quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Nos gloriosos tempos da revista Afinal…, por Sérgio Vaz

Legenda da Imagem: Foto reproduzida do google e postada pelo blog 'Meio Impresso', para simples ilustração do presente artigo.

Texto compartilhado do PORTAL DOS JORNALISTAS, de 13 de dezembro de 2019

Memórias da Redação: 

Nos gloriosos tempos da revista Afinal…

Por Sérgio Vaz 

Vixe: ninguém sabe o que é a revista Afinal, e então seria necessário apresentá-la para o eventual leitor. Bem rapidinho: Afinal foi uma revista semanal de informação que circulou (pouco) entre 1984 e 1988, com a pretensão de concorrer com Veja e IstoÉ, tentando ser menos sisuda, mais alegre que o modelo de revista semanal de informação estabelecido e ditado pela Time.

O dono era um cubano exilado meio doido (a rigor, bastante doido), que tinha uma agência de publicidade e achava que seu dinheiro era suficiente para bancar a revista por alguns meses e nesse período ela iria estourar e ser um sucesso fenomenal, um case mundial, universal de êxito editorial.

O cubano doido soube escolher o diretor de redação: chamou Fernando Lima Mitre, então diretor do Jornal da Tarde, o grande Jornal da Tarde, criativo, dinâmico, ousado, à frente de seu tempo. Mitre carregou para a aventura um bando de gente de talento. (Como ninguém é perfeito, e faz todas as escolhas certas, me levou também.)

O primeiro ano foi glorioso para nossas contas bancárias – os salários eram ótimos –, mas não muito bom para nossos egos: a revista simplesmente não acontecia. Não pegava. Vendia pouco – e, portanto, tinha pouco anúncio. Lá pelo meio do segundo ano, a Afinal entrou em crise.

Mas estou me alongando.

É fundamental dizer, no entanto, que a Afinal era uma redação absolutamente democrática. Desde o início, todo mundo tinha o direito, e até o dever, de palpitar.

Quanto mais pobre a revista ficava, quanto mais os editores e repórteres cascavam fora em busca de porto mais seguro – ou seja, pagamento em dia – mais ampla ainda se tornava a democracia.

A redação, a arte, a fotografia, o comercial, a direção, tudo ocupava um pequeno prédio na Maria Antônia, bem perto da Consolação, no centro de São Paulo.

Bem do lado ficava um restaurante de comida baiana, que chamávamos simplesmente de O Baiano. Ao final de cada dia de trabalho, descíamos todos para O Baiano. O Baiano era uma espécie de sucursal da redação no térreo. Chegou ao ponto de o baiano dono do lugar – sujeito que industrializava o mau humor – às vezes atender ao telefone dizendo: “Revista Afinal, boa noite!”.

***

Baita nariz de cera.

A historinha vem agora.

Aconteceu de uma noite Sandro Vaia, então diretor da Redação, após a saída do Mitre para o porto seguro da TV Bandeirantes, não beber. Era o único que não bebia álcool na mesa comprida de montes de gente da redação, da fotografia, da arte. Tinha pedido um suco de alguma coisa. Era a primeira vez que ia ao bar e não bebia – estava para fazer exame médico, ou tomando algum remédio, não me lembro.

O fato é que aquilo era algo absolutamente inédito.

Aí então a Fernandinha Domingues, na época uma foquinha de tudo, saiu-se com a pérola:

– Ih, Seu Sandro, mas o senhor sabe dirigir sem beber?

***

A frase da Fernandinha, absolutamente genial, é uma das melhores histórias que guardo dos bons, felizes tempos da revista Afinal.

Me lembrei dela agora por causa do cigarro.

Fumante adora falar sobre cigarro. Ex-fumante adora falar sobre cigarro. Fumante candidato a ex-fumante só fala de cigarro. O tempo todo. É insuportável, é um saco absoluto.

Dois dias atrás, botei no Facebook um post que tentava ser brincalhão sobre a determinação médica para eu parar de fumar. A reação foi absurda, superlativa, histórica. Foi o meu post mais comentado e curtido – e olha que eu dia sim dia não boto posts da minha neta linda, que são bastante comentados e curtidos. Até porque ela é linda demais.

Cigarro é um dos temas que mais fascinam as pessoas – sejam elas os jurássicos, trogloditas, raça em extinção de fumantes, sejam elas os felizes, bem-sucedidos, corajosos vencedores do vício.

Todos têm a sua história, e todos gostam muito de contá-la, assim como eu estou aqui falando de cigarro, absolutamente louco de vontade de fumar não um cigarro, mas um pacote inteiro, enquanto tento, desesperadamente, não acender um.

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Nas últimas não sei quantas horas (não, não vou entrar no esquema AA de 6 meses, dois dias, 6 horas e 25 segundos), nas últimas horas, que foram poucas mas passaram devagar demais, fui levado a enfrentar duríssimos testes que a Fernandinha Domingues nem poderia imaginar. Saberia o Seu Sérgio escrever um lead sem um cigarro aceso ao lado? Saberia o Seu Sérgio ler na noite da sexta a coluna da Mary do domingo seguinte sem um cigarro na boca? Saberia o Seu Sérgio ver um filme sem fumar quatro ou cinco cigarros?

A única coisa que eu sabia fazer sem fumar era ver minha neta. Por respeito a ela, e aos pais dela, jamais fumei na casa deles pós-Marina.

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Fico aqui pensando: o problema não é que o cigarro mata. O problema é que ele mata com crueldade. Devagar.

O pior da vida é a morte com crueldade.

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Sérgio Vaz

A história desta semana é uma das que Sérgio Vaz (sergiovaz@50anosdefilmes.com.br) publica em seu site 50 Anos de Textos (é de 27/6/2014). Ex-Jornal da Tarde, Afinal, Agência Estado, Marie Claire e Estadão, entre outros, Sérgio também edita o site 50 Anos de Filmes.

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Texto reproduzido do site: www portaldosjornalistas com br

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