Foto: Avanir Niko.
Foto: Folha de Minas (1953).
Wilson Figueiredo
“O que mais ajuda a democracia é a imprensa livre”
Aos 88 anos e em plena atividade, Wilson Figueiredo fala de
sua trajetória profissional, recorda histórias do Jornal do Brasil, analisa o
cenário da imprensa e deixa algumas lições para os colegas mais jovens. Como a
de que o jornalismo pode e deve exigir acuidade de idéias. E não pode
prescindir do amor ao texto.
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Entrevista concedida a Paulo Chico
Publicada no Jornal da ABI em fevereiro de 2013
O que está havendo com o jornalismo? Ou seria melhor
perguntar o que não está havendo? Há uma crise de mercado?
Olha, eu nunca pensei nessa questão… (risos) O que eu sinto
é que as pessoas ficaram meio alteradas. Há algumas que acham que acabou o
jornalismo – e para essas o jornalismo é apenas o jornal. Para mim, o
jornalismo não é o jornal. Ele já existia mesmo antes de haver o jornal. Ele
existia antes disso. O jornal tornou-se veículo de uma coisa chamada
jornalismo, que nada mais é do que uma plataforma, um meio de progressão da
informação, do andamento das notícias, da difusão das idéias, dos costumes… Eu
vi o rádio começar no Brasil. Eu era menino, mas me lembro deste começo, da sua
expansão, das pessoas comprando os aparelhos, que vinham dos Estados Unidos. Só
tínhamos estações no Rio e em São Paulo. Também naquela época disseram que o
rádio iria matar o jornalismo impresso. Bobagem! Pelo contrário, o jornalismo
ganhou foi um aliado…
Da mesma forma como disseram que o rádio agonizaria diante
da televisão…
Exatamente. E tudo isso se resolveu naturalmente. Agora essa
história se repete com a internet, com a chamada formação em rede. Ou seja, a
tecnologia em questão pode até ser nova, mas essa história de fim do jornal
impresso é velha pra caramba. Não tem nada de novidade! (risos) E, mesmo na
crise, há quem encontre caminhos. Vejo os chamados jornais populares e os
considero fascinantes! Antigamente, eles eram cheios de besteira, mas hoje são
muito bem feitos, criativos mesmo. Entretanto, são veículos que não abordam com
profundidade o noticiário político, que é o que mais me interessa. Mas eles
atendem bem a um grande público! Encontraram um nicho de mercado.
Mas, como você vê o jornalismo de internet?
A criação de novos meios fez do jornalismo uma coisa maior
do que ele é, e acabou por enriquecer e diversificar a prática. Agora, por
outro lado, surgiu o amadorismo, no lugar do profissionalismo. Nesses ambientes
há uma tendência que escapa ao princípio do jornalismo, que é a impessoalidade…
Hoje, todo mundo tem muita opinião sobre tudo…
É engraçado isso. Mas já acontecia assim antigamente. Na
minha vida profissional, encontrei muitas situações em que empresários buscavam
os profissionais de imprensa para que eles escrevessem artigos com as suas
opiniões… “Se eu fosse jornalista diria isso e aquilo. Tipo: ‘esse ato do
governo é um absurdo!’ Mas, você sabe, eu sou um empresário, não posso…” Aí,
vinha logo a eterna desculpa: uma situação do tipo “eu quero ser Tarzan, mas
não sei pular de uma árvore pra outra”… (risos) A imprensa hoje é muito melhor
e mais profissional. O jornalista não pode fazer ‘o jogo’ de um banqueiro ou de
um político – o que, você pode acreditar – acontecia abertamente! Nesse
sentido, a imprensa melhorou muito. Até a prática de um jornalismo pessoal, em
primeira ou terceira pessoa, sempre existiu. Os jornais sempre emitiram
opiniões, os articulistas também. Só que agora, com uma tecnologia rica, esse
direito foi dado a todos. O que é uma coisa maravilhosa. E perigosa.
Não seria possível pensar num equilíbrio?
Nunca mais o jornalismo, ou melhor, a informação, deixará de
ser pessoal. Vamos precisar de tempo para acomodar isso um pouco melhor, mas
não creio que conseguiremos resolver essa questão por completo. Sempre haverá
notícia, informações, coisinhas pequenas, futricas, pessoas querendo
esculhambar umas com as outras. Oposição e governo são duas coisas que nunca
estão satisfeitas! Olha, o que nós temos, mais do que uma crise do jornalismo
impresso, é uma crise do jornalismo. E mais do que isso: uma crise de quem lê o
jornal… Esse sujeito está meio assustado! Alguns ficaram deslumbrados diante da
possibilidade de entrar no jogo, isto é, de produzir ‘notícia’. E outros
passaram a achar que nos jornais não há muita coisa interessante mais não… Era
como se a notícia estivesse perdendo valor. Perceba que os jornais no Brasil
nunca conseguiram conquistar um público maior. Um jornal que, há 60 ou 70 anos,
tirasse 80 mil exemplares era mais importante do que um jornalão que rode 200
mil nos dias de hoje – afinal, ele era único, estava praticamente sozinho,
competindo com um pouco de rádio, quase nada de televisão e zero de internet.
Proporcionalmente, os jornais impressos perderam, sim, importância no Brasil.
Mas a informação está aí, em maior volume do que nunca. Na verdade, nem damos
conta de processá-la. O que mudou, portanto, foi a variedade dos meios de
acesso.
E quais as tendências do jornalismo para o futuro?
O jornalismo, creio, ficará cada vez mais específico. O
desafio é misturar velocidade com poder de análise. Vai ter que focar na
conexão dos fatos, pois eles nunca acontecem isoladamente, não é?
Como explicar o fechamento de várias publicações? Só para
falar dos mais recentes, tivemos o fim do Jornal da Tarde, do Marca, do Diário
do Povo, em Campinas… Vivemos uma crise do jornalismo ou uma crise dos donos de
jornal?
Os donos de jornal, antigamente, não eram negociantes. Eram
políticos ou empresários ricos, que buscavam poder. O jornal é um poder. E isso
continua a mesma coisa. O jornal não faz ninguém rico; ele dá prestígio ao
sujeito para que faça negócios. Outra coisa: jornal não é uma mercadoria que se
vende; o jornal é lido. Vou te dar um exemplo para contrastar com a sua
pergunta: o Jornal do Brasil deixou de circular na versão impressa, mas
sobrevive no ambiente digital. Ele preserva sua marca e, saiba você, tem um
bocado de gente trabalhando lá. Parece até que estão contratando mais pessoas.
Claro que não é mais ‘aquele’ JB. O jornalismo é anterior e superior a qualquer
formato que se inventar – e eu ainda acho que teremos uma nova plataforma,
diferente de tudo que está aí, uma coisa inédita, que ainda não sei o que será.
O jornalismo se faz indispensável em qualquer meio e qualquer tempo. A
construção do futuro depende do acesso à informação.
Falando em acesso à informação, qual sua visão sobre as
tentativas de controle sobre a imprensa? Há no ar uma ameaça de volta velada à
censura?
Há apenas três crimes que um jornalista pode cometer, no
exercício de sua função: a injúria, a calúnia e a difamação. Todos eles de
graus diferentes, mas basicamente a mesma coisa. Tirando os casos graves, como
o de ofensas muito pesadas, quase ninguém recorre à Justiça, pois todos nós
sabemos o quanto a memória humana é curta. É melhor esquecer, deixar passar, do
que alimentar uma controvérsia. E dizem que o jornalismo abusa… Abusa coisa
nenhuma! O que mais ajuda a democracia é o jornalismo, é a imprensa livre. As
coisas não mudam porque o jornal as publica… Vou dizer uma coisa perigosa! Eu
até acho que o jornalismo, hoje, não deixa as pessoas pensarem… A soma de
informações descoordenadas é de tal natureza, e tão numerosa, que a maioria das
pessoas com quem converso – e que têm acesso a jornais – não consegue processar
aquilo que lêem… Mas, veja, o jornalismo vive um momento extraordinário que é o
advento da informação. Onde você estiver, ela chega. Não há área proibida,
mais. A censura começa a ficar impossível. Você pode até apreender um jornal
impresso, mas policiar a internet fica mais difícil…
Mas o jornalismo online padece de alguns pecados, não é?
Ah, sim… Ele vai ficando cada vez mais leviano…
Houve, no final do ano passado, o caso em que o blog do Luís
Nassif divulgou, com dias de antecedência, o falecimento do Oscar Niemeyer.
Depois de noticiar a falsa morte, o próprio Nassif pediu desculpas aos
leitores, dizendo que a sua equipe havia embarcado numa nota publicada num site
clone de um grande jornal…
Foi um equívoco, não é? O que fiquei sabendo, neste caso, é
que alguém ouviu mal… Correu a notícia de que o Oscar havia sido internado às
pressas, depois de que teria alta e acabou voltando para a unidade intensiva…
Nesta confusão, alguém se antecipou e cometeu o erro. No jornal impresso, não
dá pra fazer isso. Não dá pra tirar a matéria do papel, e depois tentar explicar
que publiquei ‘isso’ porque não havia entendido ‘aquilo’. A palavra impressa
tem um peso edificante. E demolidor. Engraçado como a tecnologia facilitou, mas
acabou por acelerar ao limite – ou além dele – todo o processo de produção de
informação. A pauta ficou descartável, as informações não são apuradas, os
acontecimentos não são desdobrados. Parece que não dá tempo, tudo precisa ir
logo pro ar! Veja só o caso dos ministros que seguidamente acabaram afastados
do governo da Dilma, numa sucessão de escândalos. Quem mais fala deles? Que fim
levaram as denúncias? Depois veio o mensalão, que já teve o auge de exposição e
começa a sair de cena. A pauta jornalística acaba sendo atropelada! O jornal
impresso tinha, e ainda tem, 24 horas para ser produzido. Até por isso, por
esse valor extraordinário da palavra impressa, quero dizer que não tenho medo
do que está acontecendo. Veja se é possível, por exemplo, suprimir o livro… Eu
não sou pessimista, pelo contrário, sou um otimista. Aliás, se eu não fosse
assim seria um velho insuportável. E se, ao ficar velho, você ainda ficar
pessimista, está roubado! (risos)
E saudosista? Você é?
O passado é sempre bom, pois dá a ilusão de que você está
mais perto da felicidade. Quando falo de um assunto ocorrido no passado, todos
os aspectos negativos daquele contexto a vida já eliminou, o tempo se
encarregou de curar. Veja o caso do JB. Apesar da tristeza que envolve o fim da
circulação da versão impressa, o que ficou mesmo na memória foram os bons
momentos. Dentro do JB, passei mais de cinco décadas.
“Jornal não se vende! O jornal é o que é. Ele não pertence
ao dono, e sim aos seus leitores, ao seu público cativo. Quem compra o jornal
percebe quando o veículo a que ele sempre seguiu perde sua alma.”
Muitos, além de você próprio, já falaram dos aspectos técnicos da
famosa reforma do JB. Mas, partindo da sua tese de que os fatos não acontecem
isoladamente, gostaria de ouvir uma análise daquele processo, de uma forma mais
abrangente, situando o jornal no contexto em que vivia o País…
Ótimo! O JB começou a sua reforma em 1957. O sucesso do
Jornal do Brasil ocorreu pelo fato de ele ter conseguido esperar o retorno do
investimento. A empresa tinha caixa suficiente para se sustentar, graças ao que
era arrecadado pelos classificados, que era um dinheiro expressivo e que
entrava ali na hora. E o retorno não veio só porque o jornal estava bom, mas
também porque o momento era bom… A reforma começou em 1957 e levou uns três ou
quatro anos para ser concluída, em sua primeira fase. O JB era, até então, um
jornal sem público cativo, quase um serviço de classificados. Não era um jornal
político, não era nada. E nós apostamos numa leveza editorial. Tudo era
publicado com a mão leve. Não tínhamos inimigos declarados, corrente política,
tampouco opinião. Tudo isso, naquele contexto, fez que o JB se expandisse com grande liberdade,
tivesse uma grande penetração social, quase sem fronteiras ou obstáculos. Em
1960, tivemos a eleição que elegeu Jânio Quadros para Presidente da República e
Carlos Lacerda para o Rio. E o JB seguiu cobrindo todos esses assuntos com a
mão leve, sem a paixão e o ódio arraigados, tão comuns aos jornais da época. O
jornalismo, até ali, era muito carrancudo, coisa de velho, com linguagem de
velho. Todo mundo era tratado como senhor, ainda que fosse para ser
esculhambado… (risos) Era uma coisa solene demais. Após sete meses da sua
posse, Jânio renunciou. O Brasil revivia a ameaça da década de 1930, quando da
instalação do Estado Novo de Getúlio Vargas, que perdurou de 1937 a 1945. A
eleição, o governo e, por fim, a renúncia de Jânio reviveram aquele cenário de
crise. A economia brasileira mergulhou, então, numa profunda crise, e houve um
processo nacional de liquidação dos jornais. Eles foram – quase todos –
falindo. O Correio da Manhã acabou. O Diário de Notícias foi para o beleléu. O
mesmo ocorreu com a Última Hora. Observe que, quando falamos de fechamento de
jornais, não estamos apenas nos referindo a um processo atual… Isso sempre
ocorreu! Foi com a derrubada do Getúlio, em 1954, que o JB começou a pensar em
sua reforma, que acabou por se consolidar justamente quando outros jornais
tradicionais naufragavam. Nessa época, emergiu o JB. O Brasil também se
dispunha a uma arrancada histórica, plantada por Juscelino Kubitschek. O salto
industrial estava preparado. Havia dificuldades, inclusive políticas, mas o
País seguia adiante. O último abalo tinha sido a morte de Getúlio Vargas. Mas
estava na medida exata para JK, que fez um bem enorme, em primeiro lugar, aos
brasileiros com um governo de resultados visíveis. Deu o toque industrial ao
Brasil e acesso do brasileiro ao consumo de bens duráveis, como dizem os
economistas. Sem querer, o JB e JK, embora se estranhando em diversos
episódios, participaram do mesmo projeto. As mudanças no jornal coincidiram com
o salto de modernidade na economia e na indústria. As agências de publicidade
já distinguiam o JB, que passou por longos anos absoluto, em vôo de cruzeiro,
até acabar. E, quando acabou, já experimentava o declínio há algum tempo,
descendo gradativamente.
Um jornal não acaba de um dia para o outro…
Exatamente. É mais difícil acabar do que começar. Não que
começar seja fácil, mas acabar é muito mais difícil… O jornal foi minguando,
caindo, até que foi vendido. Aí, entra outra lição: jornal não se vende! O
jornal é o que é. Ele não pertence ao dono, e sim aos seus leitores, ao seu
público cativo. Quem compra o jornal percebe quando o veículo a que ele sempre
seguiu perde sua alma.
Como se deu a virada na imagem do Jornal do Brasil quando da
reforma iniciada no final da década de 1950?
Antes da reforma, as pessoas compravam o JB por causa dos
anúncios e classificados que abrangiam todo o mercado profissional com ofertas
de empregos em diversas áreas. Era até mesmo chamado de ‘jornal das
cozinheiras’, no que poderia haver de mais pejorativo nesta classificação. Até
nas primeiras páginas havia anúncios de classificados. A idéia era fazer um
jornal diferente. Com a reforma, o conteúdo também mudou. Até então, as
notícias eram mais serviços do que reportagens. Quando vim para o Rio, em 1957,
passei por diversas Redações. Alguns meses na Última Hora, ainda uma referência
política. Passei pela Tribuna da Imprensa. Até que o Carlos Castello Branco me
levou ao Odylo Costa, filho, que estava recrutando profissionais justamente
para começar a reforma do JB. Que, é preciso dizer, foi feita também muito na
base do improviso e da experimentação… A concorrência demorou a reagir. Mas
como o JB tinha o monopólio dos classificados, estava com o mercado nas mãos.
Os comerciantes faziam fila para comprar um espaço no jornal. Foi assim que
empurramos o padrão para salários maiores. Muitas publicações sumiram naquele
período pós-1964 pela incapacidade de lidar com a censura. E pela falta de
modernização na relação com as agências de publicidade.
Para muitos, a venda do JB para o Nelson Tanure – uma figura
controversa no meio empresarial – teria ajudado a selar o fim do jornal…
Não sendo um homem do ramo, ele não podia ter a cabeça do
ramo. Um jornal é uma coisa muito subjetiva. Exige um equilíbrio…
Ele atuava apenas no campo empresarial, ou intervinha
diretamente na linha editorial?
Ah, não tem como não influenciar na Redação, não é? Todo
dono se mete… E o dono do jornal tem que ser do ramo exatamente por isso, para
fazê-lo com alguma propriedade. Eu acredito que, de fato, ele queria salvar o
Jornal do Brasil. Ele também queria, logicamente, não perder dinheiro. Não era
um santo salvador, nem estava ali para fazer milagres. Assumiu o JB como um
empresário que aposta num negócio. Só que os custos da empresa não paravam de
crescer, inclusive em virtude dos passivos trabalhistas já somados no processo
de agravamento da crise.
Você permaneceu no JB até quando?
Eu saí no fim. Depois que o Tanure assumiu o jornal, em
2001, eu trabalhei um pouco com ele… Saí em 2003. Aliás, ele sempre me tratou
muito bem. E, até depois disso, permanecemos amigos.
É possível descrever o seu sentimento ao ver um jornal do
porte do JB despedir-se das bancas?
Já disse algumas vezes que a importância do Jornal do Brasil
para mim começou na infância, quando meu pai, lá no interior do Espírito Santo,
passou a assiná-lo. Foi doloroso assistir a esse processo de decadência. O
jornal foi acabando todo dia um pouquinho nos 20 anos que eu trabalhei lá e foi
triste ficar impotente diante daquilo. Mas, em vez de falar da tristeza, eu
prefiro falar do que ficou de melhor. E afirmo aqui que nunca soube de um
fenômeno igual. Já faz mais de dez anos que ele acabou, ao menos no formato em
que havia se consagrado, e anualmente, até hoje, o pessoal da Redação se
encontra para um almoço, lá no Leme, na Fiorentina, marcado pela emoção. Só
faltam os que já morreram… (risos) É uma profusão de histórias, de risadas,
choro… É o retrato de um time.
Como explicar o declínio de uma referência jornalística,
como era o JB?
Os jornais tendem a ser casamatas. O sucesso mexe com a
cabeça de seus donos – que se sentem invencíveis. A prepotência vem daí. Você
pode ver que os grandes jornais que sucumbiram sofreram esse revés porque em
algum momento colidiram com o poder.
Os Nascimento Brito foram prepotentes?
O Manuel Francisco foi. E sua principal leitura equivocada
foi de que o Brasil tivesse mudado, e não tinha… Aliás, acho que só mudamos
mesmo com o fim da ditadura militar… Um jornal tem que manter sua independência
de forma crítica e sensata. Não dá para declarar guerra nem prestar apoio
absoluto. Veja esta lição histórica: o Getúlio Vargas tinha um jornal que o
apoiava, a Última Hora. Ele não atacava o Presidente, pelo contrário, fazia o
jogo político do Getúlio. De resto, atacava todo mundo, inclusive os ministros
do Getúlio… (risos) E isso não salvou o Getúlio. Ele se matou! Logo depois, a
Última Hora começou a morrer também… Um segurou o cadáver do outro… Repare que
a reforma do JB, iniciada em 1957 em suas páginas, só foi mesmo concluída em
1973, com a modernização do equipamento gráfico para atender às necessidades do
novo prédio, localizado na Avenida Brasil, 500. Ali o jornal provou a
embriaguez do sucesso. A nova sede era o sinal exterior da opulência.
“O Jornal do Brasil sabia burlar a censura. Dines foi um
chefe de Redação com grande capacidade de pensar, e com o talento de fazer as
pessoas pensarem.”
Você citou o fim da ditadura. Como foi trabalhar no período
militar, pós-1964?
O JB era um jornal que estava por baixo, pouco mais de um
caderno de classificados, por isso mesmo não tinha nada que travasse ou
impedisse sua reforma. O jornal começava a sair do anonimato para se apresentar
ao grande público. Neste contexto da reforma, o novo posicionamento político da
publicação foi definido, em grande parte, pelo Alberto Dines. A partir do
golpe, quase todos os jornais sofriam absurdamente com a censura, num confronto
penoso e direto. O JB atuava com certa liberdade, pois sempre que era proibido
de publicar algo, dava um jeito de fazê-lo pelas entrelinhas, de forma sutil,
inteligente e sem caráter ostensivo. O Jornal do Brasil sabia burlar a censura.
Dines foi um chefe de Redação com grande capacidade de pensar, e com o talento
de fazer as pessoas pensarem. O JB foi um veículo publicitário competente, uma
escola de jornalismo e uma empresa na qual tínhamos orgulho de trabalhar. Não
havia limites para o jornalismo. Nós fomos uma espécie de ‘urubus da crise’ –
florescemos num momento em que o País mergulhava nas trevas da ditadura
militar. O Estado de S. Paulo também agia assim, mas era uma publicação mais
séria, carrancuda… No lugar de uma reportagem censurada, eles publicavam versos
de Camões. O JB publicava uma paródia de Camões… (risos)
Como foi o processo de saída do Dines?
Geralmente, chefe em jornal não dura tanto tempo como Dines
ficou, acho que por 12 anos. Ele conseguiu equilibrar o jornal. Antes dele, em
poucos anos, o JB teve meia dúzia de chefes de Redação. O Alberto Dines era um
jovem conhecido, com boas referências junto a escritores e empresários. A sua
ida para lá foi fundamental para o crescimento do jornal. Ele teve uma visão
que foi correta: atendeu às necessidades de uma empresa que estava voltando ao
jornalismo, pois o JB de então, como já disse, era basicamente feito de
classificados. E ele soube costurar bem a relação entre a Redação e sua parte
comercial. Soube conduzir as reivindicações da Redação junto à direção do
jornal, e não só no aspecto salarial, mas na abertura de espaço para inovações,
de tolerância, de experimentações, para se contratar mais gente, abrir campo
para sobra de energia criativa. E, por outro lado, deixava claro para o pessoal
da Redação que os interesses da empresa eram legítimos. Tudo era discutido, até
se achar um foco adequado, que acomodasse a situação como um todo…
Mas isso certamente gerou um desgaste…
Ao longo do tempo, isso cansa, não é? A repetição dos
problemas cansa… E ele saiu de uma maneira inesperada para todo mundo e até
para ele mesmo. Não foi uma saída negociada. Houve uma divergência, um corte na
relação dele com a empresa. E, no campo do jornalismo, pelo menos de imediato,
não aconteceu nada demais, não houve conseqüência, pois o Dines já havia
deixado tudo definido, consolidado…
Como era exercer a função de colunista ou editorialista sob
a tensão de atender às expectativas da empresa jornalística?
Antigamente, um dono de empresa falava diretamente com o
dono de um jornal. Hoje isso não acontece, porque se um jornal apóia uma
determinada companhia, em um momento de crise empresarial, a imagem do veículo
será manchada. Atendendo a um pedido do Dines, assumi uma coluna no primeiro
caderno do JB. O contato diário com os diretores do jornal ajudaria a temperar
o tom político do espaço, que se chamou Segunda Seção e depois passou a Informe
JB. Acabei saindo da coluna em janeiro de 1965, assim que o Castello Branco
começou a escrevê-la. Optei por sair após algumas divergências de opinião sobre
como a coluna deveria ser. Não queria que fosse um espaço para notinhas ou
fofocas. Já a direção do veículo queria que seus colunistas não divergissem da
ortodoxia do jornal. Ficou difícil trabalhar daquele jeito. Um colunista não
pode se colocar contra a empresa, mas precisa de uma margem de liberdade
crítica. Saí da coluna, mas continuei como editorialista e assinando matérias.
Você foi o responsável pelo lançamento do Ziraldo?
Fui. Acho que ele está falando nisso agora por uma questão
de consciência… (risos) Podia já ter falado há mais tempo. Está falando só
agora! A Folha de Minas era um jornal do Governo e, portanto, bastante limitado
em sua atuação política. No noticiário, era obrigado a se conter e a tratar da
defesa dos interesses do Governo. Aliás, esse caso serve para provar que
governo não pode ter jornal, porque isso simplesmente não funciona. A Folha de
Minas havia sido fundada por Afonso Arinos como publicação de oposição. Dois
anos depois estava quebrada, quando foi vendida para um banco que era apenas o
testa de ferro – era o Governo quem a estava comprando. Eu entrei nesse jornal
logo depois disso. Estávamos numa democracia, no regime constitucional
instaurado em 1946. Entrei em 1949 e lá fiquei até 1957, quando vim para o Rio.
E aprendi muita coisa, era uma grande escola. O Governo via a publicação como
um lenço no bolso – não era a sua roupa inteira. Mas funcionava como enfeite
social, uma gravata bonita. Era até engraçado, pois quando mudava o Governo era
um alvoroço danado, até se encontrar a nova linha editorial de coerência…
(risos) Ou seja, podia até mudar a figura do senhor, mas o jornal seguia firme
em sua causa. O governismo é uma causa, não é?
Pelo visto, neste caso, era. (risos) Mas e o Ziraldo?
Ah, sim. Um dia o Ziraldo bateu na Redação, lá em Belo
Horizonte. Naquele tempo o profissionalismo estava começando – os salários não
eram bons, quase todo mundo tinha mais de um emprego em jornal. Todo mundo já
havia saído, já era tarde. E eu ainda estava lá. Era uma quarta-feira, acho. A
Folha de Minas havia acabado de perder o seu colaborador, que era o Borjalo,
que tinha vindo para o Rio, para trabalhar na Manchete. Ele fazia uma página
inteira, nos moldes em que as revistas francesas faziam, com personagens e
piadas. E fazia isso muito bem! O Ziraldo viu a notícia da saída do Borjalo,
correu para o jornal, entrou da Redação: “Dá licença!”. E eu perguntei: “E aí
meu filho? O que houve? Qual é o caso?”. Ziraldo, do alto de seus 18 ou 19
anos, respondeu: “É que eu vim aqui para substituir o Borjalo”. (risos) E eu:
“Ah, não diga… Senta aqui pra gente conversar”. E ele sentou-se e começou a me
mostrar seus trabalhos, daquele jeito dele, de quem se tiver que morrer
assassinado é pela frente… Pá, pá, pá! Começou a tirar páginas e mais páginas e
a me mostrar tudo. Era um principiante, mas tinha um trabalho ótimo. Sempre foi
um homem de talento. Disse a ele que havia achado os desenhos muito bons, mas pedi
que voltasse no dia seguinte, pois eu teria que conversar com o Diretor, que
estava jantando, para mostrar sua produção… “Tá bom, eu passo aqui mais
tarde!”, disse o Ziraldo, cheio de vontade de agarrar aquela oportunidade. O
Diretor gostou e decidiu contratá-lo logo, até para não haver interrupção na
publicação: saía o Borjalo e, quase que de imediato, Ziraldo entrava em seu
lugar. Cheguei a fazer um texto de apresentação do novato para os leitores do
jornal. “Ziraldo Alves Pinto, guardem bem este nome, que ainda será muito
famoso”. Escrevi isso ou alguma outra bobagem do tipo, o que deixou o Ziraldo
emocionado. Mas, ao longo de décadas, nos encontramos várias vezes e eu sempre
mexi com ele. “Ziraldo, você é um sujeito engraçado! Me agradece pessoalmente,
mas nunca publicou isso. Nunca deu um depoimento sobre isso, dizendo que fui eu
quem te revelou”. Sacaneei tanto o Ziraldo com isso que, agora, acho que ele
cansou e começou a falar desse episódio… (risos)
Queria começar a falar do livro E a Vida Continua – A
Trajetória Profissional de Wilson Figueiredo, lançado em 2011, pela editora
Ouro Sobre Azul. Causou surpresa essa obra, pois você sempre teve aversão à
idéia de uma biografia…
Isto foi resultado de um convite que a empresa em que
trabalho atualmente me fez. Aqui, na FSB Comunicação, sou muito mais velho que
todo mundo. Estou com 88 anos! E aqui é tudo garotada! O próprio dono deve ter
uns 20 ou 30 anos a menos que eu. Fui me acomodando aqui e ali, e acabei
virando para esse pessoal mais jovem uma espécie de referência. Sou ‘o
jornalista velho’, que tem mais experiência. E aí me perguntam: ‘Wilson, como é
que a gente resolve este ou aquele problema? Como é que foi mesmo aquela
história do Getúlio?’. E aí experimento sempre uma coisa muito boa, que é o jornalismo
que traz.
Exatamente o quê?
O jornalismo reordena diariamente o seu modo de ver a
própria História. Se você não lembrar das coisas, ou não souber relacioná-las
com os novos acontecimentos, de nada valeu. Você ficou pra trás! Eu acompanhei
o Brasil desde o Estado Novo – em 1937 eu tinha 13 ou 14 anos, e já lia jornal!
Havia um esforço, uma tentativa de mobilização da opinião pública para a
Guerra. E o Brasil não estava preparado para entrar nela. Primeiro, pelo fato
de que tínhamos um Governo de direita. E havia um veto e uma censura
permanentes à imprensa, de forma como não havia como pensar numa democracia por
aqui – nem de esquerda, nem de direita. Não havia debate político. Não havia
Câmara, nem Senado, pô! O que houve na época foi uma mobilização estudantil
para criar uma opinião favorável à entrada do Brasil na Guerra, quando
começaram a ocorrer os afundamentos de navios. E o Brasil não reagia! Eu
militei ativamente neste período. Participei de três Congressos da Une –
realizados em 1944, 1945 e 1946. Houve, então, uma mobilização, um
esclarecimento popular sobre essa questão. Entramos na Guerra. E quando ela já
se aproximava do fim, todos já admitiam a idéia de que o Brasil se tornaria uma
democracia em pouco tempo. O fim da Segunda Guerra foi bom, sobretudo, porque
ninguém ousou pensar em outra coisa que não fosse criar um Estado de legalidade
neste País. Essa foi a grandeza daquele momento. O Partido Comunista voltou à
legalidade, os partidos de oposição começaram a aparecer… E eu participei de
tudo isso, como prioridade pessoal na minha vida.
Pois é, Wilson. Você está falando de memória. Eu vou chamar
isso de trajetória. Você, em quase sete décadas de atividade, atuou como
repórter, redator, editor, colunista, cronista e editorialista. Cobriu o fim do
Estado Novo, a Constituinte de 1946, o suicídio de Vargas, os anos JK e as
loucuras de Jânio Quadros, chegando a prever, com dias de antecedência, a sua
renúncia. Atuou, ainda, nos anos da ditadura, nas Diretas Já e chegou à
redemocratização, com a saída de Collor, os tempos de instabilidade política
com FHC e Lula. Não lhe parecia um pecado – no mínimo um desperdício – deixar
tamanha experiência sem um registro documental, isto é, restrita apenas às suas
lembranças?
Então, um belo dia o Francisco Soares Brandão,
sócio-fundador aqui da FSB, me chamou e disse: ‘Eu tive uma idéia! Publicar um
livro sobre a sua vida!”. E eu respondi: “Ah, essa não! Não há hipótese,
Chiquinho!”. Sou arredio, não gosto desta exposição. Na verdade, sou tímido. Eu
gosto é de conversar com os amigos. Até que reelaborei a proposta. “Façamos o
seguinte. Vamos tratar da minha vida profissional, mas falando das coisas do
meu tempo, passando pelos fatos que vi e vivi. Eu colaboro e coisa e tal”.
Pronto! Ele logo contratou uma empresa para editar o tal livro! Eu fiz algumas
exigências. Algumas delas foram cumpridas, outras não… (risos)
Como assim?
Ah, pedi que eu tivesse a última palavra sobre tudo! Mas,
claro, eles acabaram fazendo, meio que à revelia, uma espécie de roteiro, uma
marcação do tempo, um negócio pequenininho assim bem do lado da página, onde
foi construída uma cronologia da minha vida.
Ah, entendi… Acabaram entrando no livro mais coisas pessoais
do que você gostaria…
É, mas nada que comprometesse. Acabei gostando. Acho apenas
que o lado pessoal não tinha que entrar na minha biografia, pois ele não tem
peso. Se eu tivesse um êxito social extraordinário… Mas eu sou uma pessoa
comum. Minha família delirou. Pois os familiares, você sabe, acham que a gente
deve se expor. Eu acho justamente o contrário! Mas tudo bem…
O jornalista Moacyr Andrade foi o organizador do texto.
Você, com suas exigências, deu muito trabalho pra ele?
Acho que sim… (risos) Se bem que ele não é muito de
reclamar, nem de falar. Agora, no dia de lançamento do livro, na Travessa do
Leblon, ocorreu algo de curioso. Eu fiquei em pé por quase seis horas, sem sair
do lugar, num espaço de dois metros quadrados, cercado de gente por todo o
lugar. E o Chiquinho falou: “Não, você não vai dar autógrafos. Isso a gente
combina com a pessoa, que ela receberá em casa, depois…”. Na verdade, eu teria
vergonha de fazer uma dedicatória padrão pra todo mundo: ‘Para fulano de tal,
com a admiração e o abraço do Wilson Figueiredo’. Não! Para cada um eu teria
que escrever algo particular. Sou assim… Sei é que eu quase fui ao inferno no
mês de dezembro de 2011, de tanto livro que assinei, com as tais dedicatórias
personalizadas… Eu quase não me lembro de mais nada daquele período. (risos)
Parece que nem vivi… Em janeiro do ano passado minha mulher, Lourdes, tinha que
fazer uma operação cardíaca. Teve que adiar para fevereiro, ficou para 2 de
março. Ela morreu logo depois, no dia 4. E eu com problemas de coluna! Foi um
horror, era o fim da picada! Mas, é o que eu disse: os relatos pessoais não
devem pautar a minha vida… Posso até falar aqui, nesta entrevista, mas não há
por que isso estar num livro…
“Jornal ocupa a cabeça e a vida pessoal. É pior que paixão!”
Com o perdão do trocadilho, tamanha dedicação na escrita das
dedicatórias parece mesmo coisa de poeta…
Antes de ser jornalista, fazia versos, queria ser escritor,
como todo jovem. Editei dois livros. Depois me arrependi. E jurei que não faria
mais. Tinha sido bem acolhido pela crítica. Criei expectativa de que seria
escritor. Mas, logo depois, queria sair. A rotina de jornalista era exigente,
mas estimulante. Jornal ocupa a cabeça e a vida pessoal. É pior que paixão! Meu
primeiro emprego foi na Agência Meridional, dos Diários Associados, na Redação
do Estado de Minas, em Belo Horizonte, em 1944. A mudança de rumo profissional
se deu também a partir desse emprego que Castellinho me arrumou. No mercado de
jornais, tinha um escalonamento. Existia uma categoria que desapareceu, que era
o noticiarista, profissional que reescrevia a notícia. Havia o repórter e o
redator, que era o mais qualificado. Entrei como noticiarista, e quando recebi
o primeiro salário me senti rico, aos 20 anos de idade. Isso foi determinante
não para eu mudar da literatura para o jornalismo e, sim, para alterar minha vida. Eu já lia,
fazia literatura, já tinha feito revistas, esse tipo de coisa toda. Essa minha
experiência é anterior! Quando cheguei à capital mineira, em 1943, tinha 18
anos. Não conhecia ninguém! Fui fazer o científico e caí num colégio
chatíssimo. Ia estudar Medicina. No meio do ano, já não agüentava mais. Aí
conheci o Sábato Magaldi, o Autran Dourado… E foi assim que passei a viver a
literatura. Em 1944 eu conheci o Mário de Andrade, e como eu morava em pensão
de estudante fiquei companheiro dele nas saídas noturnas em Minas… E como ele
gostava! Falava de samba à beça. Noel Rosa… E eu sabia tudo! Mas quando comecei
a trabalhar em jornal, aconteceu o inevitável: o dinheiro me mudou a cabeça. Aí
comecei a redesenhar minha vida.
O livro trata do seu talento literário e de sua relação de
amizade com quatro grandes escritores, todos mineiros. Nos seus tempos de
poeta, você andou na turma de Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio
Pellegrino e Paulo Mendes Campos. Em que medida a convivência com eles definiu
sua trajetória profissional? Havia, por exemplo, alguma espécie de pressão para
que você se dedicasse apenas à literatura?
Eu me preparava para o vestibular de Medicina por uma
escolha tácita de família, pois nenhum dos quatro filhos homens de meu pai quis
seguir a sua profissão. Quando fui morar na tal pensão de estudantes, logo me
enturmei com o pessoal da literatura. Esses quatro já marcavam presença nos
suplementos literários. Bom, o Otto era mais velho e já trabalhava com
jornalismo quando vim para o Rio. O Sabino também já escrevia para jornais. E
isso tudo era muito novo, porque o jornalismo antigo era feito por outro tipo
de gente. O jornalismo é um exercício literário, também. Não parece, mas é.
Eles me estimulavam, mas não tentavam exatamente me fazer apenas um escritor,
até pelo fato de todos eles, com maior ou menor intensidade, também se
dedicarem ao jornalismo.
A seu respeito, o polêmico Nelson Rodrigues escreveu:
“Geralmente, nós, jornalistas modernos, temos a mania da objetividade, por
isso, não enxergamos nada, somos cegos para as evidências mais ululantes. O
Wilson, não. É poeta e, como tal, está sempre a um milímetro do delírio”. Como
recebeu estas palavras?
Nelson tinha mania de fazer dos amigos, personagens. Fomos
ficando amigos. E ele me tornou ‘profeta do Fluminense’. Escrevia dizendo que
eu garantia a vitória do Flu no domingo toda vez que a anunciava. Só que o
Fluminense sempre perdia… (risos) Ele achava que o texto devia ser pessoal. Mas
o jornalismo moderno, além de apressado, é impessoal. Você lê uma notícia e não
sabe quem a escreveu. Tem um padrão, tem um método técnico. Nelson gostava
quando o autor aparecia por trás da matéria. A formação jornalística dele é
anterior à guerra. O jornalismo americano, que é o modelo que seguimos
atualmente, chegou ao Brasil depois da guerra, no fim dos anos 1950. Em Nelson,
tudo se resumia à maneira pessoal de dizer as coisas. Ele era personalíssimo,
inconfundível e chegava a ser repetitivo. Era um catador de adjetivos de
precisão anormal.
Como ocorreu sua formação jornalística?
No meu tempo, jornalista não tinha diploma, não havia curso
específico. Era na faculdade de Filosofia que havia um curso de jornalismo. Como
você sabe, eu desisti da Medicina e fui fazer jornalismo. No que comecei a
entrar nisso, fui aprendendo. Eu trabalhava com Carlos Castello Branco,
trabalhava ao lado dele. É preciso lembrar que no fim da Guerra não existia
notícia política no Brasil. E havia uma coisa da qual as Redações, depois, se
livraram: como não havia notícia local, muito menos em Minas, os jornais tinham
colaboradores. E o noticiário era nacional, no sentido de que o Poder Executivo
abastecia as Redações com informação de construção de pontes, viagens de
ministros… Eu trabalhava com esse material. Sobretudo na altura que entrei pela
primeira vez numa Redação, em 1944, os jornais já viviam da Guerra. De um lado
os russos avançavam. Do outro, os ocidentais, americanos, ingleses… A coisa
estava avançando aos pouquinhos, a feição do mundo mudando e a liberdade
recomeçando. Aos poucos, os jornais tinham mais liberdade para noticiar o que
era proibido antes. Até então, era um terror, a censura era violenta! O que eu
fazia, nessa época, foi muito bom para mim, supriu a ausência de uma escola de
jornalismo. Os jornais se abasteciam com telegramas, e todos eles chegavam para
mim. Eu separava o que era noticiário nacional e internacional, pegava o
internacional e juntava cinco, seis agências… O jornalismo era diferente
naquele tempo; você tinha menos redatores e mais material. Recebia uma versão
da agência e fundia aquilo tudo em uma matéria, com telegramas de 30, 40
linhas, entrevistas. Ao lidar com tudo isso fui aprendendo. Eu estava na Agência
Meridional, que funcionava dentro do Estado de Minas. Por vezes, acho que falta
esse tipo de experiência aos colunistas atuais. Temos, por exemplo, o caso de
um editor de O Globo, que há pouco ingressou na Academia Brasileira de Letras.
Ele desempenha sua função com competência, mas sem um brilho especial no texto…
Depois de Minas, já no Rio, trabalhei em O Jornal, outro que desapareceu. Era
um dos veículos mais importantes dos Associados, que tinha uma cadeia de mais
de 50 jornais. A produção toda era local, não havia como mandar para outro
lugar. Tinha que mandar pelo telefone – o que era uma tortura – ou por teletipo
que era por código… Um horror! Um atraso total! Essa foi minha iniciação no
jornalismo.
“O jornal precisa do repórter que sai, que vai para a rua e
sabe do que está falando – sabe que é uma profissão. Sabe tratar a notícia.”
Qual sua opinião a respeito da polêmica sobre a não
exigência do diploma para o exercício da profissão?
No meu tempo jornalista não tinha diploma. Sequer havia
curso. Não tenho uma opinião dogmática. O jornalismo de hoje só foi possível
porque usou como mão de obra jornalistas que fizeram curso e chegaram com o
diploma. Essa mania de combater o diploma não quer dizer nada. Talvez alguns
precisem disso em um País de precário nível social. Mas o jornal precisa do
repórter que sai, que vai para a rua e sabe do que está falando – sabe que é
uma profissão. Sabe tratar a notícia. Os cursos de Jornalismo fizeram um bem
enorme para a profissão. Acabar com a exigência do diploma, na verdade, apenas
desestimula o jovem a estudar.
Wilson, aos 88 anos, a vida continua?
Ah, sem dúvida… Sabe que outro dia me dei conta de que
quando eu comecei a trabalhar eu não lia jornal como leio hoje. Hoje sou um
leitor muito mais apurado, atento. É que no começo eu tinha uma cabeça cheia de
idéias. Hoje eu tenho a mente mais aberta, eu quero saber sobre os problemas da
China, do que ocorre lá do outro lado do mundo… (risos) E me permito pensar
outras coisas, como organizar uma edição com as minhas poesias produzidas nas
últimas décadas – tenho várias delas guardadas, que precisam ser organizadas.
Prestes a botar o pé no último degrau antes de chegar aos 90, eu continuo
olhando a vida com muito interesse. Ainda tenho muita curiosidade… Você não? Ah,
você tem também! Eu vejo que tem…
Texto e imagens reproduzidos do blog: doispontosblog.wordpress.com
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