Imagem simplesmente ilustrativa, reproduzida do site: pesquisamundi.org
2 de julho de 2010.
Jornal do futuro ou jornal sem futuro?
Por Ethevaldo Siqueira.
As novas gerações quase não lêem jornais. A tiragem mundial
dos periódicos vem caindo continuamente há mais de 20 anos. É possível que,
antes de 2030, a maioria dos jornais já tenha migrado para a internet. No
futuro, toda informação tende a ser eletrônica ou virtual. O período de
transição, que já começamos a viver, deverá ser conturbado sob todos os
aspectos.
Essas foram algumas das conclusões que publiquei há dois
anos após um debate de que participei com um grupo de cinco jornalistas,
profissionais especializados em comunicações e tecnologias digitais – durante o
NAB Show, em Las Vegas. Vale a pena rever o assunto e submetê-lo aos
internautas deste blog. Em geral, a mídia não discute seus problemas nem seu
futuro. Não vejo problemas em fazê-lo aqui.
Vi em um grande diário norte-americano, um gráfico imenso na
parede da redação mostrando a queda contínua da circulação dos jornais no
mundo, nos últimos 20 anos, com uma projeção da curva descendente que chega ao
zero por volta de abril de 2043. Ou seja: nessa data a circulação dos jornais
impressos chegará a zero. Sobre o gráfico, uma frase declara de modo
categórico: “O jornal está morrendo”. No rodapé do quadro, os jornalistas
escreveram: “Mas o jornalismo, não”.
No debate que tenho mantido via internet com os mesmos
jornalistas que pensam o futuro da mídia, estamos chegando ao consenso de que o
jornal impresso deverá passar por transformações profundas nos próximos 20 ou
30 anos. A pergunta crucial que ninguém consegue responder e que é conhecida de
todos os meus colegas: como competir no futuro com a internet, o rádio e a TV,
que hoje mesmo já fazem jornalismo eletrônico noticioso em tempo real? A não
ser que o jornal impresso do futuro deixe de ser um veículo de notícias, como
hoje o conhecemos e mude radicalmente suas funções.
Publicações de nicho
É provável, portanto, que o jornal, como o conhecemos, venha
a desaparecer antes de 2030. O maior desafio à sua sobrevivência talvez esteja
em seu modelo industrial, ainda dependente de impressão e de uma logística
complicada de distribuição domiciliar de centenas de milhares de exemplares aos
assinantes ou às bancas. E o mais grave é que esse modelo industrial tem pouca
flexibilidade para competir com o jornalismo eletrônico.
Os teóricos e otimistas dizem que o jornal sobreviverá
porque poderá optar pela mudança seu enfoque e de conteúdo, podendo
transformar-se em publicação de nicho, voltada para públicos específicos, com
predominância de matérias e artigos de análise, de opinião, de reflexão, de
debate de tendências, de teses mais especializadas. Eu mesmo leria com prazer
um jornal de análise econômica. Ou de comportamento da juventude. Ou de debates
sobre música. E acho que milhares de pessoas teriam prazer em ler publicações
periódicas que debatam seus temas e segmentos preferidos – e que poderão ser
tratados pelo jornal de 2030.
O desafio da tecnologia
Algumas mudanças tecnológicas podem postergar o fim dos
jornais impressos. Assim, por volta de 2015 ou 2020, os maiores jornais do
mundo talvez poderão ter optado pelo formato totalmente virtual – como já
sinaliza o jornalismo da internet.
Outros jornais poderão ser impressos na casa do assinante
com a tecnologia do papel eletrônico. O leitor selecionará exatamente o que
mais lhe interessa para imprimir de forma eletrônica, podendo depois armazenar
tudo digitalmente ou apagar pura e simplesmente os textos já lidos e imagens já
vistas.
Muitos perguntarão: mas que é papel eletrônico? De modo simplificado podemos definir papel
eletrônico ou tinta eletrônica como tecnologias que buscar imitar o papel
convencional com uma impressão eletrônica de textos e imagens, que podem ser
apagadas ou alteradas a qualquer momento sem necessidade de se consumir mais
papel. Em inglês são utilizadas as expressões electronic papel (e-paper) ou
electronic ink (e-ink).
O desafio da velocidade
Por sua natureza industrial, o jornal impresso de hoje não
pode competir, em velocidade, com a informação eletrônica e virtual, do rádio,
da TV, das novas redes sem fio e, em especial, da internet. Nem haveria sentido
em repetir, no dia seguinte, tudo que o cidadão já ouviu no rádio, viu na TV e
leu na internet. O espaço em que jornal continua imbatível é o da análise e da
interpretação competente dos fatos, de suas causas e conseqüências.
Ao longo do século 20, o jornal sobreviveu mesmo com a
chegada de dois grandes concorrentes: o rádio e a televisão. O terceiro e maior
desafio, no entanto, veio nos anos 1990, com a internet, que representa ao
mesmo tempo uma forte ameaça e uma incrível oportunidade para os jornais.
Vale lembrar, também, que o rádio não matou o jornal. Nem a
TV matou o rádio. Não tenho tanta certeza em afirmar que o jornal – como o
conhecemos – sobreviverá à a internet. A
não ser que faça profundas reformulações, em seu conteúdo, no enfoque de seus
textos, no seu modelo industrial e, em especial, em seu modelo de negócios.
O jornal de 2025
Que reformulações serão essas? Por volta de 2025, o jornal
virtual do futuro deverá ter consolidado sete mudanças fundamentais:
1) passar de produto físico a virtual;
2) evoluir de conteúdo predominante noticioso para o de
análises, reflexões e discussões de grandes temas de interesse geral;
3) concentrar-se mais na defesa de valores éticos e sociais
do que de posições político-ideológicas;
4) elevar sempre os padrões de qualidade de todos os
conteúdos e de credibilidade das informações;
5) evoluir do modelo de negócio baseado na publicidade
tradicional, para um novo tipo de publicidade, mais próximo do estilo do
Google;
6) estimular ao máximo a participação colaborativa do
leitor, tanto do cidadão comum como, em particular, de especialistas de alto
nível, como na Wikipédia;
7) estar disponível, de forma ubíqua, em qualquer
computador, laptop, celular, iPod, iPad, tweeter, e outros dispositivos
portáteis.
Convergência total
Do ponto de vista tecnológico, todos os meios de comunicação
convergem: jornal, revista, rádio, TV, podcast, blog ou a internet.
Conseqüentemente, não há mais sentido em tratá-los como se fossem segmentos
autônomos, estanques ou separados.
Essa convergência ou fusão de mídias decorre inexoravelmente
do processo de digitalização, que reduz tudo a bits. Nas tecnologias digitais
voz, sons, dados, textos, imagens e vídeo – tudo é representado por bits. A
esse processo de digitalização se soma uma outra tendência decorrente da
própria internet: todas as formas de comunicação já adotam o protocolo IP da
internet. Por outras palavras, nos últimos 20 anos o mundo se transformou numa
plataforma IP.
Janela para o mundo
Graças a essa convergência, mesmo num país emergente como
Brasil, fazemos hoje coisas que eram simplesmente impensáveis em 1990, como
acessar, a qualquer instante, de nosso desktop ou laptop, os maiores jornais ou
revistas do Brasil e do mundo, emissoras de rádio ou de TV, bancos de dados,
enciclopédias, sites de universidades, das maiores e das menores empresas ou do
Vaticano.
E, com a mobilidade do celular e de outras redes sem fio, já
começamos a dispor desse jornalismo eletrônico nascente, que nos traz
informação, opiniões e entretenimento anytime, anywhere. Como negar a realidade
e o impacto da convergência de mídias?
O maior desafio desse novo jornalismo virtual e eletrônico
parece estar na participação e na interação entre a nova mídia e seu novo
público. No conceito do futurólogo e visionário Alvir Toffler, vivemos a era
dos prossumers, cidadãos que são produtores e consumidores (producers and
consumers) ao mesmo tempo. Um bom exemplo são os “repórteres virtuais”.
O problema é o despreparo da maioria desses prossumers. Sua
contribuição, até aqui, não é das melhores. Nossa maior frustração – tanto de
jornalistas quanto de leitores –é perceber que a elevada a interatividade deste
jornal do futuro muitas vezes se transforma um retrocesso.
Texto reproduzido do site: blogs.estadao.com.br
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