domingo, 25 de fevereiro de 2018

Clarêncio fazia panegíricos a tantos e morreu abandonado


Clarêncio fazia panegíricos a tantos e morreu abandonado. 
Por Luiz Eduardo Costa

         Clarêncio Fontes era filho de poeta, o modernista acanhado José Maria Fontes. O pai, foi um homem descuidado com ele mesmo. Excêntrico e ensimesmado, passou anos e anos encafuado na sua casa humilde, quase nas areias do Carro Quebrado, onde acabava a Rua de Lagarto. Com mulher e filhos, abandonava-se à solidão, partilhada com as centenas de rãs que tinha soltas pela casa e também delas se alimentava. Clarêncio criou-se ali, vendo o pai acumulando livros, muitas vezes lendo-os à luz do poste, quando a energia era cortada. Mas Zé Maria tinha a segurança, pelo menos de um modesto emprego público. Clarêncio, seu filho, foi também poeta, herdou os livros do pai, (existiria melhor herança?) a eles acrescentou tantos outros e colecionava papéis, revistas, jornais, futucava arquivos, hemerotecas, bibliotecas. E escrevia bem. Embora preferisse o estilo barroco. Esse acervo, que era também estorvo, o acompanhou na sua decadência. 

         Clarêncio nunca teve emprego certo. Foi algumas vezes redator em jornais e emissoras de rádio, mas o álcool o tornava inconstante e logo perdia os meios de sustento. Levou uma vida de sacrifícios e carências. Foi encontrado morto, já tardiamente, enquanto sua esposa doente ao lado nada podia fazer. Ao seu enterro compareceram 4 pessoas, entre elas o escritor Saracura. Morreu silenciosa e humildemente, como silenciosa e humilde foi a sua vida. Fez panegíricos a tantos e todos o deixaram abandonado.

         Registre-se aqui, ressalvadas possíveis omissões, que teve amigos como Kleiber Vieira, o procurador Givaldo Rosa, tantos outros na Academia de Letras, que por vezes o socorriam. Mas, a Clarêncio teria faltado alguma coisa, assim como, sei lá, quem sabe sobre a alma humana, sobre essa coisa chamada destino...

Texto e imagem reproduzidos do blogluizeduardocosta.com.br

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