quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Wilson Figueiredo


 Foto: Avanir Niko.

Foto: Folha de Minas (1953).

Wilson Figueiredo

“O que mais ajuda a democracia é a imprensa livre”

Aos 88 anos e em plena atividade, Wilson Figueiredo fala de sua trajetória profissional, recorda histórias do Jornal do Brasil, analisa o cenário da imprensa e deixa algumas lições para os colegas mais jovens. Como a de que o jornalismo pode e deve exigir acuidade de idéias. E não pode prescindir do amor ao texto.

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Entrevista concedida a Paulo Chico
Publicada no Jornal da ABI em fevereiro de 2013

O que está havendo com o jornalismo? Ou seria melhor perguntar o que não está havendo? Há uma crise de mercado?
Olha, eu nunca pensei nessa questão… (risos) O que eu sinto é que as pessoas ficaram meio alteradas. Há algumas que acham que acabou o jornalismo – e para essas o jornalismo é apenas o jornal. Para mim, o jornalismo não é o jornal. Ele já existia mesmo antes de haver o jornal. Ele existia antes disso. O jornal tornou-se veículo de uma coisa chamada jornalismo, que nada mais é do que uma plataforma, um meio de progressão da informação, do andamento das notícias, da difusão das idéias, dos costumes… Eu vi o rádio começar no Brasil. Eu era menino, mas me lembro deste começo, da sua expansão, das pessoas comprando os aparelhos, que vinham dos Estados Unidos. Só tínhamos estações no Rio e em São Paulo. Também naquela época disseram que o rádio iria matar o jornalismo impresso. Bobagem! Pelo contrário, o jornalismo ganhou foi um aliado…

Da mesma forma como disseram que o rádio agonizaria diante da televisão…
Exatamente. E tudo isso se resolveu naturalmente. Agora essa história se repete com a internet, com a chamada formação em rede. Ou seja, a tecnologia em questão pode até ser nova, mas essa história de fim do jornal impresso é velha pra caramba. Não tem nada de novidade! (risos) E, mesmo na crise, há quem encontre caminhos. Vejo os chamados jornais populares e os considero fascinantes! Antigamente, eles eram cheios de besteira, mas hoje são muito bem feitos, criativos mesmo. Entretanto, são veículos que não abordam com profundidade o noticiário político, que é o que mais me interessa. Mas eles atendem bem a um grande público! Encontraram um nicho de mercado.

Mas, como você vê o jornalismo de internet?
A criação de novos meios fez do jornalismo uma coisa maior do que ele é, e acabou por enriquecer e diversificar a prática. Agora, por outro lado, surgiu o amadorismo, no lugar do profissionalismo. Nesses ambientes há uma tendência que escapa ao princípio do jornalismo, que é a impessoalidade…

Hoje, todo mundo tem muita opinião sobre tudo…
É engraçado isso. Mas já acontecia assim antigamente. Na minha vida profissional, encontrei muitas situações em que empresários buscavam os profissionais de imprensa para que eles escrevessem artigos com as suas opiniões… “Se eu fosse jornalista diria isso e aquilo. Tipo: ‘esse ato do governo é um absurdo!’ Mas, você sabe, eu sou um empresário, não posso…” Aí, vinha logo a eterna desculpa: uma situação do tipo “eu quero ser Tarzan, mas não sei pular de uma árvore pra outra”… (risos) A imprensa hoje é muito melhor e mais profissional. O jornalista não pode fazer ‘o jogo’ de um banqueiro ou de um político – o que, você pode acreditar – acontecia abertamente! Nesse sentido, a imprensa melhorou muito. Até a prática de um jornalismo pessoal, em primeira ou terceira pessoa, sempre existiu. Os jornais sempre emitiram opiniões, os articulistas também. Só que agora, com uma tecnologia rica, esse direito foi dado a todos. O que é uma coisa maravilhosa. E perigosa.

Não seria possível pensar num equilíbrio?
Nunca mais o jornalismo, ou melhor, a informação, deixará de ser pessoal. Vamos precisar de tempo para acomodar isso um pouco melhor, mas não creio que conseguiremos resolver essa questão por completo. Sempre haverá notícia, informações, coisinhas pequenas, futricas, pessoas querendo esculhambar umas com as outras. Oposição e governo são duas coisas que nunca estão satisfeitas! Olha, o que nós temos, mais do que uma crise do jornalismo impresso, é uma crise do jornalismo. E mais do que isso: uma crise de quem lê o jornal… Esse sujeito está meio assustado! Alguns ficaram deslumbrados diante da possibilidade de entrar no jogo, isto é, de produzir ‘notícia’. E outros passaram a achar que nos jornais não há muita coisa interessante mais não… Era como se a notícia estivesse perdendo valor. Perceba que os jornais no Brasil nunca conseguiram conquistar um público maior. Um jornal que, há 60 ou 70 anos, tirasse 80 mil exemplares era mais importante do que um jornalão que rode 200 mil nos dias de hoje – afinal, ele era único, estava praticamente sozinho, competindo com um pouco de rádio, quase nada de televisão e zero de internet. Proporcionalmente, os jornais impressos perderam, sim, importância no Brasil. Mas a informação está aí, em maior volume do que nunca. Na verdade, nem damos conta de processá-la. O que mudou, portanto, foi a variedade dos meios de acesso.

E quais as tendências do jornalismo para o futuro?
O jornalismo, creio, ficará cada vez mais específico. O desafio é misturar velocidade com poder de análise. Vai ter que focar na conexão dos fatos, pois eles nunca acontecem isoladamente, não é?

Como explicar o fechamento de várias publicações? Só para falar dos mais recentes, tivemos o fim do Jornal da Tarde, do Marca, do Diário do Povo, em Campinas… Vivemos uma crise do jornalismo ou uma crise dos donos de jornal?
Os donos de jornal, antigamente, não eram negociantes. Eram políticos ou empresários ricos, que buscavam poder. O jornal é um poder. E isso continua a mesma coisa. O jornal não faz ninguém rico; ele dá prestígio ao sujeito para que faça negócios. Outra coisa: jornal não é uma mercadoria que se vende; o jornal é lido. Vou te dar um exemplo para contrastar com a sua pergunta: o Jornal do Brasil deixou de circular na versão impressa, mas sobrevive no ambiente digital. Ele preserva sua marca e, saiba você, tem um bocado de gente trabalhando lá. Parece até que estão contratando mais pessoas. Claro que não é mais ‘aquele’ JB. O jornalismo é anterior e superior a qualquer formato que se inventar – e eu ainda acho que teremos uma nova plataforma, diferente de tudo que está aí, uma coisa inédita, que ainda não sei o que será. O jornalismo se faz indispensável em qualquer meio e qualquer tempo. A construção do futuro depende do acesso à informação.

Falando em acesso à informação, qual sua visão sobre as tentativas de controle sobre a imprensa? Há no ar uma ameaça de volta velada à censura?
Há apenas três crimes que um jornalista pode cometer, no exercício de sua função: a injúria, a calúnia e a difamação. Todos eles de graus diferentes, mas basicamente a mesma coisa. Tirando os casos graves, como o de ofensas muito pesadas, quase ninguém recorre à Justiça, pois todos nós sabemos o quanto a memória humana é curta. É melhor esquecer, deixar passar, do que alimentar uma controvérsia. E dizem que o jornalismo abusa… Abusa coisa nenhuma! O que mais ajuda a democracia é o jornalismo, é a imprensa livre. As coisas não mudam porque o jornal as publica… Vou dizer uma coisa perigosa! Eu até acho que o jornalismo, hoje, não deixa as pessoas pensarem… A soma de informações descoordenadas é de tal natureza, e tão numerosa, que a maioria das pessoas com quem converso – e que têm acesso a jornais – não consegue processar aquilo que lêem… Mas, veja, o jornalismo vive um momento extraordinário que é o advento da informação. Onde você estiver, ela chega. Não há área proibida, mais. A censura começa a ficar impossível. Você pode até apreender um jornal impresso, mas policiar a internet fica mais difícil…

Mas o jornalismo online padece de alguns pecados, não é?
Ah, sim… Ele vai ficando cada vez mais leviano…

Houve, no final do ano passado, o caso em que o blog do Luís Nassif divulgou, com dias de antecedência, o falecimento do Oscar Niemeyer. Depois de noticiar a falsa morte, o próprio Nassif pediu desculpas aos leitores, dizendo que a sua equipe havia embarcado numa nota publicada num site clone de um grande jornal…
Foi um equívoco, não é? O que fiquei sabendo, neste caso, é que alguém ouviu mal… Correu a notícia de que o Oscar havia sido internado às pressas, depois de que teria alta e acabou voltando para a unidade intensiva… Nesta confusão, alguém se antecipou e cometeu o erro. No jornal impresso, não dá pra fazer isso. Não dá pra tirar a matéria do papel, e depois tentar explicar que publiquei ‘isso’ porque não havia entendido ‘aquilo’. A palavra impressa tem um peso edificante. E demolidor. Engraçado como a tecnologia facilitou, mas acabou por acelerar ao limite – ou além dele – todo o processo de produção de informação. A pauta ficou descartável, as informações não são apuradas, os acontecimentos não são desdobrados. Parece que não dá tempo, tudo precisa ir logo pro ar! Veja só o caso dos ministros que seguidamente acabaram afastados do governo da Dilma, numa sucessão de escândalos. Quem mais fala deles? Que fim levaram as denúncias? Depois veio o mensalão, que já teve o auge de exposição e começa a sair de cena. A pauta jornalística acaba sendo atropelada! O jornal impresso tinha, e ainda tem, 24 horas para ser produzido. Até por isso, por esse valor extraordinário da palavra impressa, quero dizer que não tenho medo do que está acontecendo. Veja se é possível, por exemplo, suprimir o livro… Eu não sou pessimista, pelo contrário, sou um otimista. Aliás, se eu não fosse assim seria um velho insuportável. E se, ao ficar velho, você ainda ficar pessimista, está roubado! (risos)

E saudosista? Você é?
O passado é sempre bom, pois dá a ilusão de que você está mais perto da felicidade. Quando falo de um assunto ocorrido no passado, todos os aspectos negativos daquele contexto a vida já eliminou, o tempo se encarregou de curar. Veja o caso do JB. Apesar da tristeza que envolve o fim da circulação da versão impressa, o que ficou mesmo na memória foram os bons momentos. Dentro do JB, passei mais de cinco décadas.

“Jornal não se vende! O jornal é o que é. Ele não pertence ao dono, e sim aos seus leitores, ao seu público cativo. Quem compra o jornal percebe quando o veículo a que ele sempre seguiu perde sua alma.”

Muitos, além de você próprio, já falaram dos aspectos técnicos da famosa reforma do JB. Mas, partindo da sua tese de que os fatos não acontecem isoladamente, gostaria de ouvir uma análise daquele processo, de uma forma mais abrangente, situando o jornal no contexto em que vivia o País…
Ótimo! O JB começou a sua reforma em 1957. O sucesso do Jornal do Brasil ocorreu pelo fato de ele ter conseguido esperar o retorno do investimento. A empresa tinha caixa suficiente para se sustentar, graças ao que era arrecadado pelos classificados, que era um dinheiro expressivo e que entrava ali na hora. E o retorno não veio só porque o jornal estava bom, mas também porque o momento era bom… A reforma começou em 1957 e levou uns três ou quatro anos para ser concluída, em sua primeira fase. O JB era, até então, um jornal sem público cativo, quase um serviço de classificados. Não era um jornal político, não era nada. E nós apostamos numa leveza editorial. Tudo era publicado com a mão leve. Não tínhamos inimigos declarados, corrente política, tampouco opinião. Tudo isso, naquele contexto, fez  que o JB se expandisse com grande liberdade, tivesse uma grande penetração social, quase sem fronteiras ou obstáculos. Em 1960, tivemos a eleição que elegeu Jânio Quadros para Presidente da República e Carlos Lacerda para o Rio. E o JB seguiu cobrindo todos esses assuntos com a mão leve, sem a paixão e o ódio arraigados, tão comuns aos jornais da época. O jornalismo, até ali, era muito carrancudo, coisa de velho, com linguagem de velho. Todo mundo era tratado como senhor, ainda que fosse para ser esculhambado… (risos) Era uma coisa solene demais. Após sete meses da sua posse, Jânio renunciou. O Brasil revivia a ameaça da década de 1930, quando da instalação do Estado Novo de Getúlio Vargas, que perdurou de 1937 a 1945. A eleição, o governo e, por fim, a renúncia de Jânio reviveram aquele cenário de crise. A economia brasileira mergulhou, então, numa profunda crise, e houve um processo nacional de liquidação dos jornais. Eles foram – quase todos – falindo. O Correio da Manhã acabou. O Diário de Notícias foi para o beleléu. O mesmo ocorreu com a Última Hora. Observe que, quando falamos de fechamento de jornais, não estamos apenas nos referindo a um processo atual… Isso sempre ocorreu! Foi com a derrubada do Getúlio, em 1954, que o JB começou a pensar em sua reforma, que acabou por se consolidar justamente quando outros jornais tradicionais naufragavam. Nessa época, emergiu o JB. O Brasil também se dispunha a uma arrancada histórica, plantada por Juscelino Kubitschek. O salto industrial estava preparado. Havia dificuldades, inclusive políticas, mas o País seguia adiante. O último abalo tinha sido a morte de Getúlio Vargas. Mas estava na medida exata para JK, que fez um bem enorme, em primeiro lugar, aos brasileiros com um governo de resultados visíveis. Deu o toque industrial ao Brasil e acesso do brasileiro ao consumo de bens duráveis, como dizem os economistas. Sem querer, o JB e JK, embora se estranhando em diversos episódios, participaram do mesmo projeto. As mudanças no jornal coincidiram com o salto de modernidade na economia e na indústria. As agências de publicidade já distinguiam o JB, que passou por longos anos absoluto, em vôo de cruzeiro, até acabar. E, quando acabou, já experimentava o declínio há algum tempo, descendo gradativamente.

Um jornal não acaba de um dia para o outro…
Exatamente. É mais difícil acabar do que começar. Não que começar seja fácil, mas acabar é muito mais difícil… O jornal foi minguando, caindo, até que foi vendido. Aí, entra outra lição: jornal não se vende! O jornal é o que é. Ele não pertence ao dono, e sim aos seus leitores, ao seu público cativo. Quem compra o jornal percebe quando o veículo a que ele sempre seguiu perde sua alma.

Como se deu a virada na imagem do Jornal do Brasil quando da reforma iniciada no final da década de 1950?
Antes da reforma, as pessoas compravam o JB por causa dos anúncios e classificados que abrangiam todo o mercado profissional com ofertas de empregos em diversas áreas. Era até mesmo chamado de ‘jornal das cozinheiras’, no que poderia haver de mais pejorativo nesta classificação. Até nas primeiras páginas havia anúncios de classificados. A idéia era fazer um jornal diferente. Com a reforma, o conteúdo também mudou. Até então, as notícias eram mais serviços do que reportagens. Quando vim para o Rio, em 1957, passei por diversas Redações. Alguns meses na Última Hora, ainda uma referência política. Passei pela Tribuna da Imprensa. Até que o Carlos Castello Branco me levou ao Odylo Costa, filho, que estava recrutando profissionais justamente para começar a reforma do JB. Que, é preciso dizer, foi feita também muito na base do improviso e da experimentação… A concorrência demorou a reagir. Mas como o JB tinha o monopólio dos classificados, estava com o mercado nas mãos. Os comerciantes faziam fila para comprar um espaço no jornal. Foi assim que empurramos o padrão para salários maiores. Muitas publicações sumiram naquele período pós-1964 pela incapacidade de lidar com a censura. E pela falta de modernização na relação com as agências de publicidade.

Para muitos, a venda do JB para o Nelson Tanure – uma figura controversa no meio empresarial – teria ajudado a selar o fim do jornal…
Não sendo um homem do ramo, ele não podia ter a cabeça do ramo. Um jornal é uma coisa muito subjetiva. Exige um equilíbrio…

Ele atuava apenas no campo empresarial, ou intervinha diretamente na linha editorial?
Ah, não tem como não influenciar na Redação, não é? Todo dono se mete… E o dono do jornal tem que ser do ramo exatamente por isso, para fazê-lo com alguma propriedade. Eu acredito que, de fato, ele queria salvar o Jornal do Brasil. Ele também queria, logicamente, não perder dinheiro. Não era um santo salvador, nem estava ali para fazer milagres. Assumiu o JB como um empresário que aposta num negócio. Só que os custos da empresa não paravam de crescer, inclusive em virtude dos passivos trabalhistas já somados no processo de agravamento da crise.

Você permaneceu no JB até quando?
Eu saí no fim. Depois que o Tanure assumiu o jornal, em 2001, eu trabalhei um pouco com ele… Saí em 2003. Aliás, ele sempre me tratou muito bem. E, até depois disso, permanecemos amigos.

É possível descrever o seu sentimento ao ver um jornal do porte do JB despedir-se das bancas?
Já disse algumas vezes que a importância do Jornal do Brasil para mim começou na infância, quando meu pai, lá no interior do Espírito Santo, passou a assiná-lo. Foi doloroso assistir a esse processo de decadência. O jornal foi acabando todo dia um pouquinho nos 20 anos que eu trabalhei lá e foi triste ficar impotente diante daquilo. Mas, em vez de falar da tristeza, eu prefiro falar do que ficou de melhor. E afirmo aqui que nunca soube de um fenômeno igual. Já faz mais de dez anos que ele acabou, ao menos no formato em que havia se consagrado, e anualmente, até hoje, o pessoal da Redação se encontra para um almoço, lá no Leme, na Fiorentina, marcado pela emoção. Só faltam os que já morreram… (risos) É uma profusão de histórias, de risadas, choro… É o retrato de um time.

Como explicar o declínio de uma referência jornalística, como era o JB?
Os jornais tendem a ser casamatas. O sucesso mexe com a cabeça de seus donos – que se sentem invencíveis. A prepotência vem daí. Você pode ver que os grandes jornais que sucumbiram sofreram esse revés porque em algum momento colidiram com o poder.

Os Nascimento Brito foram prepotentes?
O Manuel Francisco foi. E sua principal leitura equivocada foi de que o Brasil tivesse mudado, e não tinha… Aliás, acho que só mudamos mesmo com o fim da ditadura militar… Um jornal tem que manter sua independência de forma crítica e sensata. Não dá para declarar guerra nem prestar apoio absoluto. Veja esta lição histórica: o Getúlio Vargas tinha um jornal que o apoiava, a Última Hora. Ele não atacava o Presidente, pelo contrário, fazia o jogo político do Getúlio. De resto, atacava todo mundo, inclusive os ministros do Getúlio… (risos) E isso não salvou o Getúlio. Ele se matou! Logo depois, a Última Hora começou a morrer também… Um segurou o cadáver do outro… Repare que a reforma do JB, iniciada em 1957 em suas páginas, só foi mesmo concluída em 1973, com a modernização do equipamento gráfico para atender às necessidades do novo prédio, localizado na Avenida Brasil, 500. Ali o jornal provou a embriaguez do sucesso. A nova sede era o sinal exterior da opulência.

“O Jornal do Brasil sabia burlar a censura. Dines foi um chefe de Redação com grande capacidade de pensar, e com o talento de fazer as pessoas pensarem.”

Você citou o fim da ditadura. Como foi trabalhar no período militar, pós-1964?
O JB era um jornal que estava por baixo, pouco mais de um caderno de classificados, por isso mesmo não tinha nada que travasse ou impedisse sua reforma. O jornal começava a sair do anonimato para se apresentar ao grande público. Neste contexto da reforma, o novo posicionamento político da publicação foi definido, em grande parte, pelo Alberto Dines. A partir do golpe, quase todos os jornais sofriam absurdamente com a censura, num confronto penoso e direto. O JB atuava com certa liberdade, pois sempre que era proibido de publicar algo, dava um jeito de fazê-lo pelas entrelinhas, de forma sutil, inteligente e sem caráter ostensivo. O Jornal do Brasil sabia burlar a censura. Dines foi um chefe de Redação com grande capacidade de pensar, e com o talento de fazer as pessoas pensarem. O JB foi um veículo publicitário competente, uma escola de jornalismo e uma empresa na qual tínhamos orgulho de trabalhar. Não havia limites para o jornalismo. Nós fomos uma espécie de ‘urubus da crise’ – florescemos num momento em que o País mergulhava nas trevas da ditadura militar. O Estado de S. Paulo também agia assim, mas era uma publicação mais séria, carrancuda… No lugar de uma reportagem censurada, eles publicavam versos de Camões. O JB publicava uma paródia de Camões… (risos)

Como foi o processo de saída do Dines?
Geralmente, chefe em jornal não dura tanto tempo como Dines ficou, acho que por 12 anos. Ele conseguiu equilibrar o jornal. Antes dele, em poucos anos, o JB teve meia dúzia de chefes de Redação. O Alberto Dines era um jovem conhecido, com boas referências junto a escritores e empresários. A sua ida para lá foi fundamental para o crescimento do jornal. Ele teve uma visão que foi correta: atendeu às necessidades de uma empresa que estava voltando ao jornalismo, pois o JB de então, como já disse, era basicamente feito de classificados. E ele soube costurar bem a relação entre a Redação e sua parte comercial. Soube conduzir as reivindicações da Redação junto à direção do jornal, e não só no aspecto salarial, mas na abertura de espaço para inovações, de tolerância, de experimentações, para se contratar mais gente, abrir campo para sobra de energia criativa. E, por outro lado, deixava claro para o pessoal da Redação que os interesses da empresa eram legítimos. Tudo era discutido, até se achar um foco adequado, que acomodasse a situação como um todo…

Mas isso certamente gerou um desgaste…
Ao longo do tempo, isso cansa, não é? A repetição dos problemas cansa… E ele saiu de uma maneira inesperada para todo mundo e até para ele mesmo. Não foi uma saída negociada. Houve uma divergência, um corte na relação dele com a empresa. E, no campo do jornalismo, pelo menos de imediato, não aconteceu nada demais, não houve conseqüência, pois o Dines já havia deixado tudo definido, consolidado…

Como era exercer a função de colunista ou editorialista sob a tensão de atender às expectativas da empresa jornalística?
Antigamente, um dono de empresa falava diretamente com o dono de um jornal. Hoje isso não acontece, porque se um jornal apóia uma determinada companhia, em um momento de crise empresarial, a imagem do veículo será manchada. Atendendo a um pedido do Dines, assumi uma coluna no primeiro caderno do JB. O contato diário com os diretores do jornal ajudaria a temperar o tom político do espaço, que se chamou Segunda Seção e depois passou a Informe JB. Acabei saindo da coluna em janeiro de 1965, assim que o Castello Branco começou a escrevê-la. Optei por sair após algumas divergências de opinião sobre como a coluna deveria ser. Não queria que fosse um espaço para notinhas ou fofocas. Já a direção do veículo queria que seus colunistas não divergissem da ortodoxia do jornal. Ficou difícil trabalhar daquele jeito. Um colunista não pode se colocar contra a empresa, mas precisa de uma margem de liberdade crítica. Saí da coluna, mas continuei como editorialista e assinando matérias.

Você foi o responsável pelo lançamento do Ziraldo?
Fui. Acho que ele está falando nisso agora por uma questão de consciência… (risos) Podia já ter falado há mais tempo. Está falando só agora! A Folha de Minas era um jornal do Governo e, portanto, bastante limitado em sua atuação política. No noticiário, era obrigado a se conter e a tratar da defesa dos interesses do Governo. Aliás, esse caso serve para provar que governo não pode ter jornal, porque isso simplesmente não funciona. A Folha de Minas havia sido fundada por Afonso Arinos como publicação de oposição. Dois anos depois estava quebrada, quando foi vendida para um banco que era apenas o testa de ferro – era o Governo quem a estava comprando. Eu entrei nesse jornal logo depois disso. Estávamos numa democracia, no regime constitucional instaurado em 1946. Entrei em 1949 e lá fiquei até 1957, quando vim para o Rio. E aprendi muita coisa, era uma grande escola. O Governo via a publicação como um lenço no bolso – não era a sua roupa inteira. Mas funcionava como enfeite social, uma gravata bonita. Era até engraçado, pois quando mudava o Governo era um alvoroço danado, até se encontrar a nova linha editorial de coerência… (risos) Ou seja, podia até mudar a figura do senhor, mas o jornal seguia firme em sua causa. O governismo é uma causa, não é?

Pelo visto, neste caso, era. (risos) Mas e o Ziraldo?
Ah, sim. Um dia o Ziraldo bateu na Redação, lá em Belo Horizonte. Naquele tempo o profissionalismo estava começando – os salários não eram bons, quase todo mundo tinha mais de um emprego em jornal. Todo mundo já havia saído, já era tarde. E eu ainda estava lá. Era uma quarta-feira, acho. A Folha de Minas havia acabado de perder o seu colaborador, que era o Borjalo, que tinha vindo para o Rio, para trabalhar na Manchete. Ele fazia uma página inteira, nos moldes em que as revistas francesas faziam, com personagens e piadas. E fazia isso muito bem! O Ziraldo viu a notícia da saída do Borjalo, correu para o jornal, entrou da Redação: “Dá licença!”. E eu perguntei: “E aí meu filho? O que houve? Qual é o caso?”. Ziraldo, do alto de seus 18 ou 19 anos, respondeu: “É que eu vim aqui para substituir o Borjalo”. (risos) E eu: “Ah, não diga… Senta aqui pra gente conversar”. E ele sentou-se e começou a me mostrar seus trabalhos, daquele jeito dele, de quem se tiver que morrer assassinado é pela frente… Pá, pá, pá! Começou a tirar páginas e mais páginas e a me mostrar tudo. Era um principiante, mas tinha um trabalho ótimo. Sempre foi um homem de talento. Disse a ele que havia achado os desenhos muito bons, mas pedi que voltasse no dia seguinte, pois eu teria que conversar com o Diretor, que estava jantando, para mostrar sua produção… “Tá bom, eu passo aqui mais tarde!”, disse o Ziraldo, cheio de vontade de agarrar aquela oportunidade. O Diretor gostou e decidiu contratá-lo logo, até para não haver interrupção na publicação: saía o Borjalo e, quase que de imediato, Ziraldo entrava em seu lugar. Cheguei a fazer um texto de apresentação do novato para os leitores do jornal. “Ziraldo Alves Pinto, guardem bem este nome, que ainda será muito famoso”. Escrevi isso ou alguma outra bobagem do tipo, o que deixou o Ziraldo emocionado. Mas, ao longo de décadas, nos encontramos várias vezes e eu sempre mexi com ele. “Ziraldo, você é um sujeito engraçado! Me agradece pessoalmente, mas nunca publicou isso. Nunca deu um depoimento sobre isso, dizendo que fui eu quem te revelou”. Sacaneei tanto o Ziraldo com isso que, agora, acho que ele cansou e começou a falar desse episódio… (risos)

Queria começar a falar do livro E a Vida Continua – A Trajetória Profissional de Wilson Figueiredo, lançado em 2011, pela editora Ouro Sobre Azul. Causou surpresa essa obra, pois você sempre teve aversão à idéia de uma biografia…
Isto foi resultado de um convite que a empresa em que trabalho atualmente me fez. Aqui, na FSB Comunicação, sou muito mais velho que todo mundo. Estou com 88 anos! E aqui é tudo garotada! O próprio dono deve ter uns 20 ou 30 anos a menos que eu. Fui me acomodando aqui e ali, e acabei virando para esse pessoal mais jovem uma espécie de referência. Sou ‘o jornalista velho’, que tem mais experiência. E aí me perguntam: ‘Wilson, como é que a gente resolve este ou aquele problema? Como é que foi mesmo aquela história do Getúlio?’. E aí experimento sempre uma coisa muito boa, que é o jornalismo que traz.

Exatamente o quê?
O jornalismo reordena diariamente o seu modo de ver a própria História. Se você não lembrar das coisas, ou não souber relacioná-las com os novos acontecimentos, de nada valeu. Você ficou pra trás! Eu acompanhei o Brasil desde o Estado Novo – em 1937 eu tinha 13 ou 14 anos, e já lia jornal! Havia um esforço, uma tentativa de mobilização da opinião pública para a Guerra. E o Brasil não estava preparado para entrar nela. Primeiro, pelo fato de que tínhamos um Governo de direita. E havia um veto e uma censura permanentes à imprensa, de forma como não havia como pensar numa democracia por aqui – nem de esquerda, nem de direita. Não havia debate político. Não havia Câmara, nem Senado, pô! O que houve na época foi uma mobilização estudantil para criar uma opinião favorável à entrada do Brasil na Guerra, quando começaram a ocorrer os afundamentos de navios. E o Brasil não reagia! Eu militei ativamente neste período. Participei de três Congressos da Une – realizados em 1944, 1945 e 1946. Houve, então, uma mobilização, um esclarecimento popular sobre essa questão. Entramos na Guerra. E quando ela já se aproximava do fim, todos já admitiam a idéia de que o Brasil se tornaria uma democracia em pouco tempo. O fim da Segunda Guerra foi bom, sobretudo, porque ninguém ousou pensar em outra coisa que não fosse criar um Estado de legalidade neste País. Essa foi a grandeza daquele momento. O Partido Comunista voltou à legalidade, os partidos de oposição começaram a aparecer… E eu participei de tudo isso, como prioridade pessoal na minha vida.

Pois é, Wilson. Você está falando de memória. Eu vou chamar isso de trajetória. Você, em quase sete décadas de atividade, atuou como repórter, redator, editor, colunista, cronista e editorialista. Cobriu o fim do Estado Novo, a Constituinte de 1946, o suicídio de Vargas, os anos JK e as loucuras de Jânio Quadros, chegando a prever, com dias de antecedência, a sua renúncia. Atuou, ainda, nos anos da ditadura, nas Diretas Já e chegou à redemocratização, com a saída de Collor, os tempos de instabilidade política com FHC e Lula. Não lhe parecia um pecado – no mínimo um desperdício – deixar tamanha experiência sem um registro documental, isto é, restrita apenas às suas lembranças?
Então, um belo dia o Francisco Soares Brandão, sócio-fundador aqui da FSB, me chamou e disse: ‘Eu tive uma idéia! Publicar um livro sobre a sua vida!”. E eu respondi: “Ah, essa não! Não há hipótese, Chiquinho!”. Sou arredio, não gosto desta exposição. Na verdade, sou tímido. Eu gosto é de conversar com os amigos. Até que reelaborei a proposta. “Façamos o seguinte. Vamos tratar da minha vida profissional, mas falando das coisas do meu tempo, passando pelos fatos que vi e vivi. Eu colaboro e coisa e tal”. Pronto! Ele logo contratou uma empresa para editar o tal livro! Eu fiz algumas exigências. Algumas delas foram cumpridas, outras não… (risos)

Como assim?
Ah, pedi que eu tivesse a última palavra sobre tudo! Mas, claro, eles acabaram fazendo, meio que à revelia, uma espécie de roteiro, uma marcação do tempo, um negócio pequenininho assim bem do lado da página, onde foi construída uma cronologia da minha vida.

Ah, entendi… Acabaram entrando no livro mais coisas pessoais do que você gostaria…
É, mas nada que comprometesse. Acabei gostando. Acho apenas que o lado pessoal não tinha que entrar na minha biografia, pois ele não tem peso. Se eu tivesse um êxito social extraordinário… Mas eu sou uma pessoa comum. Minha família delirou. Pois os familiares, você sabe, acham que a gente deve se expor. Eu acho justamente o contrário! Mas tudo bem…

O jornalista Moacyr Andrade foi o organizador do texto. Você, com suas exigências, deu muito trabalho pra ele?
Acho que sim… (risos) Se bem que ele não é muito de reclamar, nem de falar. Agora, no dia de lançamento do livro, na Travessa do Leblon, ocorreu algo de curioso. Eu fiquei em pé por quase seis horas, sem sair do lugar, num espaço de dois metros quadrados, cercado de gente por todo o lugar. E o Chiquinho falou: “Não, você não vai dar autógrafos. Isso a gente combina com a pessoa, que ela receberá em casa, depois…”. Na verdade, eu teria vergonha de fazer uma dedicatória padrão pra todo mundo: ‘Para fulano de tal, com a admiração e o abraço do Wilson Figueiredo’. Não! Para cada um eu teria que escrever algo particular. Sou assim… Sei é que eu quase fui ao inferno no mês de dezembro de 2011, de tanto livro que assinei, com as tais dedicatórias personalizadas… Eu quase não me lembro de mais nada daquele período. (risos) Parece que nem vivi… Em janeiro do ano passado minha mulher, Lourdes, tinha que fazer uma operação cardíaca. Teve que adiar para fevereiro, ficou para 2 de março. Ela morreu logo depois, no dia 4. E eu com problemas de coluna! Foi um horror, era o fim da picada! Mas, é o que eu disse: os relatos pessoais não devem pautar a minha vida… Posso até falar aqui, nesta entrevista, mas não há por que isso estar num livro…

“Jornal ocupa a cabeça e a vida pessoal. É pior que paixão!”

Com o perdão do trocadilho, tamanha dedicação na escrita das dedicatórias parece mesmo coisa de poeta…
Antes de ser jornalista, fazia versos, queria ser escritor, como todo jovem. Editei dois livros. Depois me arrependi. E jurei que não faria mais. Tinha sido bem acolhido pela crítica. Criei expectativa de que seria escritor. Mas, logo depois, queria sair. A rotina de jornalista era exigente, mas estimulante. Jornal ocupa a cabeça e a vida pessoal. É pior que paixão! Meu primeiro emprego foi na Agência Meridional, dos Diários Associados, na Redação do Estado de Minas, em Belo Horizonte, em 1944. A mudança de rumo profissional se deu também a partir desse emprego que Castellinho me arrumou. No mercado de jornais, tinha um escalonamento. Existia uma categoria que desapareceu, que era o noticiarista, profissional que reescrevia a notícia. Havia o repórter e o redator, que era o mais qualificado. Entrei como noticiarista, e quando recebi o primeiro salário me senti rico, aos 20 anos de idade. Isso foi determinante não para eu mudar da literatura para o jornalismo e,  sim, para alterar minha vida. Eu já lia, fazia literatura, já tinha feito revistas, esse tipo de coisa toda. Essa minha experiência é anterior! Quando cheguei à capital mineira, em 1943, tinha 18 anos. Não conhecia ninguém! Fui fazer o científico e caí num colégio chatíssimo. Ia estudar Medicina. No meio do ano, já não agüentava mais. Aí conheci o Sábato Magaldi, o Autran Dourado… E foi assim que passei a viver a literatura. Em 1944 eu conheci o Mário de Andrade, e como eu morava em pensão de estudante fiquei companheiro dele nas saídas noturnas em Minas… E como ele gostava! Falava de samba à beça. Noel Rosa… E eu sabia tudo! Mas quando comecei a trabalhar em jornal, aconteceu o inevitável: o dinheiro me mudou a cabeça. Aí comecei a redesenhar minha vida.


O livro trata do seu talento literário e de sua relação de amizade com quatro grandes escritores, todos mineiros. Nos seus tempos de poeta, você andou na turma de Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos. Em que medida a convivência com eles definiu sua trajetória profissional? Havia, por exemplo, alguma espécie de pressão para que você se dedicasse apenas à literatura?
Eu me preparava para o vestibular de Medicina por uma escolha tácita de família, pois nenhum dos quatro filhos homens de meu pai quis seguir a sua profissão. Quando fui morar na tal pensão de estudantes, logo me enturmei com o pessoal da literatura. Esses quatro já marcavam presença nos suplementos literários. Bom, o Otto era mais velho e já trabalhava com jornalismo quando vim para o Rio. O Sabino também já escrevia para jornais. E isso tudo era muito novo, porque o jornalismo antigo era feito por outro tipo de gente. O jornalismo é um exercício literário, também. Não parece, mas é. Eles me estimulavam, mas não tentavam exatamente me fazer apenas um escritor, até pelo fato de todos eles, com maior ou menor intensidade, também se dedicarem ao jornalismo.

A seu respeito, o polêmico Nelson Rodrigues escreveu: “Geralmente, nós, jornalistas modernos, temos a mania da objetividade, por isso, não enxergamos nada, somos cegos para as evidências mais ululantes. O Wilson, não. É poeta e, como tal, está sempre a um milímetro do delírio”. Como recebeu estas palavras?
Nelson tinha mania de fazer dos amigos, personagens. Fomos ficando amigos. E ele me tornou ‘profeta do Fluminense’. Escrevia dizendo que eu garantia a vitória do Flu no domingo toda vez que a anunciava. Só que o Fluminense sempre perdia… (risos) Ele achava que o texto devia ser pessoal. Mas o jornalismo moderno, além de apressado, é impessoal. Você lê uma notícia e não sabe quem a escreveu. Tem um padrão, tem um método técnico. Nelson gostava quando o autor aparecia por trás da matéria. A formação jornalística dele é anterior à guerra. O jornalismo americano, que é o modelo que seguimos atualmente, chegou ao Brasil depois da guerra, no fim dos anos 1950. Em Nelson, tudo se resumia à maneira pessoal de dizer as coisas. Ele era personalíssimo, inconfundível e chegava a ser repetitivo. Era um catador de adjetivos de precisão anormal.

Como ocorreu sua formação jornalística?
No meu tempo, jornalista não tinha diploma, não havia curso específico. Era na faculdade de Filosofia que havia um curso de jornalismo. Como você sabe, eu desisti da Medicina e fui fazer jornalismo. No que comecei a entrar nisso, fui aprendendo. Eu trabalhava com Carlos Castello Branco, trabalhava ao lado dele. É preciso lembrar que no fim da Guerra não existia notícia política no Brasil. E havia uma coisa da qual as Redações, depois, se livraram: como não havia notícia local, muito menos em Minas, os jornais tinham colaboradores. E o noticiário era nacional, no sentido de que o Poder Executivo abastecia as Redações com informação de construção de pontes, viagens de ministros… Eu trabalhava com esse material. Sobretudo na altura que entrei pela primeira vez numa Redação, em 1944, os jornais já viviam da Guerra. De um lado os russos avançavam. Do outro, os ocidentais, americanos, ingleses… A coisa estava avançando aos pouquinhos, a feição do mundo mudando e a liberdade recomeçando. Aos poucos, os jornais tinham mais liberdade para noticiar o que era proibido antes. Até então, era um terror, a censura era violenta! O que eu fazia, nessa época, foi muito bom para mim, supriu a ausência de uma escola de jornalismo. Os jornais se abasteciam com telegramas, e todos eles chegavam para mim. Eu separava o que era noticiário nacional e internacional, pegava o internacional e juntava cinco, seis agências… O jornalismo era diferente naquele tempo; você tinha menos redatores e mais material. Recebia uma versão da agência e fundia aquilo tudo em uma matéria, com telegramas de 30, 40 linhas, entrevistas. Ao lidar com tudo isso fui aprendendo. Eu estava na Agência Meridional, que funcionava dentro do Estado de Minas. Por vezes, acho que falta esse tipo de experiência aos colunistas atuais. Temos, por exemplo, o caso de um editor de O Globo, que há pouco ingressou na Academia Brasileira de Letras. Ele desempenha sua função com competência, mas sem um brilho especial no texto… Depois de Minas, já no Rio, trabalhei em O Jornal, outro que desapareceu. Era um dos veículos mais importantes dos Associados, que tinha uma cadeia de mais de 50 jornais. A produção toda era local, não havia como mandar para outro lugar. Tinha que mandar pelo telefone – o que era uma tortura – ou por teletipo que era por código… Um horror! Um atraso total! Essa foi minha iniciação no jornalismo.

“O jornal precisa do repórter que sai, que vai para a rua e sabe do que está falando – sabe que é uma profissão. Sabe tratar a notícia.”

Qual sua opinião a respeito da polêmica sobre a não exigência do diploma para o exercício da profissão?
No meu tempo jornalista não tinha diploma. Sequer havia curso. Não tenho uma opinião dogmática. O jornalismo de hoje só foi possível porque usou como mão de obra jornalistas que fizeram curso e chegaram com o diploma. Essa mania de combater o diploma não quer dizer nada. Talvez alguns precisem disso em um País de precário nível social. Mas o jornal precisa do repórter que sai, que vai para a rua e sabe do que está falando – sabe que é uma profissão. Sabe tratar a notícia. Os cursos de Jornalismo fizeram um bem enorme para a profissão. Acabar com a exigência do diploma, na verdade, apenas desestimula o jovem a estudar.

Wilson, aos 88 anos, a vida continua?
Ah, sem dúvida… Sabe que outro dia me dei conta de que quando eu comecei a trabalhar eu não lia jornal como leio hoje. Hoje sou um leitor muito mais apurado, atento. É que no começo eu tinha uma cabeça cheia de idéias. Hoje eu tenho a mente mais aberta, eu quero saber sobre os problemas da China, do que ocorre lá do outro lado do mundo… (risos) E me permito pensar outras coisas, como organizar uma edição com as minhas poesias produzidas nas últimas décadas – tenho várias delas guardadas, que precisam ser organizadas. Prestes a botar o pé no último degrau antes de chegar aos 90, eu continuo olhando a vida com muito interesse. Ainda tenho muita curiosidade… Você não? Ah, você tem também! Eu vejo que tem…

Texto e imagens reproduzidos do blog: doispontosblog.wordpress.com

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