Legenda da foto: Evandro e Fernanda Montenegro na Casa Roberto Marinho. 'É sempre um prazer estar com ela', escreveu ele em seu perfil no Facebook (12/5/2024). No fundo da imagem, foto feita por ele na Passeata dos 100 Mil (Foto: reprodução).
Texto publicado originalmente no site do JORNAL DO BRASIL, de 4 de novembro de 2024
Morre Evandro Teixeira, o maior do Jornal do Brasil, um dos gigantes fotojornalistas brasileiros
Por Gilberto Menezes Côrtes
O lendário fotojornalista Evandro Teixeira, de 88 anos, faleceu nesta segunda (4), na Clínica São Vicente, na Gávea, Zona Sul do Rio, onde estava internado desde o dia 8 de outubro, lutando contra complicações decorrentes de uma pneumonia. A informação foi confirmada pelo hospital.
Evandro Teixeira é considerado um dos maiores fotojornalistas de todos os tempos. Nascido em 25 de dezembro de 1935, em Irajuba, na Bahia, depois de uma passagem no Jornal de Jequié, cidade vizinha, começou sua carreira em 1958, no Rio de Janeiro, aos 23 anos, como estagiário do “Diário da Noite”. Em 1963, entrou no JORNAL DO BRASIL, onde trabalhou por 47 anos. Foi no JB que ele capturou registros que se tornariam imortais na história da comunicação brasileira.
Durante a ditadura militar, entre 1964 e 1985, tirou fotos como a "Caça ao Estudante na 'Sexta-Feira Sangrenta'", de um homem barbudo caindo ao ser perseguido por dois policiais durante um movimento marcado pela repressão das autoridades, em junho de 1968, depois de uma missa na igreja da Candelária (sites maliciosos já usaram a foto como se fosse Lula perseguido pela PM). Dias depois, fotografou a famosa "Passeata dos Cem Mil".
Um dos seus segredos para capturar os rostos dos participantes era repetir a estratégia de Vladimir Palmeira, o líder estudantil da “Passeata dos Cem Mil”, que subia em um caixote para se sobressair na multidão. Evandro usava uma escada na qual subia e, assim, as fotos das movimentações tanto identificavam as pessoas quanto o teor das faixas e cartazes. Outra estratégia foi subir em marquises ou janelas dos prédios da Avenida Rio Branco, onde ficava o JB.
Um grande furo no Chile
Um de seus grandes furos jornalísticos aconteceu no Chile, para onde viajou, em agosto de 1973, pelo JORNAL DO BRASIL, na companhia do saudoso repórter Humberto Vasconcelos, a fim de cobrir a agitação política que levou ao fim do governo do presidente Salvador Allende e ao golpe militar liderado pelo general Augusto Pinochet, em 11 de setembro de 1973. A primeira página do JB, de 12 de setembro, com o relato da morte de Allende e a tomada do poder pelo general Pinochet, foi antológica, mas não teve nenhuma foto de Evandro. Para driblar a ordem da censura que não queria manchete nem imagens do golpe militar, o JB publicou um texto integral em corpo 24, sem títulos e entretítulos.
Depois do golpe, um dos grandes apoiadores de Allende, o poeta Pablo Neruda, Prêmio Nobel de Literatura de 1971, morreu em hospital. Evandro conseguiu se infiltrar no quarto do escritor e fotografou seu corpo rodeado por familiares. Furo mundial. Investigações posteriores indicaram que Neruda morreu envenenado.
Legenda da imagem: A antológica primeira página do JB, de 12 de setembro de 1973, com o relato da morte de Allende e a tomada do poder pelo general Pinochet. Fotos proibidas pela ditadura Foto: CPDOC Jornal do Brasil
No ano passado, Evandro foi a Santiago para a inauguração de sua exposição com fotografias sobre o golpe de 1973 contra Allende, na descomemoração dos 50 anos... O Coletivo Viva Chile relata “o enorme privilégio de estar com ele" na ocasião e destaca que “todas as honras lhe foram prestadas no Museu da Memória e dos Direitos Humanos, onde a exposição foi instalada, e no Palácio da Moneda, onde ele foi pessoalmente recebido pelo presidente Gabriel Boric”.
Ainda segundo o Coletivo Viva Chile, “o Chile reconheceu a importância das fotos de Evandro Teixeira, que registrou para a história, entre outras coisas, a morte de Pablo Neruda e os presos enjaulados no Estádio Nacional de Santiago. Um desses presos, cuja imagem havia sido capturada por ele, estava presente na inauguração da exposição”, assinala a mensagem.
Como fotógrafo do JB credenciado para cobrir a Presidência da República, além de acompanhar e registrar viagens dos generais da ditadura pelo mundo, Evandro registrou visitas importantes, como a da Rainha Elizabeth II, em 1968, com uma foto icônica da Rainha do Reino Unido recebendo cumprimentos do Rei Pelé, após um amistoso entre a seleção carioca e a paulista, no Maracanã. Em 1980, foi a vez de Evandro registrar a visita do Papa João Paulo II. Artistas e ídolos do esporte brasileiro, como Pelé e Ayrton Senna, eram constantes em seu “álbum de figurinhas”.
Ao longo de seus quase 70 anos de carreira, documentou, através de suas lentes, imagens sobre música, moda e comportamento, além do Carnaval e outras festas populares.
Canudos, uma obsessão
O baiano de Irajuba, um pequeno município de pouco mais de seis mil habitantes no Leste da Bahia, cortado pela BR-116, tinha obsessão por Canudos, por ter reunido, há um século, o dobro da população da sua Irajuba. Como parte do projeto para marcar os 100 anos da aniquilação do arraial de Canudos, em 1897, em livro com fotos suas e apresentação da jornalista Ivana Bentes, Evandro para lá viajou, em 1996, a fim de fazer registros fotográficos da Vila de Canudos, fundada em 1893 por Antônio Conselheiro junto com seus seguidores. O local era uma fazenda abandonada que pertencia a um homem chamado Barão de Canabrava. Em meados de 1893, Conselheiro já tinha mais de 10 mil seguidores que se instalaram de vez em Canudos.
O livro “Canudos: 100 Anos, Fotografias de Evandro Teixeira” foi editado em 1997. O primeiro registro em livro das obras de mestre Evandro Teixeira é uma coletânea, de 1982, da Editora JB, com algumas de suas obras mais icônicas nos tempos da ditadura militar. O segundo livro, “Evandro Teixeira: Fotojornalismo”, é uma edição de 1988.
O terceiro livro, de 1990, é “Evandro Teixeira Chile 1973”, com os registros da repressão sangrenta no começo da ditadura de Augusto Pinochet e os detalhes do velório e sepultamento do corpo do poeta Pablo Neruda.
Em 2005, a Textual Comunicação, empresa da filha Carina, editou “Vou viver: tributo ao poeta Pablo Neruda”, com as fotos icônicas do poeta vivo e a sua última imagem.
Para comemorar os 40 anos da “Passeata dos Cem Mil”, a Textual lançou, em 2008, “Destinos, 1968-2008: passeata dos 100 mil”, com relatos de 100 pessoas escolhidas, identificadas na multidão clicada por Evandro Teixeira, um trabalho de fôlego para revisitar a vida de uma fração dos manifestantes. Em 2015, foi lançado “Evandro Teixeira. Retratos do tempo – 50 anos de fotojornalismo”.
Mas assim como cansei de encontrar Evandro na beira da praia de Ipanema num domingo, procurando fotos para a primeira página do JB, ele viajou pelos quatro cantos do Brasil e do mundo atrás de um bom registro de manifestações populares. Ele tinha um jeito todo especial para tirar os melhores ângulos de um evento, como o Quarup, na aldeia do Parque Nacional do Xingu, em 2012, em homenagem ao antropólogo Darcy Ribeiro, devidamente clicado pelas lentes de Milton Guran.
Homenagem em Paraty
Sempre celebrado em exposições pelo mundo afora, uma das últimas aparições de Evandro Teixeira foi, em setembro, no 20º Festival Internacional de Fotografia de Paraty, do qual o convidado de honra era Sebastião Salgado. No primeiro dia do Festival, Evandro foi surpreendido com uma exposição de suas fotografias, na Galeria das Marés, presente dos amigos Sérgio Burgui e Giuseppe Mecarelli. Na abertura da mostra, um encontro de mestres: o amigo Tião Salgado veio acompanhado da esposa, Lélia. Além de posar com o casal, Evandro não se cansou de fotografar Sebastião Salgado e narrou, em postagem no Facebook, de 18 de setembro, a emoção e a alegria que sentiu com a palestra de Salgado.
Evandro era casado com Marly Teixeira, e deixa as filhas Carina e Adryana, e as netas Carina, Manoela e Nina.
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Nota da Presidência da República:
"O Brasil perde hoje Evandro Teixeira, referência no fotojornalismo do nosso país e do mundo.
Com mais de 70 anos de carreira, Evandro registrou momentos históricos como o período da ditadura militar no Brasil. É de sua autoria uma das fotos mais emblemáticas desse período: a Tomada do Forte de Copacabana, de 1964.
Evandro deixa um acervo de mais de 150 mil fotos, com imagens que fazem parte da história do Brasil. Cobriu posses presidenciais, registrou a fome, a pobreza, esportes, personalidades e a cultura do nosso país.
Meus sentimentos aos familiares, amigos, colegas e admiradores de Evandro Teixeira.
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República."
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As filhas do Evandro, Adryana e Carina, enviaram a seguinte nota aos amigos na tarde desta segunda-feira (4)"Aqui escrevem Adryana e Carina.
Melhor do que as fotos do Evandro Teixeira, só ELE.
É ele quem coleciona afetos, histórias, amigos e fãs.
É ele quem esbanja generosidade, alegria e uma imensa curiosidade pela vida!
O dono do sorriso largo agradece, junto conosco, as orações, vibrações, mensagens e fotos tão bacanas feitas recentemente.
Este cara fora de série, único, seguiu seu caminho de luz.
Amanhã, terça-feira, dia 5 de novembro, na Câmara dos Vereadores, no Centro do Rio, das 9h às 12h, haverá a cerimônia para os amigos darem um até logo pro baiano mais porreta das nossas vidas!"
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A passeata dos 100 mil. 1968 Foto: Evandro Teixeira/CPDOC Jornal do Brasil
Gal Costa em 2002 Foto: Evandro Teixeira/CPDOC Jornal do Brasil
Texto e imagens reproduzidos do site: www jb com br/obituario/2024