sábado, 18 de fevereiro de 2017

A imprensa do arco da velha


Publicado originalmente no Facebook/Amaral Cavalcante, em 17/02/2017.

A imprensa do arco da velha.

O primeiro jornal que eu conheci foi o Jornal “A Semana”, de Simão Dias. Escrito, editado, ilustrado e impresso pelo jornalista Zeca Déda, era produzido no antigo processo tipográfico: cada linha era pacientemente composta com seus respectivos espaços e pontuações, a partir de letras de chumbo separadas por fontes e tamanhos em centenas de escaninhos dispostos em gavetas.

Já em Aracaju, o primeiro jornal onde eu trabalhei foi o “Sergipe Jornal” que fora do Jornalista Paulo Costa e houvera sido comprado por José Carlos Teixeira. Era editado, então, por Edmundo de Paula e composto, ainda, por tipos móveis e impresso numa velha máquina apelidada de “perereca”, zuadenta e estrambólica. O Sergipe Jornal, vendido ao grupo “Diários Associados”, de Assis Chateaubriand, deu lugar ao “Diário de Aracaju”, editado por Raymundo Luiz da Silva e já em processo de linotipia. A máquina Linotipo, inóspita e barulhenta, era como um dragão de sete cabeças vomitando os lingotes de chumbo que, devidamente empilhados, formatavam a página matriz para a impressão do jornal.

A Linotipo

Agora imaginem vocês a Linotipo, um monstrengo de ferro alimentado com chumbo derretido a não sei quantos graus, chiando e bufando fedores num ambiente exíguo e sem ventilação, enquanto movia hastes e alavancas como um transformer louco, para, depois de tanta zuada, cuspir apenas um lingote de letras formando uma frase, na bandeja final. Uma tirinha de chumbo onde se lia: “ na tarde dessa quinta feira o meliante”... O calor era tanto e tão grande o stress nas oficinas que os linotipistas só trabalhavam tungados na cachaça. Os vapores do chumbo abreviaram a vida de muitos deles.

Depois, esses lingotes eram acomodados em uma bandeja de ferro com travas delimitando o espaço da página e, ali, formavam a uma coluna de chumbo com a matéria. Os títulos ainda eram compostos com letras tipográficas e as lustrações, em forma de clichê, gravadas com ácido numa placa de zinco e pregadas depois num suporte de madeira para alcançar a altura dos lingotes. Cada jornal tinha a sua clicheria com fotos das principais autoridades já devidamente montadas, para uso eventual. Era caro produzi-los e não era todo dia que a clicheria dispunha de material para tanto. Assim, eram constantemente usados os mesmos clichês para ilustrar matérias diversas.

Não era raro trocarem-se os clichês, muitos deles meio apagados pelo uso constante. Na Gazeta de Sergipe, certa vez, publicaram o clichê do piedoso arcebispo D. Brandão ilustrando a notícia sobre a fuga de um “perigoso meliante”. O clicherista miope foi demitido.

Pronta a página com os lingotes de chumbo devidamente arrochados e os clichês colocados na altura certa, a tarefa era levar até a Perereca impressora o pesado trambolho, sem o desmanchar. De lá saia o jornal nosso de cada dia.

A modernidade gráfica foi implantada entre nós por Nazário Pimentel e Ivan Valença, no avançado “Jornal da Cidade”, composto em máquina IBM de esfera e impresso em Off-Set.

Amaral Cavalcante - 2004.

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Amaral Cavalcante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário