sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Lá se foi Carlos Nobre, um jornalista sergipano...


Publicado originalmente no site JLPOLÍTICA, em 6 de outubro de 2019

Opinião - Lá se foi Carlos Nobre, um jornalista sergipano na cena carioca

[*] Luiz Eduardo Oliva

Recebi, já madrugada adentro, da parte do amigo Tonho Corumba, a notícia da morte do jornalista sergipano Carlos Nobre ocorrida ontem no Rio de Janeiro.

Nobre fez parte de um dos mais importantes grupos de movimento cultural e resistência ao banal de Sergipe dos anos 70, que era formado por alunos da antiga Escola Técnica de Sergipe, com ramificações no cinema, na literatura, no teatro, na cultura afro-brasileira e na resistência política à ditadura militar.

Estavam lá o próprio Tonho Corumba, os irmãos Carlos e Djenal Nobre, o falecido professor Diomedes, o teatrólogo Pedro Barroso, o poeta e juiz Anselmo Oliveira, o hoje médico Almiro Oliva, o iluminador Denis Leão e o pesquisador da cultura afro-brasileira Severo D’Acelino, que criou o grupo Grefcaca (engenhoso nome do Grupo Recreativo de Folclore e Artes Cênicas Castro Alves), só para citar esses.

Havia também o pessoal do antigo Costa e Silva, hoje bem denominado Colégio Estadual Professor João Costa. É interessante, porque havia uma espécie de “monopólio” da visualização do fazer cultural em uma camada social mais à classe média zona sul.

Isso ia do Parque Teófilo Dantas até as cercanias dos manguezais do Tramandaí, aí incluindo o Atheneu Sergipense, o Jackson de Figueiredo, o Colégio de Aplicação, o Salvador, o Arquidiocesano e a recém-criada Universidade Federal de Sergipe. Mas esse grupo rompeu, por assim dizer, com essa lógica.

Naquele período, o grupo da Escola Técnica abrigava jovens, principalmente da periferia de Aracaju. Carlos Nobre era um desses que, depois partindo para o Rio de Janeiro, iria estudar jornalismo pela PUC - Pontifícia Universidade Católica - da mais tarde seria ali professor.

No Rio, Nobre também trabalhou no Jornal do Brasil e nO Dia.  Também trabalhou para O Estado de São Paulo. Escreveu livros e estava trabalhando no enredo da Escola de Samba Grande Rio, em Duque de Caxias para o Carnaval de 2020, cujo tema era “Tata Londirá: o canto do caboclo no quilombo de Caxias”, narrando a história do pai de santo caxiense Joãozinho da Gomeia (1914-1971), também conhecido como Rei do Candomblé.

Nobre foi escritor e respeitado jornalista da área dos Direitos Humanos, mas principalmente um incansável pesquisador da cultura afro-brasileira, buscando raízes da violência sofrida pelas regiões periféricas do Rio de Janeiro. Sua inteligência investigativa contribuiu para um jornalismo que informava e denunciava.

Sobre Nobre, Tonho Corumba, seu grande amigo, assim escreveu:

"Arguto observador da cena carioca, ainda tenho seu primeiro livro, “Mães de Acari”, no qual tive a honra de ser citado entre seus amigos. Anteriormente, auxiliei-o nas pesquisas que fez sobre o Terreiro Filhos de Obá. Infelizmente, ele se foi. Fique em paz, meu camarada, na beleza de seus Orixás"

A jornalista carioca Vera Perfeito, conselheira da ABI e coordenadora da Comissão de Diversidade, disse: “Carlinhos, como era chamado pelos repórteres do antigo JB da Av. Brasil, foi um dos mais brilhantes da década de 70/80 na cobertura de polícia. Sempre quieto, caladão, mas um apurador de primeira, onde mostrou seu envolvimento em questões raciais, com quilombolas e religiões africanas”.

Do jornalista Alexandre Medeiros: “Trabalhei com Carlos Nobre em O Dia e no Jornal do Brasil. Tive a oportunidade de ser seu chefe de reportagem e pude presenciar sua vocação para tratar de temas relacionados à cultura afrodescendente, ao preconceito racial e à defesa dos direitos humanos. Nobre fez disso uma causa, um sentido para sua vida”.

Carlos Nobre de fato foi representante de uma geração de jovens que, em pleno regime militar, oriundos da periferia de Aracaju, resistiram, criaram, se posicionaram sobretudo pela produção cultural, quando a cultura naqueles anos 60/70 estava mais na classe média aracajuana.

Daquele grupo, muitos se destacaram e Carlos Nobre foi um deles. Em contradição ao próprio nome, sua vida foi um exemplo do combate a um pensamento oriundo das castas da nobreza dos colonizadores. Era ele um descendente dos que chegaram ao Brasil acorrentados, e lutou para quebrar grilhões que ainda insistem em oprimir num Brasil cada vez mais confuso.

Carlos Nobre tinha 66 anos. Morreu na manhã desta terça-feira, 15 de outubro, coincidentemente no dia do professor. Seu enterro será nesta quarta-feira, 16. Sem velório, como foi anunciado, mas com muita saudade, respeito e admiração por esse guerreiro sergipano que fez no Rio régua e compasso para a sua inteligência, suas ideias, sua luta e resistência num país tão carente de cabeças como a dele.

[*] Luiz Eduardo Oliva é advogado, poeta e professor de Direito. Foi secretário de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania de Sergipe (2011/2014).

Texto e imagem reproduzidos do site: jlpolitica.com.br

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