Ivan Valença em seu escritório *
Com mais de cinquenta anos de carreira e ainda atuante na
profissão, o jornalista Ivan Valença é referência de credibilidade e
competência não só para aqueles que estão inseridos no universo da profissão,
mas para todos os cidadãos sergipanos. Atualmente, seu trabalho pode ser visto
na coluna de variedades que possui no Jornal da Cidade e na sessão de
noticiários do portal Infonet. Além disso, presta assessoria a entidades como a
Associação Comercial de Sergipe e colabora para o Programa de Rosalvo Nogueira
na rádio Joven Pan. No entanto, resumir a importância de Ivan Valença apontando
sua trajetória como jornalista é deixar de lado sua grande colaboração para o
cinema como pesquisador e catalogador. Ao longo dos anos, o jornalista mantém
um dos maiores acervos sobre obras cinematográficas do país.
O interesse pelo cinema veio cedo. Ainda na infância, início
dos anos 50, Ivan já freqüentava as sessões da época com a mãe, de quem herdou
a paixão por filmes. Às quintas-feiras, ele a acompanhava para fazer compras no
comércio e depois seguiam os dois para a chamada `Matinê das Moças´ no Cinema
Rio Branco ou Cinema Vitória, onde as mulheres pagavam menos e ele, por ser
criança, entrava de graça.
Charles Chaplin, Victor Mature, Tyrone Power, são nomes que
marcaram a sua infância. Os filmes que hoje levam a definição de `clássicos´,
foram vistos por Ivan ainda jovem nas salas da época, que segundo ele, deixavam
a desejar em termos de conforto, qualidade de projeção, mas garantiam ao
público uma grande variedade de títulos, com cerca de dois lançamentos semanais
em cada um deles. “Hoje nós temos 13 salas de cinema e dois ou três lançamentos
por semana. A variedade é muito pequena. Até agora a terceira dimensão, por
exemplo, que é a coqueluche do mundo inteiro, tem em vários lugares, menos em
Aracaju”, salienta.
Pessimista com a produção cinematográfica local, Ivan conta
que, antigamente, algumas pessoas se arriscavam no ramo, mas o amadorismo e a
falta de elaboração de roteiro consistente e montagem, fazia com que tais
produções se tornassem fatos filmados de maneira descompromissada e aleatória e
não o início de um cinema sergipano. “Não vejo nenhuma utilidade nos filmes que
foram feitos naquela época. Hoje já tem pessoas mais interessadas, que curtem
cinema e produzem coisas melhores, mas mesmo assim ainda está muito longe da
gente dizer que há um cinema sergipano”.
Nos anos de 1974, 1976 e 1978, Ivan foi ao aclamado Festival
de Cannes inscrito como jornalista internacional. Além do contato com cineastas
conhecidos mundialmente, como o francês François Truffaut, com quem teve a
oportunidade de fazer uma entrevista, trouxe consigo idéias até então
inovadoras para a capital, inspirado pelo seu primeiro contato com a projeção
em vídeocassete feita no festival.
Criação do videoclube
A possibilidade de poder assistir filmes fora das salas de
cinema o deixou entusiasmado. “Eu pensei logo que quando o aparelho chegasse ao
Brasil eu tinha que ter um de qualquer jeito. E foi realmente o que aconteceu”,
conta Ivan. A idéia de montar um videoclube, que seria o primeiro em Aracaju,
surgiu em 1981. Ele se juntou com alguns amigos e, assim, compraram o aparelho.
Até a produção de VHS passar a ser regular no Brasil, Ivan tinha que pedir as
fitas de São Paulo em um esquema de pacotes.
Para participar do clube, era necessário entregar duas fitas
para o acervo. A partir daí, era possível ter acesso aos filmes que os outros
membros tinham entregado e assistir em casa. “Nessa época as pessoas já tinham
o videocassete para isso e eu nem sabia que em Aracaju existiam tantos
aparelhos!”, relembra. O videoclube começou com apenas 20 fitas, mas até o seu
fechamento, em 1986, chegou a ter 7500 filmes.
Justamente nesse ano, surgiu a famigerada locadora de Ivan
Valença, que também foi a pioneira do segmento em Aracaju. Durante uma viagem a
São Paulo, o cinéfilo percebeu a tendência que havia se instalado e resolveu
trazê-la para a capital sergipana. Para o jornalista, a postura administrativa
servia apenas como uma forma de sustentar a vontade de ver filmes. “Eu
precisava fazer alguma coisa com os filmes que tinha e também conseguir
dinheiro para comprar e poder assistir ainda mais filmes. Foi nisso que pensei
quando criei a locadora”.
Depois de 23 anos de atividade, mesmo tentando se manter
atualizada nos lançamentos e com a troca de VHS por DVD, a locadora teve que
ser fechada devido à inviabilidade financeira trazida pela pirataria. “A
pirataria acabou com tudo. O DVD que eu alugava por cinco reais era vendido na
edição pirata pelo mesmo valor na porta da locadora. Além disso, comprar os
DVDs originais estava ficando cada vez mais caro e eu não podia aumentar o
valor da locação por causa dos piratas”, explica.
Apesar de tantos anos construindo um espaço que virou
referência na cidade, Ivan não ficou ressentido com a decisão do fechamento.
“Eu confesso que não sou apegado àquele lugar nem ao material. Quem ficou
triste foi a minha esposa, Ana, que era quem cuidava da locadora”, declara.
Ana Valença, casada há 36 anos com Ivan, participou da vida
cinéfila dele desde os tempos do videoclube. Quando a locadora foi criada, ela
foi quem mais se dedicou ao lugar, atendendo aos clientes todos os dias. “Me dá
um aperto no coração lembrar que ela está fechada. Outro dia eu voltei lá para
fazer uma limpeza e pegar correspondências, mas acabei chorando muito. Eu amava
aquilo lá. Era onde passava os meus dias, conversando com os clientes. Mas não
quero me apegar, tem que pensar para a frente”, se emociona.
Arquivo de cinema
Além do acervo pessoal de filmes e livros sobre cinema, Ivan
Valença possui e organiza um arquivo sobre o tema. Recortes de artigos dos
jornais e informações sobre filmes são colocados em pastas distribuídas, em
ordem alfabética, sobre inúmeras prateleiras em uma sala de sua casa. Acrescido
ao trabalho manual de separar, recortar e organizar o material está a parte
digital da catalogação que consiste em inserir os dados em um programa no
computador a fim de facilitar a busca e o controle.
Pode-se dizer que Ivan começou a coleção aos cinco anos de
idade, quando já se interessava por cinema motivado pela mãe. “No arquivo ainda
tem coisas que foram da minha mãe, que colecionava revistas de cinema”,
salienta. A catalogação hoje conta com mais de 60 mil filmes arquivados.
“Eu faço isso como um hobby. Eu não gosto de ir à festas nem
de ficar saindo, então faço isso. Para mim não serve para nada, quando eu
morrer podem jogar tudo fora”, diz Ivan. Mas esse arquivo é bastante procurado
por pessoas que querem fazer alguma pesquisa específica e visto com grande valor
mesmo por quem não é cinéfilo.
Atuação como jornalista
A paixão de Ivan Valença pelo cinema foi também o caminho
que o induziu ao ingresso no jornalismo. Com apenas treze anos de idade, a
atração e o encantamento causado pelos filmes com os quais tinha contato na
época tornaram-se a motivação para que redigisse textos sobre as obras. As
críticas de Ivan foram ganhando espaço nas páginas dos jornais locais da época
– meados da década de 50 – e passaram a aparecer com freqüência em publicações
como o Sergipe Jornal e o Diário de Sergipe. Daí em diante, o ainda garoto Ivan
se viu inserido na dinâmica das redações de jornal – lugar que despertou sua
fascinação desde o primeiro dia em que conheceu uma. A partir dessa primeira
vista, descobriu que o jornalismo era a carreira que queria para a sua vida.
“Nessa época, algumas notícias eram apuradas por um sistema
precário de telefonia. Ficava angustiado em produzir matérias nesse processo,
pois não havia como averiguar a notícia do jeito que queria. Havia então tardes
em que estava sozinho na redação e saía para a rua em busca do conteúdo da
matéria. Cobria o acontecido e deixava a responsabilidade de redigir para os
mais experientes, pois tinha apenas quatorze anos”, conta Ivan, lembrando o
aspecto amadorístico que havia no jornalismo em desenvolvimento no país. Com a
aprimoração advinda do tempo e das necessidades, surgiram os repórteres,
profissionais designados para a busca do conteúdo jornalístico.
Desde jovem, Ivan perdia horas e mais horas com leituras das
mais variadas, de romances a jornais e revistas. Seu pai era assinante do
`Clube do Livro´, que entregava aos clientes uma obra literária clássica por
mês. Durante esse tempo, teve contato com as grandes obras da literatura, às
quais dedicava uma boa parte de sua rotina. Mas o interesse de Ivan não se
resumia a tais obras ficcionais. A cobertura dos acontecimentos através dos
veículos impressos era também de grande atração para o jornalista: “Quando era
pequeno, minha mãe tinha o costume de ir à feira no antigo Mercado Municipal e
sempre estava lá uma senhora que vendia sabão. Passava o tempo todo com ela
enquanto minha mãe fazia as compras. Não é que eu lhe prestasse auxílio, mas
gostava de ficar por lá, porque ela tinha uma pilha imensa de diversos jornais
de todo o país, que eram usados para embrulhar os sabões. Durante minhas idas à
feira, lia publicações como o Jornal do Brasil, Jornal Carioca, Folha da Manhã
e o A Última Hora”.
*Foto e texto reproduzidos do blog: jornal-contexto.blogspot.com.br
Publicação original em 1 de agosto de 2010, no Blog Contexto Online, por:
Carol Correia - Repórter
Layanna Machado - Repórter
Rafael Santos - Repórter
Elaine Mesoli - Editora
Talita Moraes - Pauteira
Nenhum comentário:
Postar um comentário