Joel Silveira começa sua carreira aos 18 anos escrevendo crônicas
na imprensa sergipana. (Foto: O Inverno da Guerra/Divulgação)
Publicado originalmente no site Observatorio da Imprensa, em 21/11/2017
Memória - A Voz do Estudante.
A imprensa estudantil e a formação de jornalistas em Sergipe
Por Gilfrancisco Santos
Os jornais denominados, fonte primária de pesquisa, pelo seu
conteúdo e período estudado trazem várias possibilidades de abordagens. A
proposta do estudo sobre o jornalismo estudantil em Sergipe é ir além do
aspecto descritivo de cada uma dessas publicações, buscando na interpretação de
seus conteúdos, relações mais amplas.
As matérias desenvolvidas nos espaços desses jornais
elaborados por alunos dos cursos: ginásio, secundário e superior, como as datas
comemorativas, a prática da leitura, concurso e premiação, depoimentos,
entrevistas, matérias sobre fatos e personagens da história contemporânea, política
estudantil, denúncia, reivindicações, homenagens, crítica literária (brasileira
e estrangeira), criação literária (contos, poemas, crônicas), filosofia, Deip,
censura, Era Vargas, Educação, política do Estado Novo, II Guerra Mundial e
outras.
Dentre os reais benefícios trazidos pela fundação, em
Sergipe, de um órgão de propaganda nos moldes de DPDE, acha-se a, assistência à
imprensa dos estudantes e jovens intelectuais, que espalham as tendências
culturais da juventude das escolas. Esta acolhida amistosa que encontraram por
parte do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda — Deip — possibilitou
que diretores e redatores de periódicos estudantis e literários, estabelecessem
permanentes contatos, não semente de apoio moral, mas, sobretudo de apoio
material tão indispensável nos destinos da imprensa estudantil em Sergipe.
Segundo o aluno Márcio Rollemberg Leite (1910-1980), a
subvenção dada pelo governo para impressão do jornal A Voz do Estudante, era
uma cumplicidade entre a direção e as autoridades: “Compreendem-se mesmo que os
moços idealistas querem somente construir e que os moços destemidos em todo o
mundo se molham de amor e de sangue para a redenção da liberdade e da cultura”.
Os artigos falam da memória cultural do Estado, de parte
significativa desse período que por várias décadas fizeram do tema estudantil a
tônica jornalística de suas matérias, defendendo os interesses da classe,
servindo também como veículo de revelação da produção literária de jovens
emergentes, bem como a divulgação de intelectuais e escritores já consagrados
das nossas letras, como Santo Souza, José Maria Fontes, Abelardo Romero, José
Sampaio, Arthur Fortes, Garcia Rosa, Jackson de Figueiredo, Hermes Fontes,
Florentino Menezes, Felte Bezerra e outros.
Muitas dessas publicações em sua maioria foram de vida
efêmera, com muitas interrupções. No caso do jornal A Voz do Estudante, órgão
do Grêmio Cultural Clodomir Silva, o que teve a maior duração, o maior número
de edições, é possível que cada número impresso fosse baseado na quantidade de
sócios gremistas, que tinham direito a um exemplar gratuitamente. É comum
aparecer nas edições, notas convocando os sócios a pagarem suas mensalidades
pontualmente, antes de ser enviada a edição mensal para a tipografia.
No relançamento d’A Voz do Estudante, Ano I, nº1, 7 de julho
de 1944, foram impressos, segundo a direção do jornal, uma pequena tiragem de
trezentos exemplares, que se esgotou rapidamente.
Tratando especificamente das duas maiores instituições de
ensino no Estado, Colégio Tobias Barreto e Atheneu Pedro II (Colégio Estadual
de Sergipe) que teve várias publicações jornalísticas estudantis, interrompidas
por longos períodos, que ressurgiam com outros nomes. Apesar de alguns desses
jornais manterem publicidades em suas páginas, de uma forma ou de outras
dependiam do apoio do Estado. Mesmo defendendo os interesses da classe
estudantil na luta por um ensino de qualidade, investimento nos laboratórios,
na quadra esportiva, compra e livros para a biblioteca, construção de um
auditório, concomitantemente eram reprodutores do discurso ufanista do Estado
Novo, de fortalecimento da Pátria.
Através dos jornais estudantis, muitos desses jovens
intelectuais sergipanos iniciantes, deram seus primeiros passos na vida profissional.
Muitos dos alunos já demonstravam desempenho para atuar futuramente no campo
jornalístico, que anos depois conseguiram redigir e dirigir vários jornais,
alguns de circulação nacional:
Synval Palmeira (1913-1993) iniciou a carreira jornalística
nos anos 30, escrevendo para A República, Correio de Aracaju, O Estado de
Sergipe, Almanack de Sergipe, Folha Popular e outros. Bacharel em Direito em
1935, um ano depois transfere residência para o Rio de Janeiro, após aprovação
em concurso, e passa a advogar para o Partido Comunista. Em 1986 elegeu-se
Deputado Estadual pelo (PSB) Rio de Janeiro;
Paulo Costa (1912-1961), como os demais se iniciou em
jornais estudantis. Bacharel pela Faculdade de Direito da Bahia em 1935,
tornou-se Promotor Público combativo defensor das causas populares, em 1944
comprou o Sergipe-Jornal, o qual dirigiu o jornal até falecer. Polêmico,
presença das mais importantes do jornalismo sergipano contemporâneo;
Joel Silveira (1918-2007) escrevia suas crônicas n’O Estado
de Sergipe, aos dezoito anos vai para o Rio de Janeiro e torna-se o maior
repórter brasileiro, além de escritor renomado;
Aluysio Mendonça Sampaio (1926-2008) migra para a Imprensa
Popular (A Verdade, dirigido por José Waldson Campos e Jornal do Povo),
passando em seguida ao Correio de Aracaju e finalmente a convite de Paulo Costa
vai trabalhar no Sergipe-Jornal até 1950 quando se transfere para São Paulo,
onde colabora em vários periódicos ligados ao Partido Comunista do Brasil.
Aluysio publicou mais de uma dezena de livros na área do direito e literária;
Walter Mendonça Sampaio (1923-2008) seu irmão mais velho,
dirige o Jornal do Povo e A Verdade, ambos ligados ao PCB e funda a revista
Época (mensário a serviço da cultura e da democracia);
Armindo Pereira (1922-2001) dirige os jornais Mensagem e
Símbolo, em 1942 fixa residência no Rio de Janeiro, trabalhou e colaborou em
jornais e revistas das quais publicou grande parte de sua obra crítica e de
ficção, depois reunida em livros;
Alfredo Gomes de Oliveira, jovem inteligente militante em
vários jornais estudantis, tornou-se radialista e compositor. Trabalhou na
Rádio Aperipê de Sergipe, PRJ – 6 e na Rádio Excelsior da Bahia como diretor
artístico;
Lyses Campos (1918-1935), esperança da intelectualidade
sergipana, colaborador em vários periódicos estudantis, levado por Joel
Silveira para O Estado de Sergipe, Lyses faleceu prematuramente em 10 de
outubro de 1935;
Omer Mont’Alegre (1913-1989) muito cedo enveredou no
jornalismo, primeiro em Estância berço da imprensa, redigindo os semanários A
Razão e A Estância. Depois em Aracaju dirigiu o jornal integralista A Ofensiva
e n’ O Estado de Sergipe mantinha a coluna Farpas até 1937, quando se transfere
para o Rio de Janeiro, atuando como redator do semanário Don Casmurro. Em 1939
estreia como romancista;
Jorge de Oliveira Netto (1914-1980) formado em engenharia
civil, desde cedo, se sentiu inclinado para as letras. Militou como jornalista
na Gazeta Socialista e n’O Nordeste, ingressando no magistério superior,
publicou alguns livros, como “Sergipe e o Problema das Secas”, “Deus é Verde”
(1967) e “O Colar e as Camisas de Mercedes” (1968);
Junot José da Silveira (1918-2003) trabalhou em vários
jornais em Aracaju antes de fixar residência em Salvador, aonde chegou a editor
geral do jornal A Tarde Dominical. Professor, cronista e biógrafo, deixando
vários livros publicados alguns como “A Bahia na voz dos Trovadores” (1955), “O
Romance de Tobias Barreto” (1959), “Cosme – 90 anos” (1964), “Beatas e
Cangaceiros nas Artes Plásticas”, “São Cristovão” (1969);
José Antônio Nunes Mendonça (1923-1983) abandonou os estudos
secundários, consagrando-se no jornalismo, como crítico literário, polemista,
articulista. Publicou “A Educação em Sergipe” (1958), “Desenvolvimento em
Sergipe” (1961) e “Velhos Companheiros” (1963). Alberto Barreto de Melo, apesar
de bacharel em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito da Bahia,
inicia no Boletim, órgão do Colégio Tobias Barreto e Voz do Estudante, órgão do
Grêmio Clodomir Silva, colaborador em Símbolo e militando como jornalista na
imprensa sergipana através do Correio de Aracaju e do Sergipe-Jornal.
Mário Araujo Cabral (1914-2009), advogado, diretor do
Sergipe-Jornal e em Salvador do Diário da Bahia e do Jornal de Vanguarda.
Publicou vários livros de poesia, crítica literária e um romance;
José Batista de Lima Silva sociólogo e jornalista, morto em
13 de dezembro de 1979, ainda estudante foi eleito presidente em 1943 do Centro
de Estudos da Faculdade de Filosofia da Bahia e responsável pela apresentação
do nº1 da revista Cultura, organizada pelos acadêmicos da Faculdade contendo
textos sobre filosofia, antropologia, sociologia, literatura, história e
poesia. Lima Silva trabalhou em Símbolo e na Folha Popular, foi diretor do
Jornal do Povo ligado ao Partido Comunista, redator-chefe do Jornal da Bahia e
professor da Faculdade de Filosofia da UFBA.
José Calasans Brandão da Silva (1915-2001), historiador,
lecionou no Colégio Tobias Barreto e Atheneu Pedro II, antes de fixar
residência em Salvador. Publicou mais de duas dezenas de livros no campo da
historiografia, além de colaborar no Correio de Aracaju e no jornal A Tarde;
Carlos Garcia (1915-1971) desde os bancos ginasiais vinha
revelando uma fibra de lutador das causas populares. Jornalista, escritor e
advogado sindicalista elegeu-se vereador em Aracaju, pela legenda do PCB,
dirigiu o Jornal do Povo, Correio de Aracaju e articulista da Mocidade.
Mudou-se para o Rio de Janeiro. Outro que se dedicou ao jornalismo foi João Nou
exercendo a profissão no periódico O Nordeste. Foi eleito deputado estadual
pela UDN.
Márcio Rollemberg Leite (1910-1980) um dos diretores do
Boletim, militante comunista foi Redator-chefe do Jornal do Povo e diretor do
Diário de Sergipe, publicou o livro “Flagelo” e “Esperanças”, 1978. Outro que
se dedicou ao jornalismo foi Florival Ramos;
O estanciano Raimundo Souza Dantas (1923-2002), a convite de
Joel Silveira chega ao Rio de Janeiro em 1941, aos dezoito anos, logo passou a
colaborar na imprensa carioca, em veículos como o Vamos Ler, Carioca, Leitura e
outras revistas;
José Bonifácio Fortes Neto (1926-2004), bacharel em Direito
pela Universidade Federal da Bahia em 1950, jurista e professor universitário
foi redator, colunista, repórter e colaborador de vários jornais, como Correio
de Aracaju, Sergipe-Jornal, Diário de Sergipe, A Cruzada, Gazeta de Sergipe, O
Nordeste, Folha da Manhã e também correspondente em Aracaju do Diário da Bahia.
Bonifácio publicou: “Poemas do Meu Caminho” (1944), “Evolução da Paisagem
Humana da Cidade do Aracaju” (1955) e “Zeppelin” (1998). Foram muitos os que se
profissionalizaram no jornalismo: Hermengardo Nascimento trabalhou no Diário de
Sergipe ao tempo em que militava no movimento estudantil;
Tertuliano Azevedo (1930-2015) participou da fundação da
Gazeta Socialista, fazia parte da redação, chegando a dirigir o jornal e
manteve na Gazeta de Sergipe colaborações na coluna Buraco da Fechadura. Foi
Diretor Regional do Partido Socialista Brasileiro-PSB. Fora expulso do Ateneu
em 1946 pela Congregação, por atacar em artigo publicado na Voz do Estudante os
professores Franco Freire e Hernani Prata. Publicou os livros “A Luta pela
Democracia” (2010) e “Tertuliano – vida, sonhos e lutas” (2014);
Fragmon Carlos Borges (1927) redator da revista Época
(1948/1949), dirigida pelo jovem Walter Sampaio, escrevia também para A
Verdade, folha do PCB, dirigida por José Waldson Campos. No final dos anos 50
dirigiu no Rio de Janeiro o jornal Novos Rumos. Morreu em São Paulo nos anos 70
durante a clandestinidade;
Célio Nunes (1937-2010), filho de José Nunes da Silva líder
sindicalista do Centro Operário Sergipano, muito jovem ainda foi editor da
Folha Popular, passando depois pela Gazeta Socialista, publicou vários livros
de contos; José Menezes Campos, colaborou no Sergipe-Jornal; J. Pinheiro Lobão
n’A Estância; Sindulfo Barreto Filho colaborou nos periódicos Vida
Laranjeirense, Folha da Manhã e Nordeste, além de publicar alguns livros de
poesia e crônicas, como “Lagoa do Abaeté”, “Itinerário Sentimental da Bahia” e
“Nos Roteiros de Olinda”.
Raros são os estudos historiográficos que retratam a
participação dos moços de Sergipe na Imprensa Estudantil, dos anos 30/40 e 50.
Um silêncio maior ainda paira sobre a História da Imprensa Estudantil em
Sergipe que, antes de qualquer coisa, faz parte da história dos excluídos.
Neste quadro, acreditamos que seja preciso dar um lugar na História de Sergipe
Contemporâneo a esse período marcante da nossa juventude na cultura sergipana.
Esperamos que o assunto em pauta, interesse aos pesquisadores da área e estes
possam contribuir para preenchimento da lacuna existente sobre este período
importante da nossa vida política e cultural.
Portanto, a produção de jornais estudantis em Sergipe
emergiu como veículo ideal daquele processo dos anos verdes de jovens ginasianos
socializantes, do ritmo de seu tempo cultural, de seus projetos e de suas
utopias. Essa pequena peça artesanal que é o jornal Estudantil, feita com a
sensibilidade e o esforço pessoal de cada aluno, cujas palavras impressas são
como coisa ligada ao homem, é um jornal lido, discutido, um jornal de leitores,
com o seu público. Negar a importância dos “jornalzinhos” estudantis, pobres e
humanos é querer fugir da nossa realidade.
Esses jovens intelectuais fizeram verdadeiras campanhas
pelos jornais estudantis, aprendendo desde cedo a divulgar e a defender ideias
através da palavra escrita. Desta forma a politização começava cedo nos bancos
escolares, na prática, cuidando dos seus interesses, desenvolvendo ideias,
defendendo posições.
Em sua maioria o teor era o mesmo do antigo jornal mural:
polêmico, provocativo e de oposição à direção da escola, à congregação de
professores, às assembleias e a quaisquer outros órgãos dirigentes que
houvesse. É um período em que os “jornalzinhos” impressos se multiplicam, já
bem mais cuidados e com mais recursos visuais e de comunicação.
Portanto, a escrita e a imprensa são armas na defesa de
nossas ideias além de nos exercitar na arte de organizar essas ideias.
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Gilfrancisco Santos é jornalista, professor universitário,
membro do IHGSE, IGHBA e da Comissão Estadual da Verdade (SE).
Texto e imagem reproduzidos do site: observatoriodaimprensa.com.br
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