Artigo compartilhado do site do JORNAL DO DIA, de 28 de janeiro de 2023
João com um olho só
Por Rian Santos (riansantos@jornaldodiase.com.br)
O jornalista Antonio Passos, habitué desta página, testemunhou de perto a ascensão e o ocaso da Folha da Praia. Trata-se, aqui, do periódico capaz de renovar a linguagem jornalística e até literária da aldeia-obra e graça do poeta Amaral Cavalcante.
No artigo publicado abaixo, com exclusividade, por este Jornal do Dia, Passos se atém à fauna que fez a fama rebelde do periófico. Uma delícia.
Quando a Folha da Praia agitou as areias da Atalaia no início dos anos 1980 o humor era o tempero. Certo dia, já cambaleantes a irreverência e a leveza que fizeram a boa fama do jornal, pintou por lá uma joia bruta. Transpirando lama dos mangues e atraído por um anúncio de teste para desenhista, entrou pela porta da saleta apinhada de papel e gente o “olhar concupiscente” (assim o batizou o velho Amaral) de Clóvis Bomfim. Depois também chamado internamente – pelo prazer que dava ouvir aqueles dois nomes juntos – Bomfim Filho.
O menino de Santo Amaro das Brotas logo se tornou titular absoluto para qualquer rabisco… Foi quando chegou anunciada, nos olhos tilintantes e no sorriso maroto do editor, a notícia da venda de uma página inteira na qual deveria ser estampado o rosto do então governador João Alves Filho, provavelmente com uma mensagem de feliz aniversário…
Entre um traço e outro a feição do homenageado foi surgindo no papel de modo que, a certa altura, faltava apenas o olho direito… A Folha se arrepiou toda… Alguém arrancou o desenho do bireaux de Bomfim, pulou para junto do gato mestre e disse: – Genial…!
– O quê? Perguntou um Amaral estupefato.
– Está pronta a página! Vamos publicar assim, com o governador sem um olho e com o título: “Em terra de cego quem tem um olho é rei”.
Amaral soltou a mais gostosa das gargalhadas, curtiu o prazer do instante e em seguida, com igual intensidade, deu um açoite. Publicar aquilo? De jeito nenhum… A Folha já não tinha a língua sem freio dos primeiros tempos… E o segundo olho veio para guardar o “insight” apenas na memória de quem o presenciou… Quem viu, viu…
Texto reproduzido do site: jornaldodiase.com.br
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