Publicado originalmente no site JLPOLÍTICA, em 6 de outubro
de 2019
Opinião - Lá se foi Carlos Nobre, um jornalista sergipano na
cena carioca
[*] Luiz Eduardo Oliva
Recebi, já madrugada adentro, da parte do amigo Tonho
Corumba, a notícia da morte do jornalista sergipano Carlos Nobre ocorrida ontem
no Rio de Janeiro.
Nobre fez parte de um dos mais importantes grupos de
movimento cultural e resistência ao banal de Sergipe dos anos 70, que era
formado por alunos da antiga Escola Técnica de Sergipe, com ramificações no
cinema, na literatura, no teatro, na cultura afro-brasileira e na resistência
política à ditadura militar.
Estavam lá o próprio Tonho Corumba, os irmãos Carlos e
Djenal Nobre, o falecido professor Diomedes, o teatrólogo Pedro Barroso, o
poeta e juiz Anselmo Oliveira, o hoje médico Almiro Oliva, o iluminador Denis
Leão e o pesquisador da cultura afro-brasileira Severo D’Acelino, que criou o
grupo Grefcaca (engenhoso nome do Grupo Recreativo de Folclore e Artes Cênicas
Castro Alves), só para citar esses.
Havia também o pessoal do antigo Costa e Silva, hoje bem
denominado Colégio Estadual Professor João Costa. É interessante, porque havia
uma espécie de “monopólio” da visualização do fazer cultural em uma camada
social mais à classe média zona sul.
Isso ia do Parque Teófilo Dantas até as cercanias dos
manguezais do Tramandaí, aí incluindo o Atheneu Sergipense, o Jackson de
Figueiredo, o Colégio de Aplicação, o Salvador, o Arquidiocesano e a
recém-criada Universidade Federal de Sergipe. Mas esse grupo rompeu, por assim
dizer, com essa lógica.
Naquele período, o grupo da Escola Técnica abrigava jovens,
principalmente da periferia de Aracaju. Carlos Nobre era um desses que, depois
partindo para o Rio de Janeiro, iria estudar jornalismo pela PUC - Pontifícia
Universidade Católica - da mais tarde seria ali professor.
No Rio, Nobre também trabalhou no Jornal do Brasil e nO
Dia. Também trabalhou para O Estado de
São Paulo. Escreveu livros e estava trabalhando no enredo da Escola de Samba
Grande Rio, em Duque de Caxias para o Carnaval de 2020, cujo tema era “Tata
Londirá: o canto do caboclo no quilombo de Caxias”, narrando a história do pai
de santo caxiense Joãozinho da Gomeia (1914-1971), também conhecido como Rei do
Candomblé.
Nobre foi escritor e respeitado jornalista da área dos
Direitos Humanos, mas principalmente um incansável pesquisador da cultura
afro-brasileira, buscando raízes da violência sofrida pelas regiões periféricas
do Rio de Janeiro. Sua inteligência investigativa contribuiu para um jornalismo
que informava e denunciava.
Sobre Nobre, Tonho Corumba, seu grande amigo, assim
escreveu:
"Arguto observador da cena carioca, ainda tenho seu
primeiro livro, “Mães de Acari”, no qual tive a honra de ser citado entre seus
amigos. Anteriormente, auxiliei-o nas pesquisas que fez sobre o Terreiro Filhos
de Obá. Infelizmente, ele se foi. Fique em paz, meu camarada, na beleza de seus
Orixás"
A jornalista carioca Vera Perfeito, conselheira da ABI e
coordenadora da Comissão de Diversidade, disse: “Carlinhos, como era chamado
pelos repórteres do antigo JB da Av. Brasil, foi um dos mais brilhantes da
década de 70/80 na cobertura de polícia. Sempre quieto, caladão, mas um
apurador de primeira, onde mostrou seu envolvimento em questões raciais, com
quilombolas e religiões africanas”.
Do jornalista Alexandre Medeiros: “Trabalhei com Carlos
Nobre em O Dia e no Jornal do Brasil. Tive a oportunidade de ser seu chefe de
reportagem e pude presenciar sua vocação para tratar de temas relacionados à
cultura afrodescendente, ao preconceito racial e à defesa dos direitos humanos.
Nobre fez disso uma causa, um sentido para sua vida”.
Carlos Nobre de fato foi representante de uma geração de
jovens que, em pleno regime militar, oriundos da periferia de Aracaju,
resistiram, criaram, se posicionaram sobretudo pela produção cultural, quando a
cultura naqueles anos 60/70 estava mais na classe média aracajuana.
Daquele grupo, muitos se destacaram e Carlos Nobre foi um
deles. Em contradição ao próprio nome, sua vida foi um exemplo do combate a um
pensamento oriundo das castas da nobreza dos colonizadores. Era ele um
descendente dos que chegaram ao Brasil acorrentados, e lutou para quebrar
grilhões que ainda insistem em oprimir num Brasil cada vez mais confuso.
Carlos Nobre tinha 66 anos. Morreu na manhã desta
terça-feira, 15 de outubro, coincidentemente no dia do professor. Seu enterro
será nesta quarta-feira, 16. Sem velório, como foi anunciado, mas com muita
saudade, respeito e admiração por esse guerreiro sergipano que fez no Rio régua
e compasso para a sua inteligência, suas ideias, sua luta e resistência num
país tão carente de cabeças como a dele.
[*] Luiz Eduardo Oliva é advogado, poeta e professor de
Direito. Foi secretário de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania de
Sergipe (2011/2014).
Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br
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