Desenho de Ucha
Publicada no Jornal da ABI em setembro de 2012
Gonçalo Júnior ENTREVISTA Nahum Sirotsky
Senhor de uma época
Nahum Sirotsky conta como nasceu a revista que modernizou o
segmento de magazines no Brasil e aponta as influências e os desafios de sua
produção.
A história das revistas no Brasil pode e deve ser dividida
entre antes e depois de março de 1959. Precisamente, no momento em que o
primeiro número de Senhor chegou às bancas de todo o País. Afirmação exagerada?
Então folheie os dois luxuosos volumes de O Melhor da Senhor, que a Imprensa
Oficial de São Paulo acaba de lançar, com organização da editora Maria Amélia
Mello e do escritor e jornalista Ruy Castro (leia texto acima sobre este lançamento). Antes de essa publicação surgir, o Brasil vivia na pré-história da
ousadia gráfica e editorial, sem ter uma única revista totalmente nos moldes
dos grandes magazines americanos – Esquire, por exemplo – ou franceses – Paris
Match.
Às exceções da luxuosa Rio, editada por Roberto Marinho na
década de 1940 e até meados dos anos de 1950, voltada principalmente para as
artes plásticas e à alta sociedade carioca; e Gentleman, uma experiência breve
de onze números publicados entre 1957 e 1959. Era uma espécie de Playboy
tupiniquim, voltada para a elegância do homem e que trazia uma garota sensual
na capa e, sempre na última página, uma história de amor dramática de Nelson
Rodrigues. Depois de Senhor, o Brasil se civilizou com experiências editoriais
de vanguarda, com Realidade, Fairplay e Diners, criada e editada por Paulo
Francis.
Senhor nasceu do sonho do jornalista paulistano Nahum
Benhamin Sirotsky, que, no final de 1958, quando tinha apenas 33 anos e uma
longa carreira no jornalismo, havia deixado o posto de editor da conceituada
revista semanal Manchete, da Bloch Editores, e pensava em criar uma publicação
sua. Talento precoce, aos 18 anos, Sirotsky se tornou repórter da editoria de
Cidade do jornal carioca O Globo, em 1943. Aos 20 anos de idade, ainda pelo
diário de Roberto Marinho, transformou-se no primeiro correspondente brasileiro
nas Organizações das Nações Unidas-Onu, logo após a criação da entidade. Mas
ele faria carreira mesmo na Manchete, de Adolfo Bloch, criada em 1952. De repórter,
tornou-se editor, de onde saiu para fundar, em seguida, a Senhor.
Desde o começo da década de 1990 Sirotsky vive em Tel Aviv,
Israel, de onde escreve, aos 87 anos, para o jornal gaúcho Zero Hora, transmite
semanalmente um programa na Rádio Gaúcha (ambos do Grupo RBS, de Porto Alegre)
e ainda escreve para o site de notícias Último Segundo, do portal iG. Em 1999,
quando Senhor completou 40 anos, ele deu uma entrevista exclusiva para o
caderno Leitura de Fim de Semana, do jornal Gazeta Mercantil. A conversa foi
realizada a partir da troca de uma série de mensagens por e-mail e traz um
quantidade de informações importantes sobre a gênese dessa revista que se
tornou marco de uma época para a vida cultural brasileira. Alguns fragmentos
foram usados na longa reportagem sobre a sua importância. Mas a conversa jamais
foi publicada na íntegra. Até agora, o que acontece especialmente para os
leitores do Jornal da ABI.
Toda revista geralmente tem uma história curiosa em sua
origem. Aconteceu assim com Senhor?
Acredito que sim. Na verdade, a revista Senhor nasceu do
acaso. No final de 1958, fui a uma festa com minha mulher, a atriz Beyla
Genauer, onde também estava Abrahão Koogan, dono da Editora Delta-Larousse –
que publicava a famosa enciclopédia vendida no sistema porta a porta. Eu
acabara de deixar a direção de Manchete e imaginava criar um semanário de
notícias e análises políticas e econômicas. Éramos ambos muito jovens. Beyla
fazia muito sucesso no palco. Profissionalmente, como jornalista, eu também ia
bem, fora diretor de uma importante revista. Com Visão, que também era semanal
de notícias, tive a primeira experiência nesse formato. Era uma publicação
pioneira de noticias para homens de negócio no País. Manchete, para aonde fui
em seguida, era um pouco diferente, imitava Paris Match sem cerimônia, como
também fazia O Cruzeiro, no sentido de supervalorizar as fotos. E foi Beyla
quem me apresentou a Koogan e perguntou, meio na brincadeira, naquele típico
ambiente de festa, por que ele não fazia uma revista comigo. Isso foi dito
assim, descompromissadamente. Ele nos contou – e foi uma coincidência – que
Simão Waissman, sobrinho e sócio dele, também estava pensando na hipótese de
também criar uma publicação para bancas. Marcamos um encontro para o dia seguinte,
na Travessa do Ouvidor, Centro do Rio, onde Simão me falou que estava querendo
uma revista que fosse um cartão de visitas da Delta-Larousse.
Que era uma editora de grande reputação por fazer uma das
mais conceituadas enciclopédias de consulta do mundo, correto?
Sim, sim. E ali, na hora, descrevi para ele uma revista que
vinha imaginando fazer. Ele me ouviu, gostou da ideia e me pediu que preparasse
uma “boneca”, um esboço de como seria a publicação. Ali mesmo tomei umas notas
para não esquecer o que inventara naquela conversa, fui para casa e procurei
uma das pessoas de quem mais gostava, e com quem tinha uma amizade desde os
tempos de criança: Carlos Scliar, que, além do grande pintor que era, também se
mostrava um fabuloso artista gráfico. Ele veio à minha casa com Glauco
Rodrigues, outro pintor fabuloso e amigo. Contei-lhes o que tinha havido
naquela manhã na sede da Delta-Larousse. Saímos à rua, compramos revistas
francesas e americanas para poder recortar ilustrações e bolamos a boneca. Eu
havia descrito para Simão uma revista mensal tipo Esquire americana. E por ela
nos guiamos. Mas não só por ela.
Vocês fizeram algumas adaptações importantes? De que forma?
No nosso caso, seria uma revista para o homem, mas sempre
com iniciativas que interessassem à mulher, que era quem mais comprava revista
em banca e tinha mais tempo para ler, pois a maioria não trabalhava. Concluímos
que conteria serviços que seriam moda masculina, seleção de bebidas e
preparação de bebidas, pratos especiais, hobbies masculinos, um ensaio em cada
edição sobre uma garota bonita, uma novela completa, um conto, diversos ensaios
sobre literatura, artes, política, economia, nacional e internacional, humor
como desenho e humor com texto. Cada capa seria especialmente pintada e teria
de ser um comentário humorístico sobre a vida brasileira. A “boneca”, onde
usamos recortes também da Life, da Variety etc. ficou uma beleza. Scliar e
Glauco criaram, com cola e tesoura, uma pequena obra de arte. Simão comprou a
ideia na hora. E partimos para a aventura. Convidamos de imediato para serem
editores Newton Rodrigues (politica-economia), Paulo Francis (literatura,
ensaios) e Luiz Lobo (serviços).
E como o projeto andou? Demorou muito tempo para a revista
sair?
O primeiro drama foi a escolha do nome. Deu briga de dias.
Concordamos com SR., com senhor abreviado e em letras maiúsculas. Partimos para
produzir o primeiro número. Ivo Barroso veio como principal tradutor. Decidimos
que a primeira novela seria As Neves de Kilimanjaro, de Ernest Hemingway. Não
me recordo do que mais tivemos para usar nesse começo. Não guardo nada do que
faço. Prometi-me nunca viver em função do passado. Estou sempre pensando no que
vou fazer hoje e amanhã. Só lembro que foi um primeiro número muito pesado,
pois tinha tudo demais. Eu quis botar tudo logo no primeiro tiro. Não gostei do
resultado. Mas foi um sucesso e causou aquele impacto que a editora queria. Com
Scliar na direção de arte e Glauco como seu segundo homem, estávamos bem na
parte de arte. E no resto também. A qualidade dos textos, o nível dos
colaboradores, as ilustrações, os cartuns, o humor, tudo tinha qualidade.
Mesmo com tantas influências externas, a revista conseguiu
um formato que diluiu as referências contemporâneas do que se fazia na Europa e
nos Estados Unidos, não?
Sem dúvida. Senhor foi original logo no primeiro número. E a
partir dele passamos a corrigir os exageros e a afinar o formato. O fato de que
continue lembrada até hoje parece provar que acertamos. E ao falar na primeira
pessoa do plural é que ela foi, desde o seu primeiro instante, uma criação da
equipe, cada página, Ilustração, texto, tudo resultava de rigorosa e debatida
seleção. Desde o primeiro exemplar que Senhor foi o que chegou a ser porque
todos nos apaixonamos pela obra e a fizemos com o melhor da nossa imaginação e
competência. Havia um prazer enorme naquilo. Tivemos como influências diversas
revistas estrangeiras, embora continue a acreditar que nenhuma publicação
jamais chegou a uma beleza gráfica próxima de Senhor. Acredito que foi Flair,
dirigida por Flëur Cowles, então casada com o dono da revista Look, uma grande
influência para nós na edição que se seguiu ao projeto que apresentamos a
Simão.
Fale um pouco das principais fontes da revista…
Em Flair nos inspiramos para a idéia da publicação da novela
como parte central da revista, metade de página, tendo ao centro como uma
grande ilustração que servia para cada uma das páginas da história. Eram
ilustrações de Glauco Rodrigues, provavelmente, o maior desenhista brasileiro
dos nossos dias, daqueles tempos. O Partisan Review e a Commentary, títulos de
origem americana, inspiraram o estilo dos nossos ensaios. E, acreditem ou não,
a idéia de uma revista com grande variedade de temas e uma novela completa veio
de Seleções do Reader’s Digest (revista americana fundada em 1922 e que depois
se tornou uma importante ferramenta de combate ao comunismo no mundo, com apoio
financeiro da Fundação Rockfeller). Mas, Senhor, como disse, sofreu
influências; porém, nada copiou. Não conheço revista alguma que a ela se
assemelhasse. E deu certo também a idéia de revista de homem para a mulher ler.
Como disse, as mulheres eram grandes consumidoras da revista que – e isto
fizemos conscientemente – pelo seu alto custo de capa e beleza gráfica virou
status, um símbolo de excelência. Era encontrada nas casas dos mais prósperos,
digamos assim.
Pela localização da cidade onde era produzida e dos
colaboradores, inseridos numa Copacabana glamorosa dos tempos da Bossa Nova,
não era Senhor uma revista carioca em sua essência?
Talvez pela malícia de seu humor, sim. Porém não a chamaria
de uma revista carioca. Acontece que naqueles anos o Rio de Janeiro era o
grande centro cultural e editorial do País. A nossa idéia era de uma revista
brasileira para o Brasil destinada às chamadas classes A e B, as de mais alta
renda, as que fazem opinião. Na nossa ingenuidade e falta de modéstia,
imaginamos usá-la para educar essas classes, aprimorar seu gosto na seleção de
artes, na leitura, pois queríamos que conhecessem Kafka, Tólstoi, Guimarães
Rosa, Clarice Lispector, Jorge Amado. Que essas pessoas soubessem do que
acontecia no mundo. Imagine, velho, que Martin Luther King Jr, uma das maiores
figuras do movimento dos direitos civis do negro americano, esteve no Brasil e
apenas Senhor o procurou e o entrevistou, um trabalho de Paulo Francis. A gente
era mesmo muito provinciana. Mas se você considerar os desenhos de Jaguar, e de
outros, e os textos de humor de Luiz Lobo, você poderia dizer sim que era uma
publicação carioca, pois era humor carioquíssimo.
Além dos nomes hoje muito conhecidos, havia talentos
promissores na Redação que vocês revelaram, não?Sem dúvida. Não quero avançar
sem lembrar Bia Feitler, uma garota excepcionalmente talentosa, que Scliar
descobriu e trouxe para trabalhar no setor de arte da revista. Um dia ela, foi
para Nova York e, com Senhor nas mãos, conseguiu a direção de arte de revistas
americanas importantes. Ou Clarice Lispector, que escrevia boa parte das
pequenas notas das primeiras páginas onde publicou alguns contos curtos que se
tornaram depois obras-primas da literatura brasileira. E havia os nomes
consagrados, como Jorge Amado escrevendo para nós A Morte de Quincas Berro
d’Água, ou Guimarães Rosa de quem publicamos alguns contos inesquecíveis. E
Carlos Lacerda, Antônio Houaiss, Darcy Ribeiro e o embaixador Sette Câmara, que
deixou em Senhor sua proposta de um plano de governo para o Rio; e Jânio
Quadros, além de tantos e tantos.
Foi um problema tornar graficamente viável uma revista como
Senhor?
Era pobre o parque gráfico brasileiro na época. A revista
foi impressa na gráfica das Listas Telefônicas. Scliar e Glauco se deslocavam
para a gráfica para trabalhar com o pessoal no aprimoramento da qualidade. Eles
ensinavam os funcionários a melhorar o retoque, a impressão, os filmes usados
para gravar as chapas de impressão e coisa assim. E os operários correspondiam
com entusiasmo àquela parceria com a gente. Faltavam meios sem dúvidas para
fazer o melhor. Então, quando queríamos uma família de letras inexistente no
Brasil, recortávamos um alfabeto inteiro de revista estrangeira fotografávamos
e conseguíamos a família desejada. Scliar e Glauco improvisavam soluções
originais que davam certo. Tenho de dizer que a minha admiração e respeito pelo
talento da equipe, de cada um dos companheiros que contratamos, só faz crescer
quando me recordo daqueles tempos. O que se conseguiu de melhor foi com eles,
por causa deles. A equipe era uma espécie de orquestra de câmara, com todos os
instrumentos tocados por solistas.
O que você incorporou de sua experiência pessoal à revista?
Do meu aprendizado nos Estados Unidos, onde, garoto, fui
enviado de O Globo, do Rio, para cobrir as Nações Unidas, trabalhei em
publicações americanas, trouxera entendimento de que a gerência criativa é
fundamental e que o diretor de publicidade tem de ser um indivíduo de convivência
de agência. Ivan Meira, falecido num desastre de avião, ex-Standard
Publicidade, veio para nós. E as contribuições dele também são inesquecíveis. A
primeira foi a de decidir que a revista aceitaria peças publicitárias que
tivessem qualidade artística. Isso foi uma revolução, pois os setores de artes
das agências não tinham tal oportunidade em outras publicações. E começaram a
criar peças exclusivas para Senhor. Ivan, grande homem de publicidade, criou
ele mesmo algumas peças memoráveis. Um anúncio de 24 páginas como historia em
quadrinhos com fotografias nas quais Jardel filho, ator já falecido, e Odete
Lara estrelavam uma peça da fábrica StaBranca de tecidos impressa no próprio
tecido que encartamos em cada exemplar e outras mais. Diretor de revista ou jornal
não pode deixar de considerar parte de um negócio, um setor de um negócio. E
que ele tem de produzir consumidor em potencial para que o diretor de
publicidade possa vendê-los às agências, pois é da receita que se faz a mídia.
Como surgiam detalhes gráficos que definiam a cara da
revista, como o zelo até mesmo na confecção do expediente e do índice?
A idéia dos anúncios no índice foi minha. Sempre entendi
anúncio como uma informação ao leitor, um serviço. Além do mais, os nossos
anunciantes, devido à qualidade de suas peças e produtos, mereciam tal
destaque. E a repercussão foi mais do que positiva.
Você ficou quanto tempo na revista?
Creio que fui o diretor de uns 29 números. Não tenho certeza
e nem posso confirmar, pois não tenho um só exemplar em minha biblioteca.
Entendo direção como equivalente a maestro de orquestra sinfônica. Ele tem de
fazer todos tocarem o melhor que sabem. Além do mais, também acho que diretor
deve evitar escrever, pois quando escreve está competindo, sem querer, com os
outros redatores, o que é ruim. Por outro lado, ele também se esquece de
dirigir.
Como foi a sua saída?
Fui substituído pelo falecido Odylo Costa, filho. Senhor me
deu tais prazeres que prefiro não explicar a minha saída. Aceitei convite do
Roberto Campos, um dos brasileiros que mais admirei em minha vida pela coragem
de ser uma voz solitária na defesa de suas convicções, pela cultura, pelo que
me ensinou, pela sua teimosa defesa de interesses brasileiros, o que
testemunhei tanto em Washington como no Brasil. Nunca mais vi um exemplar de
Senhor, como deixei de ver Manchete e Visão. Não gosto de sofrer e me frustrar
pelo que fazem ou desfazendo com o que crio. Nada mais posso lhe dizer a não
ser que seria muito pouco provável, e muita sorte, conseguir reunir novamente
uma equipe como a da revista que fizemos. Mas seria injusto desconhecer que o
Brasil tem, hoje, publicações de qualidade internacional como Veja, Istoé, Vip
e outras. “No Brasil, em se plantando, tudo dá”, disse Pero Vaz Caminha, o
escrivão de Pedro Alvares Cabral. Há talentos excepcionais em todos os campos.
Muitos, demais, no exterior, em hospitais, centros de pesquisa científica,
universidades, cinema. Aqui, onde estou, se tem a convicção de que a crise será
superada e o País terá um novo impulso de crescimento e será das maiores
economias do próximo século. Também não duvido disto.
Os colaboradores eram bem remunerados?
Pagávamos muito acima da média. O que pagávamos por uma
noveleta, por exemplo, bastava para o autor viver bem um mês. Fazia questão de
que fossem mínimas as diferenças entre o meu salário e os dos demais editores.
E tudo foi possível porque Simão e Sérgio Waizman, os principais acionistas,
aceitaram os custos do desafio. Nada se faz sem dinheiro, como você sabe. Não
seria possível repetir Senhor, antes de qualquer coisa, porque não seria
economicamente viável. E, provavelmente pela própria evolução do parque gráfico
e da indústria editorial do País, da qualidade da publicidade, o improviso
criador usado em Senhor não seria necessário. Mas quanto à qualidade de texto,
ilustrações, impressão, não faltam exemplos de que é mais alta hoje do que
jamais seria alto demais o custo de uma orquestra constituída de solistas, como
foi o caso de Senhor no nosso tempo.
Texto e imagens reproduzidos do site: doispontosblog.wordpress.com
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