Publicado originalmente no site SESC S. Paulo, em 01/12/2012
Sérgio Augusto
Com profícua carreira no jornalismo, Sérgio Augusto fez
parte das redações mais importantes do país. O início se deu em 1960, quando
foi crítico de cinema do jornal Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro. Atuou
nas diferentes frentes do jornalismo, sendo repórter, redator e editor no
Correio da Manhã, O Pasquim, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, além de ter
sido colaborador das revistas Veja, Isto É e Bravo!.
Também atua na vertente literária como escritor e
organizador de livros. Publicou um ensaio histórico sobre a chanchada (Este
Mundo é um Pandeiro. Companhia das Letras, 1989), uma biografia musical de Tom
Jobim (Cancioneiro Jobim. Casa da Palavra, 2000), uma história do Botafogo
(Entre o Céu e o Inferno. Ediouro, 2004), duas coletâneas de ensaios (Lado B.
Record, 2001, e Penas do Ofício. Agir, 2007), organizou e traduziu uma série de
cartuns da revista The New Yorker (Desiderata, 2009), e um guia de viagem pela
Paris da Geração Perdida (E foram Todos para Paris. Casa da Palavra, 2011).
Atualmente é colunista do jornal O Estado de S. Paulo, nos
cadernos Sabático e Aliás. Nesta entrevista para a Revista E, Sérgio Augusto
analisa, entre outros assuntos, a posição do jornalismo cultural na imprensa.
“Podemos dizer que o jornalismo está curvado à indústria cultural”, diz. “Sem
considerar a internet e as inovações tecnológicas, porque antes disso já estava
sentindo esse direcionamento do jornalismo cultural para um jornalismo de
serviço. Mas só isso é muito pouco, é uma coisa danosa.” Acompanhe os principais
trechos.
Tendo em vista a sua experiência como jornalista, o que você
acha das mudanças que ocorreram na imprensa do Pasquim, para o qual você
colaborou, até os dias atuais?
Podemos dizer que o jornalismo está curvado à indústria
cultural. Sem considerar a internet e as inovações tecnológicas, porque antes
disso já estava sentindo esse direcionamento do jornalismo cultural para um
jornalismo de serviço. Mas só isso é muito pouco, é uma coisa danosa. Esse era
um assunto que eu abordava com frequência quando era colunista da revista
Bravo!.
O jornalismo cultural calcado no serviço está ultrapassado?
Sim, o caminho é o jornalismo analítico que esteja
disponível online também. Se eu, escrevendo um artigo sobre os filmes do
Eduardo Coutinho, posso fazer referências a outros filmes por meio de links,
clicar e me informar sobre eles, essa é uma possibilidade extraordinária da
internet que antes não existia.
A que se deve essa submissão à indústria cultural?
À força da indústria e à preguiça de alguns jornalistas.
Falta preparo e discernimento em algumas redações. Por exemplo, quando morre um
escritor ou um diretor de cinema. Um caso recente foi quando morreu Gore Vidal
[escritor norte-americano, 1925-2012], a chamada de um portal de notícias era:
Morreu Gore Vidal, roteirista do filme Calígula. Reduzir o Gore Vidal ao
roteiro de um filme, que, aliás, ele repudiava, é falta de informação. Falhas
desse tipo acontecem com frequência.
Que fatores conduziram a essa situação?
Acho que é um problema de formação do jornalista e das
escolas de má qualidade, tanto nos anos iniciais quanto no [nível] superior.
Quando comecei minha carreira, com 18 anos, no jornal Correio da Manhã, na sala
ao lado eu encontrava Carlos Heitor Cony [escritor e colunista], Otto Maria
Carpeaux [ensaísta e crítico literário, 1900-1978], uma fauna poderosa, e com
eles aprendi muito. Sinto falta desse convívio, dessa troca de aprendizado, na
imprensa de hoje.
É comum que os jornais e revistas chamem os mesmos artistas
para opinar sobre diferentes assuntos. O que acha dessa postura da imprensa?
Acho irresponsável. Nesse caso o Caetano Veloso sempre é
citado. Os jornalistas pedem opinião sobre qualquer assunto e ele mesmo brinca
com isso, mas não resiste em comentar. Felizmente ele é um cara inteligente e
sensível, por isso é tão solicitado.
A situação acontece mais pela vontade do editor ou do
próprio artista?
O editor tem culpa, pois as pautas giram em torno desse universo,
das mesmas fontes. Antes existia o papel do divulgador, que ficava ali roendo
as unhas para que o jornal publicasse uma matéria favorável a um filme, por
exemplo. Hoje o jogo se inverteu. Não que fosse maravilhoso quando o jornalista
ficava nessa tensão, mas eu não quero ser o dono da verdade quando escrevo um
texto crítico, pois o leitor tem que assistir ao filme para construir sua
própria opinião.
Qual a importância do Cinema Novo na cinematografia
brasileira?
Muitos criticam o Cinema Novo, mas existia uma cumplicidade
enorme, conhecíamos os cineastas, havia um projeto de cinema brasileiro. Não
que fôssemos condescendentes, mas víamos com certa simpatia, até reconheço que
elogiei demais cineastas que não deveria, mas acho que esses problemas pioraram,
pois houve o aumento da produção de filmes. Vivenciei uma época em que tínhamos
aquela desculpa da falta de infraestrutura, que já não pode ser usada, porque a
TV Globo conseguiu criar uma indústria junto com um mercado de atores e
técnicos que puderam continuar trabalhando no país.
Passados vários anos da morte de Glauber Rocha [1939-1981],
ele ainda divide opiniões. Alguns o endeusam, outros o acham um baita chato.
Qual a relevância da obra produzida por ele?
O Glauber era um grande agitador cultural, um cineasta muito
criativo, mas houve uma época complicada. Diziam que ele era muito avançado e
que não conseguíamos acompanhar o raciocínio dele, o que pode ser visto com
certo exagero. Deus e o Diabo na Terra do Sol tinha uma grandeza, momentos de
grandes sacadas, embora seja um filme de quem ainda não sabia filmar direito.
Isso me lembra Jean-Luc Godard [cineasta e principal nome da Nouvelle Vague,
movimento artístico do cinema francês] do início de carreira, transformando os
chamados erros gramaticais em coisas criativas. Ficava um caos visual, uma
sensação de alucinação fantástica. Gosto muito de Terra em Transe; é um filme
caótico que dribla a censura e aborda o problema da ditadura no Brasil, é muito
bem realizado. Gostei muito da fotografia e do aspecto visual de O Dragão da
Maldade contra o Santo Guerreiro. Glauber estava sempre atrás de projetos
irrealistas, o que acabou refletindo em seus filmes. No final da carreira, o
cinema dele foi se fechando em vez de se abrir.
Acredita que haja uma condescendência por parte da crítica
ao avaliar filmes brasileiros? Não há uma simpatia mais do que explícita no
momento da avaliação?
Sim, existe. Também acho que há festivais de cinema demais
no país. O insuspeito Bruno Barreto afirma que há diretores demais no Brasil.
Estão todos dirigindo, é como escrever livros, todos agora são memorialistas.
Quanto mais festival de cinema tem, mais você circula com os cineastas, e a
troca de experiências que podia ser ótima, com pessoas pensando e fazendo
cinema brasileiro, o que de alguma forma existiu no Cinema Novo, acabou, pois
não temos espaço para isso. Há algumas revistas de cinema, mas os jornais não
oferecem mais espaço para essa discussão.
Nem no destaque dado às estreias do cinema nos jornais? O
que diminuiu foi a qualidade dos textos ou a criticidade?
Não adianta dar espaço se não tem um pensamento crítico que
embase o que está escrito, uma reflexão que seja feita sem sombra de
corporativismo ou coleguismo. Eu já fiz criticas negativas para filmes do Paulo
César Saraceni, Ruy Guerra, Walter Hugo Khouri e eles me trataram normalmente;
não porque esperavam que eu elogiasse o próximo, mas porque eram pessoas
elegantes, que entendiam que não era nada pessoal. Já outros não, grandes
amigos cineastas ficaram bravos comigo devido a críticas que escrevi.
Ainda há espaço para criticar uma obra? Não se caminha para
uma grande contemporização?
O problema é quem exerça essa função com qualidade e tenha
coragem para dizer que o filme é ruim. Os últimos comentários que li sobre o
cinema brasileiro foram de pessoas que não trabalham com crítica de arte, não
exercem a crítica militante. Por exemplo, Jean-Claude Bernardet [teórico,
crítico e autor de livros sobre cinema], que é uma pessoa amiga do cinema
nacional, mencionou em um artigo que o cinema argentino quando acerta é melhor
do que brasileiro. Uma afirmação verdadeira para mim também.
E como os argentinos alcançaram essa comentada qualidade
cinematográfica?
A cinematografia argentina e a brasileira caminham juntas e
têm histórias parecidas. Mesmo sem a ajuda de organizações como a Globo Filmes,
por exemplo, conseguiram ter um aparato técnico de alto nível e aliam isso a
histórias bem contadas.
A qualidade do trabalho dos roteiristas brasileiros é
reconhecida e os mais renomados são disputados no mercado.
Há um problema nessa questão dos roteiros, pois, se por um
lado temos roteiros bem elaborados, por outro vemos um mercado que exige
repetição de fórmulas. Olhe as produções da Globo Filmes, que são feitas à base
de fórmulas, ou seja, basta um filme fazer sucesso para ocorrerem as
continuações. O cinema brasileiro está muito parecido com o que já existe na
televisão, usando os mesmos atores e reaproveitando as histórias.
Há alguma produção recente que mereça destaque?
Fora os documentários do João Moreira Salles, que são
excelentes, gostei dos filmes do Beto Brant, do Cao Hamburger, em especial
Quando meus Pais Saíram de Férias. Um que me instigou pela narração foi O Céu
de Suely, de Karim Aïnouz. Mas fora os documentários do Eduardo Coutinho e do
João Moreira Salles não há nada que tenha me impactado recentemente.
Qual o motivo de os documentaristas brasileiros merecerem
toda essa atenção?
Sobretudo o talento, a maneira de narrar a realidade. O
Eduardo Coutinho, que, aliás, era um grande crítico de cinema, teve a história
do primeiro Cabra Marcado para Morrer, na qual deu a volta por cima. O filme
ganhou uma transcendência a partir da proibição, da truculência da ditadura
militar. É uma característica da imaginação fértil e da inteligência superior
do Coutinho. Ele escolhe um tema e nós pensamos que não poderia ser feito de
outra forma, só da maneira que ele fez. Isso caracteriza um grande diretor.
Com a internet, como ficou o seu universo de trabalho, de
pesquisa?
Antes eu frequentava bancas de jornal e parecia que estava
em uma catedral, olhava e admirava. Hoje eu passo em banca e nem olho, não
compro quase mais nada impresso, a não ser as publicações de que eu tenho
assinatura, como a New Yorker. A tecnologia facilitou até a vida do meu
computador, porque antes eu procurava o arquivo que me interessava, abria uma
pastinha, colocava os artigos, transformava em Word. Isso com o tempo vai consumindo
o HD, hoje vai tudo para as nuvens, para os bancos de dados.
Há fundamento em afirmar que o jornalismo cultural ficou
chato?
Chato, sobretudo porque sem muita imaginação, atrelado
demais ao que estão lançando no mercado e à pressão ou à lábia dos
divulgadores. Já foi diferente. Houve um tempo em que as capas dos cadernos de
cultura ou de variedades guardavam uma diferença entre si, concorriam de forma
diferente, não destacavam os mesmos shows, os mesmos filmes, os mesmos livros,
como hoje, tediosamente, acontece, como se todos fossem pautados por uma mesma
pessoa. Em 1964, quando eu era editor do Segundo Caderno do Correio da Manhã,
tendo à minha disposição uma primeira página limpinha, sem publicidade, não
pensei duas vezes entre ocupá-la com umas fotos maravilhosas de leões
africanos, que acabara de receber, creio que da Magnum, e dar força a um show
musical sem pedigree que estava estreando na zona sul do Rio. Distribuí as
fotos na página, escrevi um texto sobre a magnificência dos felinos e sua importância
na cultura ocidental, e, à guisa de título, declinei a palavra leão em latim
(Leo, leonis...) e estampei-a na vertical, no canto da página. Hoje, se eu
fizesse isso, seria demitido – ou, no mínimo, tachado de louco pelo editor
chefe. A capa com os leões, diga-se, fez o maior sucesso.
O jornalismo feito no Brasil ainda continua com a síndrome
do cachorro vira-lata? Tudo que é feito fora do país tem mais destaque do que a
produção nacional?
Acho que sim, embora tenha menos do que antigamente. Não
tivemos complexo de vira-lata com música brasileira, muito pelo contrário. No
caso do cinema, prefiro destacar um bom filme brasileiro do que colocar o filme
do Batman na capa, mas quem vai conseguir tirar o Batman da capa do caderno de
cultura?
Você passou por momentos capitais no jornalismo. Como foram
essas épocas diferentes, com modos diferentes de fazer jornalismo?
Eu era um garoto quando comecei na redação do Correio da
Manhã. Era um espaço maravilhoso, tinha circulação nacional, tive a sorte de estar
lá. Já O Pasquim, era um prêmio fazê-lo, uma liberdade total. Depois eu o
acumulei com o Opinião, que era uma coisa mais séria, diferente, mas
enriquecedora. Estava num tripé: a Veja, na qual eu trabalhava com cinema e
literatura, o Opinião e O Pasquim, coisas diferentes e que se complementavam.
Havia momentos em que eu olhava para o Millôr [Fernandes, jornalista, escritor
e cartunista, 1923-2012] e brincava dizendo: “Eu sou mais censurado que você”.
Trabalhei muito, mas foi uma coisa tão rica e maravilhosa que repetiria.
Você costuma ler jornal impresso ou na internet? Acompanha
as colunas de quais jornalistas?
Impresso, pouca coisa. Costumo ler jornal na internet.
Acompanho o Luís Fernando Veríssimo, a Lúcia Guimarães, Milton Hatoum, Humberto
Werneck. O engraçado é que eu leio muito mais economia e política do que
cultura nas publicações nacionais.
Na sua opinião, quem se destaca na literatura contemporânea
brasileira?
Há escritores interessantes, como o Michel Laub. Meus
autores brasileiros preferidos são Milton Hatoum e Cristóvão Tezza.
Texto e imagem reproduzidos do site: sescsp.org.br
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