Publicado originalmente no blog do jornalista Aurélio Bulhões P. de Moraes, em 27/05/2010
Entrevista especial - Clóvis Rossi
"Fiz esta entrevista na faculdade em 2008 e considero-a bem
interessante" ( Aurélio Moraes)
Nascido na cidade de São Paulo em 1943, Clóvis Rossi é
colunista, repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha de S.
Paulo. Trabalhou no Jornal do Brasil e foi editor-chefe do Estado de S. Paulo.
Teve participação em diversas coberturas internacionais de grande repercussão,
tanto pelo Estadão como pela Folha, da qual foi correspondente em Buenos Aires
e Madri.
Escreveu em sua carreira vários livros sobre jornalismo,
entre eles “Vale a pena ser jornalista? (Ed. Moderna, 1986), no qual aborda os
prós e os contras da profissão dizendo que, “o que há de bom na profissão é
essa coisa de poder ser testemunha ocular da história de seu tempo. O que há de
ruim é a exigência até irracional de dedicação plena”.
Outro livro que merece destaque é “Enviado Especial-25 anos
ao Redor do Mundo”. O livro é uma coletânea de artigos sobre suas coberturas em
países e momentos históricos-chaves, como a ditadura Argentina, a Cuba
socialista, o conflito entre Israel e Palestina, entre outros.
O jornalista descreve em detalhes o cotidiano das populações
destes países, como uma burocrática fila para comprar sorvete em Cuba, a compra
desenfreada de máscaras anti-gás em Israel, por receio de um ataque químico
vindo do Iraque e a alegria de um comício da esquerda chilena.
Clóvis Rossi considera que o jornalista que trabalha em
jornal diário é um batalhador, que “precisa matar um leão por dia”. Aos 44 anos
de profissão, diz que tem pela frente umas dez mil batalhas, todas
interessantes, em grandes assuntos, mas também em pequenos pés-de-página.
Entrevista a Aurélio Moraes
Em 1999 você lançou o livro "Enviado Especial-25 anos
ao redor do mundo". Como surgiu a ideia de criar este livro?
Clóvis Rossi – Amigos meus antigos é que insistiram que
valia a pena fazer uma compilação de textos publicados ao longo do tempo.
Qual a maior dificuldade e o maior prazer de ser um
correspondente internacional?
R – A maior dificuldade é ter acesso à fontes, porque,
naturalmente, elas preferem atender a mídia local. O maior prazer é poder olhar
o bosque inteiro, e não apenas as árvores como acontece quando você trabalha no
teu próprio país, já que há sempre outro repórter do teu jornal olhando as
outras árvores.
É fácil conseguir investimento das editoras neste gênero?
R – Não, é difícil. Este tipo de livro tem um público muito
segmentado, portanto muitas editoras relutam em publicar este gênero.
Quais são os primeiros passos para um jornalista iniciante
escrever um livro-reportagem?
R – Primeiro, seria
bom escrever reportagens até ficar bom nisso, antes de pensar em
livro-reportagem.
No seu livro há uma coletânea de textos sobre suas
coberturas no Chile, na Argentina, em Portugal e em outros países. Qual destas
coberturas te marcou mais?
R – Cada uma delas em seu momento, mas eu destacaria o drama
da falta de liberdade política em Cuba e a luta das mães dos presos políticos
na Argentina.
Você esteve em Cuba,
em 1977. Em sua opinião o regime socialista cubano ainda influencia muito a
esquerda latino-americana? Você acha que Raúl Castro simboliza uma
possibilidade de grandes mudanças políticas no país?
R – Influencia cada
vez menos e isso é bom. Não seria bom vermos mais “Hugos Chávez” em nosso
continente. Sobre Raúl Castro, vejo como inócua a liberação da compra de
eletroeletrônicos para a população. O que eles precisam é de liberdade política
em primeiro lugar, e não celulares.
Vamos falar um pouco da política nacional atual. No governo
Lula temos visto vários problemas de ética. É o uso de cartão corporativo, o
dossiê e outros imbróglios. Você acha que a imprensa tem acompanhado bem estes
casos?
R – De modo geral,
sim. Receio que deve ficar claro que cada jornal tem sua linha editorial, que
pode dar em cada caso um enfoque diferente. O fato é que o governo parece uma
máquina de arranjar problemas. E estes certamente viram notícias.
Na sua visão a imprensa cobre o governo Lula da mesma forma
que cobria o governo FHC?
R – Não acho que
exista imprensa como um todo homogêneo. A Folha é diferente da Rede Globo, que
é diferente do Estadão e por aí vai. Logo não dá para responder de forma
generalizada. Não faz sentido por exemplo o PT se sentir “perseguido” pela
imprensa. Na época do FHC tudo era noticiado também.
Em sua coluna do dia 21 você fala sobre o espetáculo no qual
se tornou o caso Isabella Nardoni. Você acha que a culpa disto são os próprios
jornais ou a própria demanda do público-leitor, que se fascina com o caso?
R – A culpa maior,
como escrevi, é da polícia que vaza informações antes de investigar. Esta
execração pública beira a barbárie que podemos atribuir às informações vazadas
de forma imprudente.
Na sua coluna do dia 31 de outubro de 2007 você comentou a
escolha do Brasil como país-sede da Copa de 2014. Acha que o país tem preparo
para sediar uma Copa? Quando a escolha foi anunciada, poucas vozes ecoaram na
imprensa mencionando as possíveis dificuldades da realização de uma copa no Brasil.
Ao que você atribui todo este oba-oba que foi feito pela imprensa?
R – Vimos em alguns
veículos um clima de festa generalizada, mas ainda bem que o vírus da euforia
não contaminou a todos. Eu, que cobri a escolha, não fiz um “oba-oba”. Nem o
conjunto de textos da Folha.
Como você acha que está o mercado jornalístico atualmente,
para quem sai da faculdade?
R – O estudante de
jornalismo deve sair um pouco da “glamourização da profissão”. Nem sempre o
primeiro emprego é aquele que a gente mais cobiça. No início da carreira vale
até trabalhar em um pequeno jornal de bairro, principalmente para adquirir
experiência.
Nos cursos de jornalismo ainda se debate muito a questão do
jornalismo ser um 4º "poder". Você acha que é?
R – Não é nem nunca
foi. O jornalismo pode influenciar os desdobramentos da sociedade, mas está
longe de ser um “poder”.
Texto e imagem reproduzidos do blog: aureliojornalismo.blogspot.com
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