“A revista ISTOÉ foi criada em uma época dura, de pouca
liberdade para a imprensa, mas entramos sem medo”
Domingo Alzugaray, fundador da Editora Três.
Domingo Alzugaray (na cabeceira, ao fundo)
recepciona Lula: o poder passou e passa pela grande mesa da
Três.
A redação, em um prédio histórico em São Paulo: em 40 anos, foram
publicados quase seis bilhões de exemplares de revistas e fascículos.
Domingo Alzugaray - fundador, editor e diretor responsável da Editora Três.
Publicado originalmente no site da revista Istoé, em 26.10.12.
Editora Três 40 anos.
A história das duas fotos acima começou assim: Domingo
Alzugaray estava à procura de uma mesa de reuniões para colocar na sala da
presidência da Editora Três, mas não havia nada no mercado que atendesse a sua
expectativa. Precisava ser um móvel único, de grandes dimensões e capaz de
receber bem qualquer visitante – um líder da República, um empresário, uma
personalidade. Alzugaray foi procurar o objeto em Embu das Artes, cidade na
Grande São Paulo famosa pelo comércio de móveis artesanais, e o encontrou. “Vi
aquela imensa tora encostada em um canto e logo a vislumbrei na editora”, diz.
“O dono da loja falou que faria três mesas com a tábua, mas eu quis comprar a
peça inteira.” Complicado foi instalá-la na sede da Três, um edifício
industrial do século XIX erguido na Lapa de Baixo, zona oeste de São Paulo.
Alguns vitrais da fachada tiveram que ser retirados, parte de uma parede foi
quebrada e só com a ajuda de um guindaste ela chegou ao seu destino. De madeira
de lei, a mesa pesa meia tonelada, tem cinco metros de comprimento por um de
largura e possui bordas irregulares que lhe conferem um aspecto singular, como
se a natureza a tivesse esculpido para passar seus dias ali, naquela sala da
Editora Três, testemunhando as transformações vividas pelos brasileiros, na
palavra de seus protagonistas.
Estar sentado à mesa é um ótimo lugar para se conhecer
melhor o País. “O Brasil passou por ela”, diz Alzugaray. Dilma Rousseff, Luiz
Inácio Lula da Silva, José Sarney, Fernando Collor, Ulysses Guimarães, José
Alencar, Leonel Brizola, Joseph Safra, Antônio Ermírio de Moraes, Lázaro
Brandão, para citar apenas alguns exemplos marcantes, trocaram ideias com
jornalistas da editora – e com o próprio Alzugaray – diante do móvel comprado
no fim dos anos 1970 por ele. “A mesa virou um símbolo da empresa”, diz o
argentino naturalizado brasileiro que chegou ao País na década de 1950, depois
de uma florescente carreira como ator de fotonovelas. Sentado à sua cabeceira,
Alzugaray, com as revistas que criou na Editora Três, ajudou a escrever, nas
últimas quatro décadas, algumas das páginas mais importantes do mercado
editorial e da história do Brasil. “Sempre tivemos um compromisso com a
transformação do Brasil em um país desenvolvido e justo. E nunca deixamos de
nos posicionar nesse sentido”, afirma Caco Alzugaray, filho do fundador e atual
presidente-executivo da empresa.
Os 40 anos da Três começaram em 2 fevereiro de 1972, quando
Domingo Alzugaray, vindo de uma profícua carreira na Editora Abril, e os
parceiros Luiz Carta e Fabrizio Fasano criaram uma empresa que, pouco tempo
depois, já deixaria profundas marcas no mercado de revistas brasileiro. O marco
zero da editora foi a coleção de fascículos culinários MENU, lançada apenas
dois meses depois da fundação. A impressionante agilidade – ninguém, naquela
época e provavelmente até hoje, se arriscava na praça sem antes preparar o
terreno, em projetos que, para ir adiante, levavam meses, às vezes anos – se
tornaria a marca registrada da cultura empresarial da Três. Hoje, a conta de
exemplares produzidos pela editora, somando-se fascículos e revistas mensais e
semanais, chega a quase seis bilhões de unidades (leia quadro).
Em setembro de 1972, apenas seis meses depois que os três
sócios haviam alugado um pequeno escritório no centro de São Paulo, nascia a
PLANETA, título que persiste até hoje. Inspirada na “Planète”, criada por dois
intelecutais franceses, ela seria comandada pelo jornalista e escritor Ignácio
de Loyola Brandão. Foi aí que outra bela tradição começou: em sua história, a
Três contratou e teve entre seus colaboradores alguns dos mais brilhantes
cérebros do País. Glauber Rocha, Jorge Amado, Rubem Braga, Millôr Fernandes,
Carlos Drummond de Andrade, João Ubaldo Ribeiro e Paulo Francis são alguns dos
nomes que ajudaram a construir as páginas publicadas pela Editora Três.
Em 1974, Alzugaray teve uma ideia. Mesmo diante dos limites
impostos pela ditadura, por que não criar uma revista provocadora, com fotos de
mulheres lindas e despidas e reportagens do tipo que prende o leitor do início
ao fim? Surgiu assim, em agosto daquele ano, a STATUS, a primeira revista
masculina do Brasil. “A STATUS não tinha só nudez, mas inteligência da primeira
à última página”, diz o jornalista Gilberto Mansur, diretor de redação da
revista durante quase uma década. “Isso se deve principalmente ao Domingo
Alzugaray.” A STATUS trazia imagens insinuantes de ícones femininos da época
como Sandra Brea, Sonia Braga e Xuxa, mas ia muito além. Mansur lembra que a
primeira publicação brasileira a trazer textos do argentino Julio Cortázar, um
dos maiores escritores latino-americanos de todos os tempos, foi a STATUS, mas
isso não tem nada a ver com o diretor de redação, que, aliás, havia sido
professor de literatura. “Ninguém no Brasil sabia quem era o Cortázar, só o
Domingo. Ele me pediu para ir atrás dos direitos de publicação e consegui fazer
com que o Cortázar se tornasse conhecido no País.” Mansur lembra de outro traço
da personalidade de Alzugaray: o charme irresistível. “Por um período, deixei a
STATUS para trabalhar com Tancredo Neves em Minas Gerais”, diz o jornalista.
“Pouco tempo depois, o Domingo, com aquela conversa sedutora dele, me convenceu
a deixar o Tancredo para voltar para a Editora Três.”
Capitalizado pelo sucesso comercial da STATUS, o editor
Domingo decidiu apostar mais alto. Era hora de criar uma revista de informações
abrangentes. Surgiu assim a ISTOÉ, primeiro em uma versão mensal, mas que logo
se transformaria na primeira semanal da editora, com direção do jornalista Mino
Carta, fundador da “Veja”. “Era uma época dura, de pouca liberdade para a
imprensa, mas entramos sem medo”, diz Alzugaray. Reportagens que denunciavam as
mazelas nacionais – corrupção, miséria, violência – se tornaram frequentes nas
páginas da revista, que logo começaria a deixar sua marca no mercado. “Era
delicioso, com aquela equipe mínima, dar um calor na concorrência”, afirma o
jornalista Nirlando Beirão, integrante dos primeiros times que fizeram a
revista e hoje diretor de projeto da STATUS. O regime militar ia relutantemente
se abrindo e ISTOÉ aproveitava, com suor e talento, cada brecha. Beirão lembra
que as reuniões de pauta pareciam comícios, de tanta vibração política.
“Participavam das reuniões convidados como Fernando Henrique Cardoso.”
Foi nessa época que ISTOÉ descobriu, e pôs na capa, um
irrequieto líder metalúrgico do ABC, apelidado de Lula. Foi a primeira das
grandes contribuições da Editora Três para cristalizar a democracia no País.
Com a ISTOÉ, milhões de leitores descobriram que o verdadeiro jornalismo nasce
da contradição e do debate, e não do pensamento único e estratificado. Esse
espírito moveu e move a revista em toda a sua história. Foi graças a uma
denúncia da publicação semanal da Três que Fernando Collor, primeiro presidente
eleito pelo voto direto depois da ditadura militar, começou a contar seus dias
no cargo máximo do País. A edição de 8 de julho de 1992 trazia uma reportagem
de capa, intitulada “Eriberto, um brasileiro”, em que o motorista revelava, em
reportagem exclusiva, que PC Farias, ex-caixa de campanha de Collor, bancava as
despesas da família do presidente. Depois do depoimento de Eriberto à CPI,
Collor caiu. “Durante todo o processo, a ISTOÉ deu um show de coragem,
independência e competência”, diz João Santana, à época diretor da sucursal da
revista em Brasília e que mais tarde se tornou marqueteiro das campanhas
presidenciais de Lula e Dilma.
A história de ISTOÉ não está ligada apenas à vida política.
Com vocação inovadora, a revista foi a primeira do País a abrir espaço para assuntos
de interesse geral. “Ampliamos as áreas de comportamento e cultura e logo fomos
imitados pelos concorrentes”, diz o jornalista Tão Gomes Pinto, que dirigiu a
revista entre 1993 e 1996. Quem conhece de perto Domingo Alzugaray sabe que o
empresário sempre instigou os jornalistas. “Ele nos convidava a ousar”, diz o
hoje escritor Mário Prata, editor da revista Careta, uma publicação
bem-humorada de cultura que durou pouco, mas que, com colaboradores do porte de
Luis Fernando Verissimo, Plínio Marcos e Angeli, iluminou o mercado editorial
brasileiro.
De todos os grandes barões da imprensa brasileira, Domingo
Alzugaray é certamente o mais acessível. Afeito a uma boa conversa, costumava
chamar jornalistas para trocar impressões em sua sala, ao som de algum belo
tango argentino. Certamente em alguns desses encontros surgiram projetos que
mais tarde se revelariam bem-sucedidos. Em sua vida empreendedora, Alzugaray
colocou no mercado dezenas – ou centenas, considerando os fascículos – de
títulos. Foi ele quem teve a ousadia de lançar, em 1997, uma revista semanal de
economia, negócios e finanças, a ISTOÉ DINHEIRO, quando o senso comum dizia que
não havia espaço, no Brasil, para um veículo desse tipo. O projeto da DINHEIRO,
desenvolvido pelo jornalista Carlos José Marques, atualmente diretor editorial
da Três, rapidamente conquistou empresários e leitores interessados em receber
informações da área sem o velho ranço do jornalismo econômico. Foi sucesso
imediato. “Numa tarde o Domingo me chamou e disse: ‘Vamos fazer a DINHEIRO’.
Dois meses depois, a revista estava na banca”, diz Marques.
A DINHEIRO cresceu, consolidou-se como marca e acabaria
fazendo história também com seus filhotes. No ano 2000, em uma festa no Hotel
Transamérica, em São Paulo, organizada para comemorar o lançamento de uma
edição especial chamada de “Cem Maiores Lucros”, Alzugaray teria entre seus
convidados o presidente Fernando Henrique Cardoso. Horas antes do evento, um
assessor de FHC ligou de Brasília perguntando se ele poderia levar um convidado
– o presidente argentino Fernando de la Rúa. Vieram os dois, Fernando Henrique
e De la Rúa, e a festa da Três se tornaria manchete nos jornais do dia
seguinte.
Também foi histórico o encontro, em dezembro de 2002, entre
FHC e Lula, que acabara de ser eleito presidente da República. Em uma
verdadeira lição de democracia, ambos foram recepcionados por Alzugaray na
festa do prêmio “Brasileiros do Ano”, em São Paulo, no que se tornaria o
primeiro encontro público entre eles pouco antes da transmissão, para Lula, do
cargo de presidente da República. “A marca da Editora Três e de sua trajetória
é o jornalismo independente, fiscalizador do poder, de qualidade e responsável,
praticado sem ressalvas ao longo dos 40 anos por obra e visão do Domingo e do
Caco Alzugaray”, diz Carlos José Marques, diretor editorial da Três.
Filho de Domingo, Caco Alzugaray começou a trabalhar na
Editora Três em 1988. Primeiro foi assistente de redação na revista Hippus e
depois passou por todos os departamentos da empresa. Foi redator coordenador de
promoções, coordenador de marketing, gerente de marketing, gerente de produto,
diretor de marketing, diretor executivo de marketing e diretor executivo antes
de assumir a presidência, em maio de 2007. Como o pai, Caco Alzugaray exerce o
controle da empresa com gentileza e elegância, envolvendo-se diretamente e de
forma diária na atividade editorial. “Nesses anos todos, desenvolvi a convicção
de que uma empresa de comunicação só tem um patrão: o leitor.” Caco já deixou
algumas marcas na Três. Em 2008, quando o mundo mergulhava numa crise
financeira e muitos duvidavam da capacidade do País para atravessá-la, ele teve
a ideia de fazer uma capa, em ISTOÉ, com a mensagem “Acredite no Brasil.” Foi
um marco institucional. “Quem, como nós, confiou que era possível, saiu mais
forte dessa fase.” A mesma e histórica mesa de madeira de lei que viu seu pai,
Domingo Alzugaray, receber os brasileiros mais ilustres, agora assiste a Caco
debater o País com personalidades da vida política e empresarial e de diversos
setores da sociedade. Aquela mesa é realmente um lugar privilegiado de se ver o
mundo.
Texto e imagens reproduzidos do site: istoe.com.br
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