo - mas muito fixado pela idéia recorrente de tirar Sergipe do atoleiro econômico e social - Paulo era do bem.

Ele foi meu colega na Gazeta de Sergipe no agitados anos sessenta. O jornal era uma universidade de jornalismo impresso em tinta e papel. O "reitor", Orlando Dantas, era um filho da elite que resolveu romper com o atraso. O jornal fazia a terra tremer.

Não tinha rabo preso. Travava todo dia uma batalha campal contra a roubalheira no setor público. Esbanjava jornalismo.

Debaixo dessa liderança se forjou uma redação de peso. Dela fazia parte, entre outros, Ivan Valença, Paulo Barbosa, José Rosa de Oliveira Neto, Macepa (António Lopes), José Carlos Monteiro, Nino Porto e Chato (Carlos Alberto de Jesus). Chato morreu cedo. Era uma espécie de Cazuza do Jornalismo. Espírito rebelde, tinha uma inteligência fulgurante - capaz de fazer bonito numa redação do Rio e de São Paulo.

O comando da tropa estava com Ivan Valença. Era de todos nós o jornalista mais completo. Acho mesmo que ele foi o principal responsável pela modernização da imprensa sergipana. Antes dele os jornais locais eram meio panfletários.

Atento à revolução gráfica que vinha ocorrendo no Jornal do Brasil Ivan valorizou na Gazeta o texto claro, limpo, bem apurado e bem escrito. Ele me deu régua e compasso. Com ele aprendi os primeiros macetes da profissão.

Outro professor foi o Zé Rosa. Ele tinha no meu tempo uma presença bissexta na redação. Mas foi o meu guru. Em minha juvenil soberba ameaçava ler a obra completa de Karl Marx e Engels. Coube a Zé Rosa aplicar um choque de humildade. Antes de voar alto eu tinha de conhecer os livros de nativos como Graciliano Ramos ou Amando Fontes. Outra feita fez com que eu recusasse um emprego de assessor da Galeria Álvaro Santos - sem sair da Gazeta. "Jornalismo não pode ter bico no governo", sentenciou em 1966 - numa época em que este tipo de promiscuidade era aceita até nos grandes jornais nacionais.

Já Paulo Barbosa tinha um faro profissional privilegiado. Quando o homem pisou pela primeira vez no chão fino e poroso da lua, foi dele a idéia de me mandar para a periferia da cidade para repercutir, aquela odisséia no espaço, com o povo simples e inculto. Na Aracaju de 1969, ninguém acreditava. Aquilo era visto como uma coisa de satã. Uma blasfêmia que poderia apressar o fim do mundo. Aposto que uma idéia dessa num jornal como o A Folha de São Paulo, por exemplo, seria capaz de arrebanhar prêmios.
P.S. Um beijo pesaroso para Osa Araújo, Paulo Mário e George Marcelo.

Ancelmo Gois Jornalista.

Texto reproduzido do blog: "Cajueiros e Papagaios", de Gace Melo, em 24 de Junho de 2010. 
Link: cajueirosepapagaios.zip.net

Post migrado da página do Grupo MTéSERGIPE. http://migre.me/kXjTR

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