Publicado originalmente no site da REVISTA PRESS
O Pasquim, 50 anos
O Pasquim, 50 anos
Por Tibério Vargas*
Em 2019 está completando 50 anos do lançamento do
irreverente semanário carioca O Pasquim, que circulou pela primeira vez em 26
de junho de 1969, com uma tiragem de 20 mil exemplares para todo o Brasil.
Desculpem, fazia faculdade, era repórter da Zero Hora e comprei o primeiro
número. Simplesmente. Tenho o exemplar aqui do meu lado, amarelado. A
entrevista principal, que dava a manchete do jornal, era com o polêmico
cronista social Ibrahim Sued, aquele da frase “os cães ladram enquanto a
caravana passa”. A chamada de capa era “Ibrahim: sou imortal sem fardão”.
Títulos secundários remetiam para matéria com a atriz Odete Lara sobre Cannes e
artigo do Chico Buarque dizendo por que era torcedor do Fluminense. O texto na
última página, “Um tricolor em Roma”, trazia uma foto do cantor, de calça jeans
e sem camisa, descalço, batendo bola. Para os pesquisadores, lá vão os colaboradores
da primeira edição: Jaguar, Tarso de Castro, Claudius, Ziraldo, Millôr
Fernandes, Nísio Batista Martins, Sérgio Cabral, Fortuna e Luís Carlos Maciel.
O Pasquim foi criado por Tarso, Jaguar, Sérgio Cabral (o
pai, não o rebento corrupto), Claudius e Maciel, com diagramação do designer
Carlos Prósperi. Na segunda edição, estreou o Henfil. A erudição e ironia de
Paulo Francis (1930-1997) valorizaram o jornaleco a partir do 6º número. Na
maturidade, ele se tornou de direita. Sérgio Augusto, culto e cinéfilo,
articulista do Estadão em sábados alternados, passou a colaborar na nona
publicação. Ivan Lessa (1935-2012), que depois desta experiência e da censura
foi para Londres e nunca mais voltou, se agregou ao projeto na 27ª edição. Numa
entrevista na Inglaterra, pouco antes de morrer, a repórter perguntou se ele,
por acaso, decidisse voltar ao Brasil, onde imaginava que pudesse trabalhar.
“Em qualquer coisa, já fiz até publicidade”, respondeu Lessa.
Em quatro meses a tiragem de O Pasquim pulou para 80 mil no
número 16 e no fim do ano de 1969 chegou à marca espetacular de 200 mil
exemplares. Em plena ditadura militar, tornou-se um sucesso editorial incrível.
Matérias eram vetadas ou cortadas parcialmente, atentado à bomba fracassado,
exemplares apreendidos nas bancas por forças paramilitares, mas ele saía.
Talento não faltava e havia sempre textos suficientes para substituir. Na
parede do meu apartamento havia um pôster da Leila Diniz, de biquíni, foto em
preto e branco, publicada na página central de uma edição de 1970. Guardo os
100 primeiros números. A relíquia está num armário, na minha biblioteca.
Longas entrevistas
O jornal alternativo tinha como matéria principal uma longa
entrevista. Desfilaram por suas páginas artistas, esportistas, religiosos,
naturalistas, escritores, celebridades, figuras polêmicas e contraditórias.
Toda a redação participava do pingue-pongue, sempre regado com muito uísque. O
Pasquim modernizou o texto pergunta-e-resposta, visto com restrições pela
imprensa por exigir menos criatividade. Todo o debate era transcrito, inclusive
conversas laterais entre os participantes, além do ambiente, a garrafa, o gelo
e os copos, cenas de humor, tornando a leitura agradável. O foco era mais no
comportamento, na pilhéria, do que na política, para driblar os censores.
Tibério Vargas foi, durante dois anos, colunista do Pasquim,
em Porto Alegre
O machão Yustrich
Uma das entrevistas de maior repercussão foi com o técnico
do Flamengo, Yustrich, um mato-grossense de Corumbá, batizado como Dorival
Knippel, de origem alemã. Felipão seria uma donzela perto do comandante
rubro-negro. A capa do número 42 de 10 de abril de 1970 é ilustrada por algumas
respostas em letras garrafais:
“Vocês acham que não? Eu, pelo menos, como profissional,
tinha uma impressão horrível do Doval.”
“Não, eu nunca considerei João Saldanha técnico. Todo mundo
sabe que ele é dado a libações alcoólicas.”
“Minha filha que é tudo para mim, mais ninguém. Ela nunca
namorou. Eu continuo ignorando e nunca vi minha filha com namorado. E espero
nunca ver. É uma ignorância, uma boçalidade, uma estupidez da minha parte. Eu
reconheço, mas para mim é assim, tem de ser assim.”
“Eu, graças a Deus, nunca tive oportunidade de trabalhar com
jogadores homossexuais.”
“Recebi seis tiros, quatro me pegaram. O papai aqui
continuou tranquilo.”
Os concorrentes sisudos
Os dois concorrentes de O Pasquim eram sisudos, falavam
sério. O primeiro que surgiu foi Opinião, que circulou de 23 de outubro de 1972
a 8 de abril de 1977. Entre seus colaboradores estavam o crítico literário
Antônio Cândido, o jornalista e romancista Antônio Callado, o notável Darcy
Ribeiro e o mito comunista Oscar Niemeyer. De 7 de agosto de 1975 a 1981, no
fim sem periodicidade regular, foi publicado o Movimento. Nas suas páginas
ditavam cátedra FHC, o sociólogo Perseu Abramo, o cientista político e
brizolista Moniz Bandeira e o historiador Nelson Werneck Sodré. Tinham
conteúdo, mas não sabiam brincar. Para zombar do academicismo da esquerda
tradicional, O Pasquim se dizia “lúcido, válido e inserido no contexto”, um
bordão eternizado.
O surfista do Ibirapuitã
Um dos itens do meu currículo que eu mais me orgulho é ter
escrito para O Pasquim durante dois anos, 1986 e 1987. Convidado por Coi Lopes
de Almeida, que editava quatro páginas em Porto Alegre para serem incluídas na
edição nacional vendida no Sul, publiquei crônicas e notas nas “Dicas”, uma das
seções mais concorridas do jornal. Um dos meus textos, em página inteira, foi
“O surfista do Ibirapuitã”. O semanário criado no Rio de Janeiro pelo gaúcho
Tarso de Castro enfrentou a ditadura com deboche, mas sucumbiu na democracia e
no enfadonho politicamente correto dos novos tempos. Morreu em 1991, aos 22
anos. Deixou saudades em mim.
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* Tibério Vargas - Repórter desde 1969. Professor de Jornalismo na PUCRS
durante 40 anos – 1977/2017. Autor dos romances Sombras Douradas e Acrobacias
no Crepúsculo, novela A Santa sem Véu e Contos do tempo da máquina de escrever.
Texto e imagens reproduzidos do site: revistapress.com.br
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