sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Bemvindo Sales de Campos (1928 - 2010)

Foto: César Oliveira.

Publicado originalmente no site Osmário Santos, em 17/05/2010.

Com boas histórias: Bemvindo Sales, um jornalista da pesada.
Por Osmário Santos.

Bemvindo Sales de Campos Neto nasceu em 23 de setembro de 1928, na cidade do Rio de Janeiro, sendo filho de João Sales de Campos e Odete Ferreira Sales.

O pai foi durante muitos anos administrador da mesa redonda da cidade de Estância, fiscal de renda do Estado e fundador do Ipes.

Um homem extraordinário na concepção de Bemvindo, que era compositor, boêmio, poeta, cantor e muito liberal. Um homem, que pela sua veia revolucionária na revolução comandada por Maynard Gomes, foi preso, fugindo posteriormente para o Rio de Janeiro, onde conheceu a sua Odete, vindo da união o carioca, apenas de nascimento, Bemvindo de Sales Campos Neto.

Hoje em vida, o filho aplica a honestidade tão bem passada por memoráveis lições. “Meu filho,
por amor de Deus, não tire um tostão do palácio pra você”.

Por ter sua mãe morta quando tinha um ano de idade, Bemvindo não possui nenhuma lembrança dela.

Um ano após a morte da mãe, veio morar em Aracaju com seus avós, chegando no ano de 1929. Uma infância cheia de peripécias, deliciando-se da brisa do Ivo do Prado, quando morava na fundição, onde hoje é a Capitania dos Portos. Ali tinha duas casinhas iguais e, adiante, tinha uma fundição, onde produzia trabalhos em ferro e bronze para embarcações. Da Capitania dos Portos até o Cotinguiba, naquela época, chamava-se Fundição. De lá até a praia 13 de Julho, chamava-se O Carvão e Praia Formosa.

Na idade de ir para a escola, em vista do casamento do pai, já retornando a Sergipe, sem mais impedimentos políticos, foi morar com ele, na cidade de Estância.

Não se lembra da primeira professora, mas tem grandes recordações da famosa professora Maroca Monteiro, do Colégio Camerino, que recebia em Estância alunos vindos de todo o Estado, por sua capacidade de educadora, dizendo que foi ela responsável por um bem feito curso primário, reforçando no 4º ano, com os ensinamentos da professora Ofenísia Soares Freire, prima de sua madrasta.

Em Aracaju, veio fazer o curso ginasial, estudando três anos no Colégio Tobias Barreto e um ano no Colégio Atheneu Sergipense.

Foi sargento

No Tobias, dirigido pelo professor Zezinho Cardoso, que funcionava em esquema militarizado, foi sargento e rebaixado a cabo quando foi flagrado com a mão na botija. “Uma vez o professor Zezinho me pegou roubando uma manga rosa e daí fiquei como cabo”.

Concluiu o curso ginasial no ano de 1944, indo morar em Propriá junto ao pai, que tinha sido transferido para aquela cidade por motivo de trabalho.

Resolveu deixar os estudos para enfrentar o trabalho, com primeiro emprego na Exatoria, como
ajudante de despachantes. Depois, foi encarando o trabalho numa boa, sempre com o gosto de experimentar algo de novo. Foi representante comercial, vendendo material químico, indo parar no ramo de sal da Usina Mangaba, de Nestor Dantas, irmão de Orlando Dantas. Vendia em Sergipe, Alagoas e Bahia. O sal era transportado por navio e trem.

Vendedor esperto, ainda construiu um depósito em Propriá, dando-se bem até que o Rio Grande do Norte entrou no mercado de sal, acabando com o sal de Sergipe e deixando Bemvindo a ver navios.

Em Propriá, ainda no tempo das vacas gordas, de muito sal, escrevia coisas bonitas para as meninas, até que num certo dia resolveu publicar uma de suas crônicas de amor, que resultou os primeiro trabalho na imprensa de Sergipe, através do Correio de Propriá, um dos jornais mais antigos do interior de Sergipe, que foi fundado por Domúsio de Aquino, famoso político sergipano de Propriá, que foi deputado, sendo um dos republicanos fervorosos. O jornal ainda existe, sendo dirigido por Jaime Laudário, que está velhinho, mas continua firme no jornalismo, lutando e mantendo o jornal. “É um herói”. Saindo do sal foi ser vendedor de Eliezer Góes onde viajou por todo o são Francisco, vendendo perfume e calçados.

Foi escrivão de polícia

Vindo até Aracaju para participar de Congresso Eucarístico, ficou na casa da tia, quando passou a sentir saudades do tempo em que pintava e bordava na cidade. Não resistindo, após o evento religioso, resolveu trabalhar no comércio de Aracaju, conseguindo emprego na maior barbada com a firma Preço Fixo, que funcionava onde hoje é a esquina Ric, na rua Itabaianinha, na função de balconista.

Depois, foi trabalhar na firma J. Carneiro, na rua São Cristóvão, vendendo produtos farmacêuticos. Sempre na procura do melhor, foi ser representante de Hercílio Prado Almeida, chegando tempos depois, na Polícia civil, como ajudante de escrivão, graças ao amigo de Própria, Paulo Xavier de Andrade Moura, que era o chefe de Polícia da época. Dois anos depois chegou em casa com um revólver bonito no quarto. “Meu pai perguntou o que era. Quando disse que era uma arma, ele mandou que eu, imediatamente voltasse para devolve-la e para pedir demissão, pois não queria me ver como pistoleiro, nem como investigador”.

Dos inquéritos em que participou como ajudante de escrivão, não pode deixar de falar aos relacionados com defloramento, por despertar-lhe uma atenção especial. Eu assistia aos exames médicos de defloramento, quando acontecia os exames das meninas que vinham do interior, desvirginadas pelos malandros. O médico fazendo exame, eu aqui olhando e datilografando o que ele ditava (risos). Saindo da Polícia civil, com ajuda do pai, que era amigo do Dr. Marcos Freire de Jesus, um dos grandes administradores de Aracaju, tendo sido presidente da Assembleia Legislativa, governador interino, deputado federal e prefeito de Aracaju, Bemvindo foi nomeado encarregado do expediente da Câmara Municipal de Aracaju, onde fez carreira, saindo como diretor.

Sendo ligado à família Alencar por laços de afetividade, recebeu de Alencar Filho o convite para ser o seu assistente no gabinete do então prefeito Godofredo Diniz Gonçalves. Com o golpe de 64, Alencar saindo do cargo, Bemvindo assume o cargo de gabinete do prefeito, o equivalente hoje a secretário geral da prefeitura. Tempos depois, foi nomeado por Godofredo como secretário de Administração Geral.

Com a posse de Lourival Baptista no governo de Sergipe, não recusou o convite do governador e foi nomeado secretário de imprensa, administrador do Palácio Olímpio Campos, controlador de verbas e assistente técnico do governo. Uma façanha e tanta. Bemvindo, mostrando os dentes e o seu largo sorriso diz: “Exerci quatro cargos e só ganhava por um, por proibição da lei”. Após saída de Lourival do governo, voltou para a Câmara de Vereadores, mas logo foi requisitado pelo Tribunal de Contas. Assim aconteceu por ter feito concurso para escrivão e conquistado o 1º lugar.

Sendo sempre requisitado, foi nomeado secretário de Imprensa de governo José Rollemberg Leite, continuando como assessor de Imprensa do governo Augusto Franco, quando foi aposentado como escrivão efetivo do Tribunal de Contas.

Com João Alves assumindo o governo do Estado, foi nomeado assessor de Imprensa, continuando na função no governo de Antônio Carlos Valadares. No Tribunal de Justiça, também trabalhou como assessor de Imprensa, voltando no segundo governo de João Alves, com a Assessoria de Imprensa, com toda sua experiência de jornalismo no serviço público.

Jornalismo

No Jornalismo, uma outra história, que inicia em Aracaju, no tempo em que trabalhava na Polícia Civil, quando fez amizade com um dos políticos responsáveis por um dos jornais de circulação da época.

Havia aqui três jornais: o do PSD, que era do governo, chamado Diário de Sergipe, o jornal de Paulo Costa, Sergipe Jornal, que era o balanço nem de um lado, nem de outro, pois era imparcial, e existia o jornal da UDN, que era o Correio de Aracaju. “Fui escrever uma coluna no Diário de Sergipe, do PSD, que dei o nome de Chumbo Muído atendendo convite do Dr. Marcos Ferreira de Jesus”.

Atuou no jornal O Nordeste, pertencente a Francisco de Araújo Macêdo, que era presidente do Partido Trabalhista Brasileiro, Sempre com os bolsos limpos, foi escrever a Gazeta Socialista de Orlando Dantas, que tinha sua redação na rua são Vicente. Era o responsável da coluna literária.
Bemvindo conta que na Gazeta Socialista, só escrevia o que era ligado ao partido. Seu Orlando, Antônio Garcia, José Rosa, Hildegardes, Astrogélio Porto, Bandinha, fazendo esporte e outros intelectuais da época.

Convidado por Hugo Costa escreveu no Sergipe Jornal. Sempre cotado, passou pelo jornal da UDN, Correio de Aracaju. Os diretores eram: Fernando Franco e Gilton Garcia. No Correio de Aracaju Bemvindo trabalhou como diretor gerente. O jornal combatia Seixas Dória.

Passagem pelo rádio

Bemvindo também registrou passagem no rádio sergipano, trabalhando como produtor de programas na Rádio Cultura. “Trabalhei uns três anos, tendo produzido vários programas: Radioscope, Arraial da Panelinha, Encantamento e outros que não me lembro mais.

Como secretário de Imprensa foi diretor da Rádio Difusora por algumas vezes, por ocasião das viagens do diretor Santos Santana. Na Revista Alvorada, trabalhou por cinco anos, como diretor cultural. No polimento da memória pela sua passagem em jornais de Aracaju, lembrou-se a tempo de dizer que no seu tempo de estudante, fez o jornal O Imparcial. Já adulto, tentou reeditá-lo e não deu certo. No Tribunal de Justiça, editou três revistas, e era o responsável pelo Diário Oficial do Tribunal. “Hoje não tem, mas na minha época tinha. Saía na primeira página a foto do presidente, dos desembargadores, recebendo autoridades, numa solenidade.

Editou o Álbum de Sergipe nos anos de 89 e 90. Pouca gente em Sergipe conhece. Participou da Revista de Aracaju, que foi editada por ele, Hugo Costa e Santos Santana. Escreveu crônicas na Gazeta de Sergipe, Jornal da Manhã, escrevendo atualmente na Folha da Praia, com muita leveza.
Considera memorável o período em que foi eleito presidente da Associação Sergipana de Imprensa, quando passou a conviver mais com colegas de profissão. Gostou tanto que promete, na saída de Elito Vasconcelos, sair candidato, com força e disposição total.

De feito como jornalista que considera um marco, foi quando fez uma entrevista com o senador Leandro Maciel. Aconteceui em plena revolução, quando todo mundo tinha medo das Forças Armadas, Exército, principalmente. “Perguntei a ele se podia fazer umas perguntas para revista Alvorada. Ele me respondeu: Perfeitamente. Quando perguntei se me respondia tudo que perguntasse, também me respondeu com o seu perfeitamente Aí fiz a entrevista, onde ninguém naquela época respondia nada, pois todo mundo tinha medo. Preparei as perguntas mostrei ao diretor da revista, Hildebrando, o Bandinha, levei e Leandro me respondeu todas. Tinha uma que era a seguinte: O Senhor acha que a revolução já cumpriu o seu papel e que os militares devem voltar aos quartéis? Ele me respondeu: Perfeitamente, é uma boa pergunta, é isso mesmo que eu penso, pois já é tempo dos civis voltarem a tomar conta do Brasil. Isso foi um sucesso na época”.

Cabarés

Na vida noturna de Aracaju, Bemvindo sempre foi bem vindo pelas mulheres, quando era um dos bons dançarinos de tango, dos cabarés de Aracaju. Das mulheres da noite que fizeram sucesso, ele se lembra muito bem: Maria Pernambucana, uma mulher lindíssima, que os homens pagavam rios de dinheiro e ela só iria com quem bem queria. China, uma outra mulher bonita. “Nessa época eu era bonitão e dinheiro era para os bestas, os velhinhos. Comigo a conversa era outra, pois eu ia com muito carinho”.

Uma outra lembrança, vem de uma chácara no bairro Santo Antônio freqüentada pelos homens da alta sociedade sergipana. A chácara era de Agrepino Leite, que construiu uma casa belíssima. Quando ele morreu, os filhos venderam e o seu proprietário alugou a Nelson de Rubina, que fez um senhor cabaré chamado Rancho Alegre. Era um cassino onde só tinha mulheres da Bahia e do Rio de Janeiro.

Família

Casou com Maria Aliamor ribeiro, com mais de 25 anos de união, tendo dois filhos: João Mário e Odete. É avô de dois netos.

Texto reproduzido do site: usuarioweb.infonet.com.br/~osmario

Um comentário:

  1. Esse comentário sobre Benvindo é verdadeiro é legítimo, é terno ,amigo , mas falta muito, mas muito mesmo para descrever a riqueza cultural, o conhecimento dos sergipanos, dos políticos, do povo em geral, da beleza interior, do grande coração que Benvindo tinha, do amor imenso da ternura pela sua esposa e filhos das histórias que contava é encantavam até as crianças .Esse é meu Benvindo do qual temos saudades e jamais esquecerei.Foi-se o carioca, mais sergipano que eu conheci.Obrigada, Armando, por lembrar -se desse grande jornalista, cronista e amigo dos amigos que foi meu irmão

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