Publicado no site Diário Indústria e Comércio, em
20/08/2007.
Histórias de Joel Silveira.
Em fins de 1964, o ex-governador de Sergipe, Seixas Dória,
voltou de Fernando de Noronha, para onde havia sido desterrado logo depois de
golpe de 64, com Miguel Arraes, Djalma Maranhão, Mário Lima, outros, e lançou
no Rio, com um sucesso retumbante (mais de 800 autógrafos), “Eu, réu sem
crime”, apresentado pelo também sergipano Joel Silveira.
Na manhã seguinte embarcaram, no Rio, Seixas, Joel, José
Aparecido, Oswaldo Peralva e Niomar Moniz Sodré, e foram lançar o livro em Belo
Horizonte, na sede da sucursal do “Correio da Manhã”. Mal chegaram, receberam,
no Hotel Normandy, a visita de um oficial do Palácio da Liberdade. O governador
Magalhães Pinto comunicava que o lançamento do livro estava proibido, “para não
perturbar a ordem pública”.
Seixas e Niomar foram ao palácio e disseram ao governador
que o livro seria lançado de qualquer jeito, e foi. Só que o primeiro autógrafo
foi para a polícia, que chegou, cercou, expulsou todo mundo, televisões,
rádios, jornais. O episódio virou um escândalo nacional. Na saída, o grupo
ainda foi agredido, a pedradas, pela famosa “falange do general Bragança”.
Neurose.
Dali, seguiram para a casa de Bernardino Machado de Lima,
ex-presidente do Partido Socialista Brasileiro em Minas, fraterno amigo de
Aparecido. Chegaram, limparam e arrumaram as roupas agredidas, rasgadas,
começaram a conversar. Água, cafezinho e um estirado papo mineiro.
Em cima de um móvel, intocada, uma maravilhosa garrafa de
uísque 17 anos. Joel Silveira, com a garganta desesperada, olhava, suspirava,
bebia o rótulo, mas, sem intimidade, não se aventurava a pedir uma dose.
De repente, uma bomba poderosa, fortíssima, explodiu na
varanda, arrebentou vidros, arrombou a janela. Joel voou para a garrafa, chamou
Marielza, a dona da casa:
– Minha senhora, tenho neurose de guerra e ela só cura com
uísque.
A garrafa morreu em instantes.
Lacerda.
Carlos Lacerda escrevia na “Revista Acadêmica” e Joel em
“Diretrizes”. Um dia, Lacerda fez uma proposta a Joel: “Está tudo muito parado,
tudo muito morno nesta ditadura aí (a de Vargas). Vamos procurar um assunto e
agitar o ambiente. Escolhemos um figurão, um ataca e o outro defende. Dá certo.
– Ótimo, Carlos. Quem?
– O Portinari, por exemplo. Está na crista da onda, com um
prestígio enorme e uma obra muito importante. Você escreve um artigo metendo o
pau nele, depois eu defendo.
– Está bem, Carlos, mas vamos fazer o contrário. Você ataca
o Portinari que eu defendo”.
A imprensa continuou morna.
Peralva.
Oswaldo Peralva era dirigente do Partido Comunista, ficou
escandalizado com o Relatório de Kruschev denunciando os crimes de Stalin, não
quis mais, saiu, escreveu “O retrato”, um livro corajoso e magistral, e andava
muito chateado com a situação toda. Encontrou-se com Lourival Coutinho,
conversaram. Lourival contou a Joel:
– Coitado do Peralva. Saiu do PC decepcionado, perdeu os
melhores anos da vida dele.
– Avisei a ele. Ele não me ouviu porque não quis. Eu sempre
dizia a ele: “Peralva, faça como eu, entre para o Partido Socialista, porque lá
você não se ilude mas também não se desilude”.
“Diretrizes”.
Joel, já nos tempos de “Diretrizes”, conquistou a fama de
maior repórter do País, porque tratava as coisas cruamente, sem medo e piedade.
Começou uma série de reportagens sobre velhos dirigentes políticos. E acabava
sempre dando umas bordoadas nos coitados, que saíam mal nas matérias. Um dia
foi procurar o velho Antonio Carlos de Andrada, que, depois de governar Minas e
presidir a Câmara dos Deputados, foi ser presidente do Banco Lar Brasileiro,
durante a ditadura de Vargas.
Mal entrou, Joel levou um susto. O velho Andrada começou a
falar de Sergipe, do pai dele, dos amigos dele, da geração dele. Depois,
perguntou como iam os livros de Joel, citou um a um, fez comentários, elogiou
as crônicas da FEB, na Itália. Joel ficou encantado, fez a entrevista e
publicou em “Diretrizes” uma matéria muito simpática sobre o velho Antonio
Carlos.
Um amigo, surpreso, perguntou a Antonio Carlos como
conseguiu.
– Muito simples. Passarinho que não pode fugir de cobra fica
voando em volta. Eu dei um vôo em torno dele, dos livros, ele amansou. Foi só
jeito.
O tempo.
Joel viveu (e bebeu) a vida vorazmente. E ainda reclamava:
“Uma das coisas mais aborrecidas na velhice é essa história de a hora só ter 30
minutos e o minuto 30 segundos”. Com seu riso sarcástico e sua alma de menino
grande, viveu o tempo (88) de nos deixar muitas das mais belas páginas da
imprensa brasileira.
Texto reproduzido do site: diarioinduscom.com
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