quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Antônio Carlos Garcia ENTREVISTA o Jornaleiro Washington

Legenda da foto: Washington Teixeira: "Essa banca me deu régua e compasso"

Publicação compartilhada do site SÓ SERGIPE, de 6 de dezembro de 2020 

“Eu serei o último moicano a sair da luta, da guerra”, garante o jornaleiro Washington Teixeira

Por Antônio Carlos Garcia 

“Eu serei o último moicano a sair da luta, da guerra”, garante o empresário e administrador de empresas, Washington Teixeira Costa, 65, e que desde 1987, é proprietário da banca de revistas Waluvi. Leitor voraz e cinéfilo, o jornaleiro Washington pega emprestado o título do livro “O último dos moicanos”, um romance histórico de James Fenimore Cooper, lançado em 1826, baseado em acontecimentos relativos à Guerra Franco Indígena, para mostrar que segue resistindo com sua banca de revistas, oferecendo cultura à população. Só para constar, o romance “O último dos moicanos” foi adaptado para o cinema. A primeira versão foi de 1912 e a mais recente, 1992.

Enquanto  o moicano  segue resistindo, lembra dos tempos em que na Waluvi podiam ser encontradas as edições impressas dos jornais de diversas capitais do país, como São Paulo, Salvador, Minas Gerais, Rio de Janeiro, dentre outras, sem contar com as principais revistas semanais. E não é só isso, ele chegou a receber o jornal francês Le Monde e tinha clientes assíduos que o compravam.

A idade do jornaleiro e o advento da internet, que trouxe as versões online de jornais e revistas, fizeram com que Washington acabasse com duas bancas, permanecendo somente com a da Hermes Fontes. Ativista no setor, Washington lembra que, junto com o fechamento das suas filiais, outros jornaleiros foram deixando o negócio. “Aracaju já chegou a ter 400 bancas de jornais e revistas e hoje não passam de 10”, lamenta.

Para continuar sobrevivendo nos tempos em que as notícias são quase instantâneas, Washington agregou outros serviços. Além dos jornais diários que circulam em Aracaju, ele tem livros de autores sergipanos, a exemplo de “As Pestes de Aracaju”, do médico sanitarista Antônio Samarone.  E mesmo com a chegada da internet, as revistas impressas  de super heróis da Marvel e os mangás têm público certo. “As pessoas vêm em grupo comprar e se eu não tiver quatro ou cinco revistas da mesma edição, alguém vai sair sem levar”, contou.

Nestes 33 anos de banca de revistas, dividindo a gestão com a esposa Iracema de Aragão Costa, Washington, um baiano nascido no povoado de Orobozinho, município de Marcionílio Souza, na Chapada Diamantina, disse que o trabalho de jornaleiro lhe deu régua e compasso. Foi dali que ele tirou o sustento para a família e conseguiu, junto com a esposa, formar os dois filhos: o advogado Luís Vinícius, o Lula, e a psicóloga Viviana Aragão. E ainda: contribuiu e incentivou para que a sua funcionária Maria de Lourdes Barbosa, que está com ele há mais de 20 anos, se formasse em assistente social.

Será Lourdes que, dentro em breve, ficará com a Waluvi, pois isso já foi acertado com a família. Esta semana, entre a venda de um cigarro e outro, ou fazendo apostas nas loterias da Caixa – um novo ‘agregado’ à banca, que Washington recebeu o Só Sergipe. Leia, descubra o que significa Waluvi e conheça um pouco sobre este jornaleiro e sua banca, claro.

SÓ SERGIPE – Há quanto tem o senhor é proprietário desta banca de revistas na avenida Hermes Fontes, onde sempre se reuniram políticos e intelectuais sergipanos, não só para comprar jornais e revistas, mas também para uma boa conversa?

WASHINGTON TEIXEIRA – Aqui em Aracaju eu comecei em 1987 nesta atividade de jornaleiro, com banca de jornais, que tinha uma tradição no centro da cidade. Na época, levei para um assessor do então prefeito, Jackson Barreto, a sugestão de que as bancas poderiam ser instaladas nos bairros e ele concordou. Tive oportunidade de falar com ele pessoalmente sobre isso e ele achou a ideia brilhante. Nessa época tive a concessão de três pontos, saindo do eixo do centro. Então vim para as avenidas Hermes Fontes, Pedro Paes Azevedo e Augusto Maynard. E de lá para cá fui reduzindo e hoje só tenho esta aqui, na Hermes Fontes, neste canteiro.

SS – E por que reduziu?

WT – Com o passar dos anos, perdi aquele ritmo. Eu comecei com, aproximadamente 30 anos, cheio de energia, e hoje sou um homem de 65 anos. E aí, um negócio pequeno como banca de revistas absorve muita energia do dono. As dificuldades foram me obrigando a desfazer dos demais pontos e estou somente com este, com muita dificuldade. Hoje, a maioria das bancas está fechando, não só aqui, mas no Brasil inteiro.  Eu não sei o que vai acontecer com as bancas de revistas. Eu sinto que os jornais e revistas semanais impressos estão desaparecendo, porque esses veículos de informação de período curto, com literatura não perene, ficam desatualizados em questão de horas. Você noticia que determinada figura teve um infarto e daqui a 10 minutos tem que estar com a notícia atualizada e posta na rede social, no site, que a pessoa se recuperou. E o jornal impresso não dava essa resposta. Se tivesse sorte, no fechamento da edição, de ter essa informação, dava a notícia sobre o assunto e no dia seguinte a pessoa poderia estar viva ou morta. Hoje os jornais virtuais se informam e se atualizam por segundo. As informações nos jornais e revistas impressas, um dia,  serão descartadas.

SS – E o que resta para as bancas?

WT – Há produtos que vão durar, como um bom livro, mas não sei por quanto tempo. Não sei se os donos do poder vão continuar deixando imprimir livros. Acredito, também, que futuramente, na minha simplória visão de mundo, alguém vai procurar um livro impresso para ler  e não vai encontrar. Pode vir uma nova ordem mundial, que começou com o advento da escrita e massificação de informação. Então, banca de revistas começou com um mix há 20 anos, de não vender só revistas e jornais, mas outros produtos agregados, para se viabilizar e o dono ter o mínimo de renda. Ter uma  tabacaria agregada, por exemplo.

SS – Houve uma época em que o senhor chegou a ter quase todos os jornais do país aqui na banca, não foi?

WT – Sim. Eu trabalhei com diversos jornais. Com o Zero Hora, do Rio Grande do Sul; trabalhei com  todos os jornais de São Paulo (Diário de Notícias, Gazeta Esportiva, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo), com  jornais do Rio de Janeiro (Jornal do Brasil, O Globo, Jornal dos Esportes, O Dia), da Bahia (Jornal da Bahia, Tribuna da Bahia, A Tarde, Correio da Bahia). De Minas, recebia o Estado de Minas. Recebi jornal do Ceará, de Pernambuco (Diário de Pernambuco e Jornal do Comércio); de Alagoas, e por aí.

SS – O senhor trabalha com algum jornal internacional?

WT –  Cheguei a receber o francês Le Monde. Havia pessoas que queriam, pois diziam que o Le Monde era mais independente. Tinha um público que lia. Lembro que, em determinado momento, a Universidade Federal de Sergipe (UFS) tinha um convênio com uma universidade francesa, e no prédio, aqui em frente da banca, moraram uns quatro franceses que faziam um curso na UFS. Eles fizeram amizade comigo, compravam o jornal e outras pessoas se interessaram também pelo jornal francês.

SS – Na opinião do senhor, o advento da internet iniciou a derrocada na venda de jornais nas bancas?

WT – Sim, mas entre nós jornaleiros poucos perceberam, pois não buscamos alternativas diante dessa nova tendência. Até vocês jornalistas não tinham percebido isso no início, com o processo de informatização. Ao mesmo tempo, quando as empresas absorveram o processo de informatização, no bojo veio a internet, uma ferramenta e tanto, principalmente, para os jornalistas. E nós não percebemos que as coisas iam diminuir para nós. Pecamos, faltou malícia. Hoje, você chega em determinado evento e o palestrante alerta para percebermos a nova tendência que está acontecendo no mundo. E naquele momento, se alguém nos advertisse num seminário, para o jornaleiro e todos  os envolvidos com esse produto, talvez tivéssemos buscado outra alternativa. As lan houses não pegaram. E hoje computador é barato. Você tem um celular que é um computador.

SS – E as bancas sempre tiveram um mix de produtos, além dos jornais e revistas?

WT – Sim, muitos fizeram isso. Com perfumaria, cosmético, sorvete dentro da banca. Você chega numa banca em São Paulo, hoje, e tem diversos produtos. A banca de jornal vai sobreviver com outros produtos agregados. Há banca de jornal aqui, que o dono desmontou a estrutura de publicações e trabalha com venda de frutas e legumes, e neste momento vai sobreviver. É comum as pessoas que são ávidas por informação, quererem ter um bom livro. Mas ele não vai ter um livro em papel, e sim no computador.  Vai acabar o gosto de sentir o cheiro do jornal, o cheiro do livro, pois virá uma nova ordem mundial.

SS – Como foi que o senhor tomou gosto por esse negócio?

WT – Eu  comecei a frequentar banca com assiduidade na Joana Angélica, em Salvador, e os professores que lecionavam no Colégio Central, iam para a banca do meu amigo Everaldo. Eu trabalhava num local, mas sempre ia vê-lo. Foi Everaldo quem me incentivou, quando  fiquei desempregado, a montar uma banca de revistas. E os produtos deixavam as pessoas com brilho nos olhos. O maior orgulho de um cidadão, na década 60 e 70, era ter dinheiro e sair da banca com um ou dois livros e três jornais debaixo do braço. Nem fazia questão de colocar na sacola, para que todo mundo visse que ele era um cidadão que gostava de leitura. E todos faziam questão de procurar essa pessoa. Ler uma notícia de jornal que foi produzida  há 12 horas e comprar na banca era um luxo, um privilégio para poucos. Ter um jornal às seis horas da manhã em casa era outro luxo. Tínhamos clientes que pegavam um jornal pela manhã e iam terminar  a leitura  à noite, porque era muita informação. E os jornais de domingo, principalmente,  sempre foram mais robustos, como até hoje são.

SS – E a presença dos políticos no seu estabelecimento?  Afinal, banca de revistas é um lugar onde se respira cultura. Muitas conversas e muitos acordos políticos foram fechados no bate-papo aqui?

WT – Não. O que aconteceu foi de candidatura proporcional, de vereador. Houve uma vez uma articulação, por conta da amizade com um professor, que não compete aqui revelar o nome. Começou aqui a articularmos a candidatura dele. Chamamos um grupo de amigos e tudo. Mas candidatura majoritária não. Até porque eu ficava fora do eixo da discussão política. Sei que existia essa discussão na banca do meu amigo, Roberto, porque no centro de Aracaju  ficavam o  Ministério Público, Tribunal de Justiça, Assembleia Legislativa, Câmara de Vereadores, Prefeitura e a Catedral Metropolitana, além da Receita Federal e Polícia Federal. E todos convergiam para a banca do Roberto. Naquela época, o cidadão ouvia o rádio e comprava o jornal.

SS – Há uma hora conversando com o senhor aqui na banca e não entrou ninguém para comprar uma revista ou jornal. Vejo muitos comprando cigarros. É sempre assim?

WT – É. Você não viu eu vender um jornal ou uma revista, só produtos agregados, como cigarro. Lamentavelmente, não há mais isso. Mas se você viesse mais cedo, veria as pessoas entrando aqui para comprarem as revistas de super heróis da Marvel, que dominam o mercado e  são distribuídas pela Panini. Percebo que esse mercado vai permanecer. Tenho cliente da minha idade comprando esse tipo de literatura.  Quando jovem, ao tomar gosto pela leitura, meu maior prazer foi ler Mar Morto, de Jorge Amado, e até hoje me lembro dos detalhes dos personagens Guma e Lívia. Eu viajava em boas leituras. Comecei a migrar para outros autores. Lembro que um amigo meu chegou aqui com “O Quinze”, de Rachel de Queiroz.  A minha geração se encantava ao ler um romance. Eu não vejo um jovem hoje pegar uma literatura.  Nós temos veia literária sergipana que não valorizam. Outro dia perguntei a um cliente: você sabe quem é Chico Dantas?  E ele não sabia. Se você falar com determinadas figuras que Jorge Amado teve raízes em Sergipe, que João Ubaldo Ribeiro, autor de Sargento Getúlio, também teve, eles vão dizer que não sabem. E não sabem mesmo, infelizmente. Então, o cara fica procurando esses super heróis. Vá primeiro conhecer o seu Estado, com um celeiro de gente bacana, inteligente, produzindo literatura, poesia, a exemplo de Jozailto Lima.

SS – Mas o senhor já perguntou a um leitor da Marvel o que ele aprende com essa leitura?

WT – Sim. Um leitor me disse que consegue encontrar uma mensagem e associar a imagem com o texto. E ele diz que consegue conversar com os personagens. Todos fazem essa leitura de conversar com os personagens. E é o único público com quatro pessoas que chega para comprar as mesmas revistas. Se eu não tiver quatro do mesmo número para vender, um vai ficar sem. E eu me pergunto: por que essas revistas?  Não sei. Mas há um público jovem e outro público de 50 anos em diante que estão consumindo esta literatura de super heróis e de mangás. Como envolve várias faixas etárias, acredito que isso poderá manter as bancas de revistas abertas.

SS –   No começo da entrevista, o senhor falou da conversa com o então prefeito Jackson Barreto, que contribuiu para levar as bancas de revistas para os bairros. O senhor seria um dos principais precursores deste segmento em Aracaju?

WT – Não, não. Primeira banca em Aracaju, eu sei, pois me tornei um ativista,  era banca de jornal, pois era comum se comprar. Começou com a banca São Francisco, no Parque Teófilo Dantas, ao lado da Padaria Sergipana, próxima à Catedral Metropolitana, do senhor Francisco. Mas infelizmente deve estar fechando. Mais tarde, um ativista político da década de 60, era funcionário do Correio e ficou desempregado, e para sobreviver, colocou banca de jornais. E depois evoluiu para banca de  revistas.

SS – Aracaju chegou a ter quantas bancas?

WT – Chegou a ter, em média, 400 bancas.

SS – E hoje?

WT – Conto nos dedos. Se tiver 10, tem muito. Como eu venho de uma época que consegui me aposentar, consigo sobreviver financeiramente. Alguns vivem aos trancos e barrancos. Outro problema para a decadência: chegou um pessoal novo nas distribuidoras sem o menor respeito aos jornaleiros. Não foi profissional, não tem a credibilidade de um Queiroz (José Queiroz, antigo distribuidor) junto à Editora Abril, para vir todas as publicações.  Tudo que circulava no Brasil vinha para Sergipe, por meio de Queiroz, ainda que em proporção menor. O  distribuidor  de hoje não tem prestígio e o que faz é enterrar o jornaleiro. Não sei o que vai ser da banca.

SS- A essa altura, qual o seu propósito para esta banca?

WT – Eu tenho um propósito para este empreendimento. Minha funcionária, Lourdes, que se sacrificou aqui conosco, vai ficar com ela. Nós vamos passar a banca para ela, pois isso já foi decidido lá em casa, com meus filhos e minha mulher. Isto aqui vai ficar para ela.  Assim como incentivamos nossos filhos a estudar, nós a incentivamos também. Quando falo desta banca, foi ela que me deu régua e compasso. Me ajudou a formar meu filho em Direito, que está muito bem na Bahia; minha filha formou-se em Psicologia aqui em Sergipe e é requisitada para outros Estados, por conta do conhecimento dela. Viabilizei a vida deles, pois é minha obrigação como pai, e de Iracema, como mãe.  Fizemos o mesmo com Lourdes, que se formou em assistente social, e dissemos que era hora dela voar, buscar novos horizontes. Porém, ela não quis. Preferiu ficar com a gente aqui. Futuramente, você não vai me ver aqui, não verá Iracema, mas, sim, Lourdes.

SS -O senhor se considera um resistente neste segmento de banca de revistas?

WT – Eu serei o último moicano a sair da luta, da guerra. Esse ano, infelizmente, fui ao enterro de quatro amigos meus acima de 50 anos. Faço uma atividade aqui de reunir todos os amigos numa aposta, num bolão de loteria da Caixa Econômica Federal. E digo: anotem, porque estou com 65 anos e não sei se daqui a 10 minutos estarei vivo. Cada um faça seu registro porque se eu desaparecer de um minuto para o outro a minha família vai honrar. Isso de apostar começou como uma brincadeirinha e cresceu muito. Eu tenho esse produto agregado hoje, que é 50% da receita da banca, por incrível que pareça. É um bolão que consegui reunir aqui muita gente. Antes eu não conseguia reunir pessoas de 10 estados diferentes e vender um produto da banca. Hoje, no bolão, consigo trazer amigos meus de 10 estados do Brasil.  A banca é um aporte para todos que gostam de fazer uma ‘fezinha’. Mas breve vou sair de cena, porque a pressão lá em casa está demais.

SS – Quantas vezes vocês já ganharam?

WT – O maior prêmio que ganhamos foi de R$ 700 mil, dividido com muita gente não ficou muito dinheiro para cada um. Para esse tipo de bolão nosso, valia a pena ganhar o prêmio máximo de qualquer loteria. Exemplo: estou fechando um bolão da Loteca que vai pagar R$ 6 milhões. Se fecharmos sozinhos, vai ficar o valor de R$ 4 mil para cada quota. E depende do número de quotas.

SS – Falamos muito sobre a banca, que é sua própria história de vida, mas ficou um detalhe. O nome da banca é Waluvi. O que significa?

WT – Waluvi foi formado pelas primeiras letras de Washington, Lula, meu filho; Viviana, minha filha, e Iracema, minha mulher. A ideia foi do meu filho Lula.

Texto e imagens reproduzidos do site: sosergipe.com.br

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