REGISTRO de publicação feita em 24/11/2007
Publicado originalmente no site do GOVERNO DE SERGIPE, em 24 de novembro de 2007
Chaparro: 'Jornalistas são socializadores do conhecimento'
Em entrevista à Agência Sergipe de Notícias, Manuel Carlos Chaparro fala dos desafios do jornalista e do jornalismo
Manuel Carlos Chaparro parece ter sempre uma lupa sobre o mundo, alguma ferramenta que ele utiliza como poucos para torcer as idéias, bagunçá-las, aproximá-las, desvelá-las. Tudo isso só para arrumar tudo de novo, dessa vez sob outro olhar, bem mais interessante do que o primeiro. Esse talento - que carrega um tanto de filósofo, de cientista e jornalista - talvez ajude a entender as suas escolhas profissionais. Como pesquisador da Comunicação, jornalista, professor ou assessor de imprensa, Chaparro usa essas habilidades para se manter como um dos maiores nomes da área de Comunicação Social do Brasil na atualidade.
Vencedor de quatro prêmios Esso, doutor em Comunicação Social pela Universidade de São Paulo, professor de Jornalismo na Escola de Comunicação e Artes da USP e autor de diversos livros na área, ele está em Sergipe a convite da Secretaria de Comunicação do Governo do Estado.
O mestre traz para os encontros do Projeto de Qualificação em Comunicação do Governo do Estado (Proquali) o seu peculiar senso inquisidor. "Nós jornalistas precisamos saber quem somos, onde estamos e o que fazemos. Temos que pensar: qual é o entendimento da dignidade do nosso trabalho? Ele não é importante pela instituição ou pelo chefe que representamos, mas porque somos socializadores da informação e do conhecimento".
Nas palestras e oficinas realizadas nesta sexta-feira, 23, e no sábado, 24, no auditório da Codise e da Unit, ele discute com professores, estudantes e assessores de comunicação do Governo formas de melhorar o texto jornalístico produzido na comunicação pública. Em entrevista à Agência Sergipe de Notícias, ele fala sobre a qualificação do trabalho do jornalista enquanto ferramenta de inserção do indivíduo na sociedade. Também comenta as modificações que o jornalismo enfrenta com o advento da internet, as limitações enfrentadas pelos profissionais do meio e a produção científica relacionada ao jornalismo.
Quais os maiores desafios que o jornalista enfrenta dentro de uma assessoria de imprensa de um órgão governamental?
Manuel Carlos Chaparro - Em primeiro lugar temos que pensar que o jornalista é um socializador de conteúdos. Por isso ele tem que ter uma relação com os locais e as áreas onde esses conteúdos são gerados. Nas redações não brotam conteúdos, eles brotam do mundo. O governo, por exemplo, é um grande produtor de conteúdos, senão o mais importante. De outro lado, o jornalista precisa captar as coisas, entendê-las. Ele escrever artigos, reportagens, textos para que aquele conteúdo seja socializado. Mas ele deve ser socializado não da perspectiva de quem gerou o conteúdo, mas em função de quem irá recebê-lo. Isso exige habilidades e também certo padrão de comportamento. Não se pode utilizar as habilidades da profissão para enganar os outros. As habilidades da profissão nos tornam capazes de enganar. Então há uma dupla face nesse processo. É preciso saber tratar os conteúdos, o discurso dos outros e isso exige competência, preparo intelectual. Enquanto assessor, o jornalista trabalha na ponta do processo de socialização, no local onde os conteúdos são gerados. O trabalho jornalístico é o mesmo, só que ao invés de você publicar a sua matéria no jornal, irá arrumar mecanismos para levar seu conteúdo aos jornalistas ou publicar na internet. Então há a competência técnica, mas deve haver também um compromisso ético. Um compromisso com as razões da sociedade. Se aquilo que você faz serve para aperfeiçoar a sociedade, ele deve se ater aos valores da sociedade. Precisa respeitar a linguagem jornalística. Quando a gente diz que o jornalista não pode enganar os outros, de alguma forma estou falando da preservação da linguagem. Por que o jornalismo é tão indispensável? Porque as pessoas acreditam nele. A própria linguagem tem recursos para convencer o outro de que aquilo que está sendo dito é verdadeiro. Você diz quem fez, o que fez, onde foi, que horas aconteceu para que as pessoas acreditem naquilo. Nós não podemos usar a linguagem para enganar os outros porque estaríamos fraudando um bem público que é a própria linguagem jornalística.
Deve existir uma diferença de tratamento da notícia na assessoria e no jornalismo?
Chaparro - As dificuldades que o assessor tem no seu ambiente de trabalho, o jornalista também tem. São de outro tipo, mas existem, como a necessidade de vender jornal, as pressões do dono, do editor. O que há em comum é que não existe notícia falsa. Ou ela é verdadeira ou não é notícia. O profissional precisa ser rigoroso em qualquer lugar que se trabalhe. Quando atua numa instituição, o assessor de comunicação é de certa forma a interface competente para se relacionar com a sociedade. Então ele não pode só olhar para dentro da empresa. Deve olhar para fora e se relacionar bem com a interface mais importante que é a sociedade. Então é tolice pensar que o assessor melhora a empresa se fraudar a informação. Hoje não há como enganar ninguém, as coisas se descobrem. Tem que se pensar na coerência entre aquilo que se diz e aquilo que se faz. É com base nela que deve se orientar o trabalho. O jornalista deve ser um educador dentro das instituições.
Como o senhor observa o uso de técnicas como o lide, a pirâmide invertida no texto jornalístico? Esse é um modelo que ainda se mantém?
Chaparro - A pirâmide é um método que nós usamos uns com os outros para nos comunicar. É um método velho e eficaz de comunicação. Quando falamos com os filhos, por exemplo, usamos a pirâmide invertida ou a normal, a depender da situação. Ela representa a noção de que existem coisas mais importantes do que outras. Não há como contar uma história se o narrador não sabe decidir o que é mais importante. Essa escolha é que gera os critérios para organizar os relatos. É a idéia da relevância. A pirâmide normal põe o importante no final e a invertida, no começo. O que é realmente fundamental é que haja algo de maior relevância, não importando onde esteja. Saber pensar é saber fazer essa distinção entre o mais importante e o secundário e estabelecer essa relação entre as duas coisas. Não há uma história que não seja contada assim.
O jornalismo está se modificando com o advento da internet. Aparecem fenômenos como os blogs e a personalização das notícias. Como avaliar essas mudanças? É preciso repensar o papel do jornalista?
Chaparro - O jornalismo se modifica na mesma medida que o mundo se modifica. O jornalismo faz parte do mundo e não o mundo do jornalismo. O mundo gera informações e modifica informações, gera idéias e solicita idéias. A notícia é a maneira de agir no mundo. Se mudam as estratégias da ação política, econômica e social, muda também o jornalismo. Mudam ainda as tecnologias para que as notícias cheguem mais longe e mais rápido. Hoje há a possibilidade de noticiar as coisas quando elas acontecem. Isso perturba todo o jornalismo. Se há alguém filmando o ataque às Torres Gêmeas em Nova York, então ninguém precisa do jornalista. Se hoje qualquer um pode colocar as notícias e acessá-las independente da fonte então o jornalista tem que repensar o seu papel. Porém acontece que quanto mais rico é o nível de informação maior também é a demanda de explicação. E aí há um espaço novo para o jornalismo. A reportagem nasceu assim no final do século XIX.
Como construir um jornalismo independente?
Chaparro - É muito difícil, mas tem que se lutar por isso. O jornalismo sem independência jamais será um jornalismo veraz. Um jornalismo veraz estabelece como obrigatório o pressuposto da independência. A independência é a virtude das mais difíceis de conquistar não só no jornalismo, mas também na vida. O que cada um de nós quer é ser independente. Somos independentes quando podemos usar nossa própria razão de ser para decidir a nossa vida. Somos dependentes quando usamos a razão de ser do outro. Esse é o jogo do poder. A vida gira em torno disso. Então a luta pela independência deve ser constante. No jornalismo ela precisa de ajudas, auxílio da lei, da cultura, da sociedade. Precisa haver mecanismos que assegurem a independência. No jornalismo europeu, por exemplo, existem as comissões de redação, os institutos editoriais, que estabelecem normas, fronteiras entre as relações de poder e os donos de jornais e jornalistas. Em outros modelos, como nos Estados Unidos, há uma cultura de que o sigilo da fonte é uma arma do jornalista. No Brasil nós não temos mecanismos de proteção do jornalista. Há uma pobre noção de ética. A sociedade tem que construir mecanismos que assegurem a independência porque isso interessa à sociedade e não só aos jornalistas. Está na hora de pensar nisso.
O senhor acha que há uma evolução na pesquisa acadêmica na área do jornalismo? Por que há, então, um distanciamento grande entre teoria e prática?
Chaparro - A pesquisa no jornalismo evolui com a pesquisa de pós-graduação. Ela trouxe um enriquecimento de outras áreas de atuação. No jornalismo há a possibilidade de fazer estudos, pesquisas com ferramentas da sociologia, antropologia. Mas há um problema muito grande que o afastamento da teoria e da prática. Essa é uma burrice dos dois lados. E uma burrice preconceituosa porque os profissionais acham que a academia produz um saber inútil. Isso não é verdade. O jornalista precisa desse saber, que pode ser muito importante para a pratica profissional. E o inverso também acontece. O grande milagre do jornalismo não está nos livros, mas na capacidade de fazer um jornal ou um programa de TV com sucesso todos os dias. O jornalismo é uma linguagem de grande sucesso. Há um saber muito grande na pratica e a academia às vezes rejeita essa interação. A distância entre os dois deveria ser encurtada para quase zero.
Texto e imagens reproduzidos do site: se.gov.br
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