Publicado originalmente no BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, em 18 de janeiro de 2022
Os jornais devem ser incômodos
Os jornais são um produto sofisticado. Mesmo que tenha princípios editoriais bem definidos, um bom jornal não traz uma única visão de mundo. Ou seja, os jornais não agradam inteiramente a seus clientes. Essa característica da imprensa sempre provocou mal-estar. No entanto, nos dias de hoje, com a polarização existente na sociedade, esse aspecto do jornalismo sofre ainda maior incompreensão. Há uma cultura de desprezo por tudo aquilo que confronta as ideias, convicções e sensibilidades pessoais.
Faz-se aqui uma defesa não apenas do direito de incomodar, mas do dever da imprensa de incomodar. Ao oferecer variadas perspectivas – o que significa sempre desagradar, em algum nível, a todos os leitores –, o jornal cumpre uma função social fundamental: expõe diariamente o seu público a diferentes pontos de vista e a variadas visões de mundo.
Num mundo cada vez mais submetido à lógica comercial, em que o objetivo é satisfazer o cliente, os espaços de pluralidade são cada vez mais restritos. Até mesmo as escolas e as universidades, que foram historicamente âmbitos de contato com outras percepções e sensibilidades além da perspectiva familiar, não raro oferecem hoje em dia a seus alunos apenas uma monocromia cultural e ideológica.
Obviamente, o pluralismo não significa negar a existência de verdades objetivas. A Terra é redonda. As leis da física funcionam: prédios construídos seguindo as regras da engenharia não caem. As vacinas salvam vidas. Também não significa transigir com os valores cívicos e éticos com os quais cada meio de comunicação se identifica.
No entanto, não há sociedade livre, nem regime democrático, se a percepção dos temas públicos é monolítica, formada a partir de uma única perspectiva. Isso vale para as questões envolvendo o Estado – por exemplo, decisões contramajoritárias do Supremo, silêncios do Congresso sobre determinadas causas, políticas tributárias e programas sociais –, bem como para aqueles temas de fundo sempre presentes em uma sociedade – por exemplo, formação das novas gerações, desigualdades sociais, raciais e de gênero, liberdade de expressão, estatuto social e jurídico das famílias, representação política das minorias, laicidade do poder público e proteção do meio ambiente.
Por isso, a pluralidade de um jornal não é, não deve ser, mera tática, para obter uma imagem de imparcialidade. Trata-se de algo mais profundo: é consequência direta da convicção de que reportar os fatos com rigor – a essência do jornalismo – exige sempre confrontar e expor várias perspectivas. A realidade não é uma equação matemática: os fatos humanos, sociais e políticos são necessariamente complexos, multifacetados.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com
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