Imagem simplesmente ilustrativa, postada pelo blog Meio Impresso.
Publicado originalmente no blog Primeira Mão, em 31/08/2014.
Um livro sobre o jornalista Paulo Costa
Por Afonso Nascimento *
Houve um tempo em que Sergipe era um grande exportador de
intelectuais para a Bahia. Com efeito, muitos nomes sergipanos fizeram carreira
intelectual em Salvador como, por exemplo, o historiador José Calazans, o
cronista e jornalista Mário Cabral, etc. Antes de terminar o século XX, Sergipe
passou a ser um centro cultural e intelectuais baianos passaram a fazer o
caminho inverso dos sergipanos e começaram a desembarcar por estas bandas, aqui
se estabelecendo. Com a sua presença aqui, a vida intelectual sergipana ficou
ainda mais enriquecida.
O professor universitário, escritor, jornalista Gilfrancisco
é uma boa amostra do que estou falando. Baiano radicado há muitas décadas em
Sergipe, esse membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe tem
contribuído para dinamizar a vida intelectual local com o fluxo permanente de
sua produção intelectual. Eu o conheço há muito tempo, mas digo que é sempre um
prazer renovado encontrar com esse pesquisador irriquieto. Quando isso
acontece, esse grande frequentador dos arquivos sergipanos tem sempre alguma
documentação nova ou alguma produção intelectual para mostrar. Pois bem, na
última que eu o encontrei, ele me disse que tinha produzido um livro com
trabalhos de Paulo Costa.
Quem foi Paulo Costa? Foi um homem público e intelectual que
viveu entre 1912 e 1961. Ele nasceu em Propriá, Sergipe, filho de um advogado
muito conhecido que escreveu algumas obras jurídicas. Da mesma forma que seu
pai, resolveu seguir profissão jurídica, para tanto indo estudar na famosa Faculdade
de Direito de Bahia e lá se graduando em 1935. Durante esses estudos
universitários, conviveu com muitos membros da elite social sergipana como,
além dele próprio, Alberto Bragança Azevedo, José da Silva Ribeiro, Francisco
Leite Neto, etc.
Na sua volta da Bahia, num quadro de carência de pessoas com
diplomas jurídicos, foi nomeado promotor público, exercendo essa profissão, ao
lado da advocacia (coisa então permitida por lei), até o seu falecimento em
1961. Além do exercício de duas profissões jurídicas, foi também professor do
ensino secundário sergipano, lecionando História Geral e Economia Política.
Segundo declarou a Hugo Costa, tinha interesse em ser professor de Direito na
Faculdade de Direito, onde se encontravam velhos colegas de estudos na Bahia,
majoritariamente ligados ao PSD, o partido a que ele fazia oposição por estar
ligado à UDN, agremiação pela qual, aliás, foi candidato mal sucedido a
deputado federal em 1946.
Paulo Costa deixou sua marca na história de Sergipe, menos
pelos cargos mencionados e mais pela sua carreira de empresário de jornal e
jornalista. Com efeito, Paulo Costa comprou juntamente com Mário Cabral, outro
bacharel-jornalista (entre muitos como o próprio Hugo Costa, Nino Porto,
Carvalho Neto, Gonçalo Rollemberg etc.), o periódico “Sergipe Jornal” em 1945 –
o qual, na sua origem mais antiga, pertencera a Carvalho Neto Através desse
jornal, escreveu artigos e notas jornalísticas com o que exprimia suas ideias.
Por exemplo, ele se dizia abertamente contra o nazismo, o fascismo e o
comunismo. Queria-se um liberal moderno – coisa rara na história política do
século XX, dividida por muito conservadores e menos numerosos populistas. As
suas crônicas, geralmente críticas, são boas descrições da sociedade sergipana
durante e depois da II Guerra Mundial.
Em 1945, nos estertores da ditadura dos interventores de
Getúlio Vargas em Sergipe e quando começava a ser construído um novo sistema
partidário, Paulo fez críticas aos militares que o mandaram prender na
tentativa de fazer-lhe calar. Aparentemente, a sua prisão se deve ao fato de
ele já estar se alinhando com União Democrática Nacional (UDN), agremiação à
qual se filiaria e pela qual disputaria mandato eletivo. Essa sua prisão entrou
para a história política de Sergipe como um capítulo dramático de como são
próximas e complicadas as relações entre a imprensa e o poder político,
especialmente sob uma ditadura, quando a liberdade de expressão é reduzida e a
censura é imposta. Essa experiência de intolerância e censura em relação a
jornais e jornalistas seria repetida mais uma vez durante a ditadura dos
generais décadas depois. Paulo Costa foi transformado assim, com justiça, para
os sergipanos, num símbolo da liberdade de expressão em geral e da liberdade de
imprensa em particular.
A ser lançado muito brevemente, o livro “Paulo Costa em seu
tempo – Crônicas do Sergipe-Jornal” de Gilfrancisco está muito bem estruturado,
sendo apresentado pelo jornalista Marcos Cardoso e pelo historiador Antônio
Fernando de Araújo Sá. Dele consta uma introdução muito bem escrita por
Gilfrancisco, o pesquisador e compilador do livro. Em sua primeira parte, estão
recolhidos depoimentos dos filhos de Paulo Costa, a saber, Luiz Eduardo Costa,
Marta Suzana e de Ana Virgínia Costa de Menezes, bem como depoimentos dos jornalistas
José Eugênio, Ivan Valença, Murilo Melins e Clarêncio Martins Fontes.
Em seguida, notícias são apresentadas sobre o seu
falecimento publicadas pela Gazeta de Sergipe, por A Cruzada e pelo Diário de
Sergipe. Ainda nessa parte está uma homenagem póstuma do jornalista e amigo
Hugo Costa, bem como de J. Freire Ribeiro, Mílton Filho, José Augusto Garcez,
Epifânio Dória, Fernando Viana e T. Viana. Dessa parte gostei muito do
depoimento do também bacharel-jornalista Hugo Costa, morto não faz muito tempo,
e do mais longo depoimento de uma das filhas de Paulo Costa.
Na segunda parte do livro, a obra de Paulo Costa é
apresentada. Dela constam as “Crônicas Judiciárias”, “Minhas Memórias do
Cárcere”, “Temas Sanfranciscanos” (1948-1949), “Crônicas do Sergipe-Jornal”,
durante os anos 1944,1946, 1950,1952 ( “Um mestre sergipano”, “Não está certo”,
“O povo quer saber”). Por último, estão as fontes, um anexo fotográfico e dois
textos de Paulo Costa escritos em 1930, em plena idade estudantil. Quais os
textos compilados que mais me agradaram? De um modo geral, gostei de ler a “A
carta a um jovem promotor”, os “Temas sanfraciscanos” e as críticas que faz ao
fascismo brasileiro, encarnado na figura de Plínio Salgado. Penso que o
processo de sua prisão mereceria ser objeto de investigação de estudantes e de
pesquisadores de direito, de história e de jornalismo, dada a sua atualidade e
importância histórica.
O livro de Gilfrancisco é vivamente recomendado a todos
aqueles interessados na história da imprensa, na história jurídica (Ministério
Público e Advocacia), na história do magistério secundarista, na história da
ditadura dos interventores de Getúlio Vargas, na história da relação entre
imprensa e poder político e na história política de Sergipe. O pesquisador
Gilfrancisco fez a sua parte ao compilar textos, ao registrar depoimentos de
familiares, amigos e colegas de Paulo Costa, um homem público com o duplo dom
da palavra escrita (a caneta) e da palavra falada (a retórica). Cabe agora ao
público leitor sergipano saborear esse trabalho sobre a vida e a obra desse
homem público singular chamado Paulo Costa.
* Professor de Direito da UFS.
Texto e imagem reproduzidos do blog: primeiramao.blog.br
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