Antonio Caño, na redação do EL PAÍS. Ricardo Gutiérrez
Publicado originalmente no site El País Brasil, em 3 de março de 2016
Carta aberta do
diretor do EL PAÍS à Redação do jornal
Antonio Caño fez uma reunião com a equipe para explicar a
iminente transformação do jornal em um veículo essencialmente digital
Por Antonio Caño
Conversamos nesta manhã sobre a dura realidade enfrentada
pela nossa profissão e pelos jornais em todo o mundo. No EL PAÍS, estamos
fazendo ajustes há algum tempo e conseguimos realizar a transformação digital
paliando, na medida do possível, os danos que está provocando no nosso setor.
Felizmente, e apesar das dificuldades, continuamos sendo o jornal impresso mais
vendido na Espanha, com bastante distância sobre nossos concorrentes, e nossas
edições digitais alcançaram, nos últimos dezoito meses, crescimentos
espetaculares que transformaram o EL PAÍS no meio de comunicação em espanhol
mais acessado e lido no mundo.
Graças ao sacrifício e à colaboração de vocês estamos em uma
posição competitiva e em condições de prolongar a liderança do EL PAÍS. Mas
isso não significa que a batalha esteja ganha ou que nossa sobrevivência esteja
garantida. A revolução que afeta os meios de comunicação ainda não foi
concluída, o panorama ainda é muito confuso. A crise, provavelmente, ainda não
chegou ao fundo do poço. A transferência de leitores do papel para o digital é
constante. Podemos encarar como fato consumado que o hábito de comprar o jornal
em banca reduziu-se a uma minoria. A maioria das pessoas, principalmente os
mais jovens, busca a informação em outros suportes e a consome de forma
diferente.
A situação ainda continua incerta também no mundo digital. A
transferência maciça de leitores da Web para os telefones celulares, bem como o
surgimento de novos dispositivos móveis e de ameaças recentes como os
bloqueadores de publicidade, juntamente com outras mais conhecidas como a
instalação da cultura da gratuidade, tornou muito complexo também o horizonte
no campo das novas mídias. Estou começando a ter a impressão de que a passagem
do papel para o digital é apenas um e não o maior dos muitos passos que os
jornais terão de dar até alcançar o nosso verdadeiro espaço futuro.
A passagem do papel para o digital é apenas um dos muitos
passos que teremos de dar até alcançar o nosso verdadeiro espaço futuro
Essas mudanças, como todas as mudanças, têm grandes
vantagens. A primeira e mais importante é que milhões de pessoas em todo o
mundo hoje mostram interesse e têm capacidade para acessar os nossos produtos.
Mas, sem dúvida — e isso é o que mais nos angustia hoje —, este novo tempo é
também um grande desafio para todos nós. E uma grave ameaça para aqueles que
duvidam ou resistam ao avanço incontido da transformação do nosso trabalho e do
negócio que o mantém.
No EL PAÍS nós decidimos não apenas não ter medo da mudança,
mas antecipar-nos na medida do possível para estar na vanguarda dessa mudança,
assim como estivemos na vanguarda do nascimento da imprensa independente na
Espanha e na da informação de qualidade e competitiva em espanhol.
Nossos valores
É bom olhar por um momento para trás e lembrar como tudo
começou e que é a razão primeira pela qual estamos aqui. No dia 4 de maio
comemoraremos nosso 40º aniversário. Naquele primeiro número, Juan Luis Cebrián
afirmou que este jornal tinha sempre sonhado consigo mesmo como um jornal
independente, capaz de rejeitar as pressões que o poder político e o poder do
dinheiro exercem continuamente sobre o mundo da informação.
Vamos mudar, sim, mas não vamos renunciar aos valores de
liberdade e independência que nos trouxeram até aqui. Incorporaremos novas
dinâmicas de trabalho que sejam capazes de aumentar a qualidade e a quantidade
dos conteúdos e dos produtos que o EL PAÍS oferece e que hoje podem ser lidos
em papel, por meio de aplicativos móveis, televisões inteligentes ou redes
sociais. Mas estaremos vigilantes para que em todas essas plataformas a marca
do EL PAÍS esteja presente.
Não vamos renunciar aos valores de liberdade e independência
que nos trouxeram até aqui
Depois de mais de um ano e meio de trabalho e discussões,
estamos nos aproximando de um momento-chave na história do EL PAÍS. Nos
próximos dias estará concluída a primeira fase do trabalho que habilitará a
nova redação, e com isso chegará o momento da conversão do EL PAÍS em um jornal
essencialmente digital; em uma grande plataforma geradora de conteúdos que
serão distribuídos, entre outros suportes, no melhor jornal impresso da
Espanha. Assumimos o compromisso de continuar publicando uma edição impressa do
EL PAÍS da mais alta qualidade durante o maior tempo possível. Mas entramos ao
mesmo tempo na construção de um grande meio de comunicação digital de alcance
global que possa atender às demandas dos novos e futuros leitores. O eixo desse
meio será a informação. Suas ferramentas serão todas aquelas que a tecnologia
puser à nossa disposição. No momento, como já estão vendo, apostamos na imagem
e no vídeo como um grande instrumento de comunicação de massa. Esse meio é e
será cada vez mais americano, pois é na América onde o nosso crescimento é
maior e nossa expansão mais promissora.
Para tudo isso, como já dissemos, estamos fazendo obras que
facilitem a transição do trabalho de ontem ao de amanhã. Vamos passar daquilo
que o setor chamou de “integração de redações” para um novo sistema de
sincronização de equipes e canais. Vamos implementar modernas ferramentas de
comunicação para atender com rapidez e qualidade as demandas de informação
transparente de uma sociedade cada vez mais exigente com a tarefa que nos
confiou.
Será uma redação sem escritórios, aberta à colaboração e à
troca de ideias, na qual as equipes se misturarão para construir novas
histórias. A partir de agora, no coração da planta principal será instalado um
moderno espaço aberto dedicado à criação e à coordenação de informações e sua
distribuição nos diferentes canais. O centro dessa redação contará com uma
moderna ponte de comando, na qual haverá perfis jornalísticos, de
desenvolvimento tecnológico, de edição gráfica e de vídeo, de design, de
produção, de medição de audiência, de redes sociais, de SEO [otimização de
sites] e de controle de qualidade. A partir dali serão criadas novas narrativas
e novas formas de comunicação que continuarão a manter este jornal na vanguarda
do jornalismo global.
Nossos leitores
Toda essa mudança tem um objetivo principal: manter-nos
conectados com cada um dos nossos leitores. O EL PAÍS sempre foi uma
organização jornalística focalizada em seus sempre atentos e informados
leitores. Hoje ele deve sê-lo ainda mais: temos de continuar a ser um jornal
que atende as necessidades e demandas daqueles que nos consultam, que nos leem,
que confiam em nós. Não trabalhamos para ninguém mais importante do que o
leitor, mas sabemos que os leitores de hoje se tornaram usuários que estão em
lugares muito diferentes e vêm até nós não só comprando um exemplar a cada dia,
mas também por meio do nosso site, por meio do telefone celular ou de seus
perfis nas redes sociais.
Este novo espaço pretende continuar sendo o melhor lugar
para publicar os mais importantes jornalistas, escritores, ilustradores,
fotógrafos, designers e outros criadores de informação e cultura em língua
espanhola, mas hoje o conteúdo é tão importante quanto a forma de fazê-lo
chegar ao nosso público. Portanto, além das assinaturas, estamos nos dotando de
novos sistemas de trabalho e ampliando nossos planos de formação para poder
moldar os conteúdos jornalísticos de modo que sejam fáceis de encontrar, de ler
e de ver, porque os leitores consomem com cada vez mais avidez os conteúdos
multimídia. Nessa linha, o lançamento do EL PAÍS Vídeo foi um dos mais recentes
sucessos. Experiências com as quais aprendemos muitas coisas.
Este jornal precisa de todos aqueles que tragam criatividade
e bom trabalho
Para facilitar a implementação de tudo isso, reforçamos
nossa equipe de direção com novos perfis, mais adaptados às necessidades
atuais. Embora eu não tenha dúvida da sua capacidade e esforço, nem eles nem
qualquer um de nós conseguirá o difícil objetivo almejado se vocês não nos acompanharem,
se não nos ajudarem com suas sugestões, com suas críticas, com seu trabalho em
busca da excelência. Acredito que temos a visão, as capacidades e o
conhecimento necessários, mas queremos ouvir com humildade suas ideias e as
demandas dos nossos leitores e de toda a comunidade que fez deste jornal a
referência que nos deixa orgulhosos. Em Únete a la Conversación resumimos isso
na nossa comunicação aos leitores. Este jornal precisa de todos aqueles que
tragam criatividade e bom trabalho. Devemos fazer um esforço coletivo para
mudar permanecendo fieis a nós mesmos e para torná-lo ainda melhor, e espero
que seja desfrutando e sendo felizes enquanto realizamos essa viagem
emocionante.
O EL PAÍS segue seu caminho para comemorar seus próximos 40
anos mais vivo do que nunca. Você está convidado a participar dessa linda
aventura de inventar o futuro desta casa que você construiu e que é o nosso
jornal.
Muito obrigado pela sua confiança e esforço.
Um abraço
Antonio Caño
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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