segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

'João com um olho só', por Rian Santos

Artigo compartilhado do site do JORNAL DO DIA, de 28 de janeiro de 2023

João com um olho só

Por Rian Santos (riansantos@jornaldodiase.com.br)

O jornalista Antonio Passos, habitué desta página, testemunhou de perto a ascensão e o ocaso da Folha da Praia. Trata-se, aqui, do periódico capaz de renovar a linguagem jornalística e até literária da aldeia-obra e graça do poeta Amaral Cavalcante.

No artigo publicado abaixo, com exclusividade, por este Jornal do Dia, Passos se atém à fauna que fez a fama rebelde do periófico. Uma delícia.

Quando a Folha da Praia agitou as areias da Atalaia no início dos anos 1980 o humor era o tempero. Certo dia, já cambaleantes a irreverência e a leveza que fizeram a boa fama do jornal, pintou por lá uma joia bruta. Transpirando lama dos mangues e atraído por um anúncio de teste para desenhista, entrou pela porta da saleta apinhada de papel e gente o “olhar concupiscente” (assim o batizou o velho Amaral) de Clóvis Bomfim. Depois também chamado internamente – pelo prazer que dava ouvir aqueles dois nomes juntos – Bomfim Filho.

O menino de Santo Amaro das Brotas logo se tornou titular absoluto para qualquer rabisco… Foi quando chegou anunciada, nos olhos tilintantes e no sorriso maroto do editor, a notícia da venda de uma página inteira na qual deveria ser estampado o rosto do então governador João Alves Filho, provavelmente com uma mensagem de feliz aniversário…

Entre um traço e outro a feição do homenageado foi surgindo no papel de modo que, a certa altura, faltava apenas o olho direito… A Folha se arrepiou toda… Alguém arrancou o desenho do bireaux de Bomfim, pulou para junto do gato mestre e disse: – Genial…!

– O quê? Perguntou um Amaral estupefato.

– Está pronta a página! Vamos publicar assim, com o governador sem um olho e com o título: “Em terra de cego quem tem um olho é rei”.

Amaral soltou a mais gostosa das gargalhadas, curtiu o prazer do instante e em seguida, com igual intensidade, deu um açoite. Publicar aquilo? De jeito nenhum… A Folha já não tinha a língua sem freio dos primeiros tempos… E o segundo olho veio para guardar o “insight” apenas na memória de quem o presenciou… Quem viu, viu…

Texto reproduzido do site: jornaldodiase.com.br

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