Publicado originalmente na Linha do Tempo do Facebook de Marcos
Cardoso, em 13 de abril de 2020
O poeta do Folha da Praia
Por Marcos Cardoso
Quando fui apresentado a Amaral Cavalcante ele ostentava uma
vistosa cabeleira encaracolada, um grosso bigode estilo Chevron, à Freddie
Mercury, e um ar de senhor poeta. O ano era 1982 e o Folha da Praia (assim
mesmo, no masculino, como ele gosta de designar) já era um jornal alternativo
de vanguarda e sucesso com apenas um ano de fundado. Aliás, todos naquela
redação caótica devotamente o chamavam de poeta. Eu, um estudante de jornalismo
no primeiro ano do curso, e um aprendiz da poesia, ficava admirado que um poeta
fosse o editor do jornal.
Com a autoridade e sensibilidade de um diretor de redação,
no dia do fechamento do jornal Amaral regia aquela turba de jornalistas,
intelectuais e malucos, fazendo-os produzir genialidades e excentricidades, ao
mesmo tempo que finalizava cada página com o carinho do pai que troca a roupa
do filho dileto para levá-lo a passear no parque. No caso, o rebento ia passear
na praia, todo fim de semana.
O editor colava delicadamente as colunas compostas no Jornal
de Sergipe e ilustrava os textos com um desenho a nanquim ou recortes de
antigos gibis, quando o autor não recebia o prêmio de ver estampada na sua
matéria uma foto de Fernando Souza, um mestre com a câmera na mão. Eu desenhava
uma tira de humor e também ilustrava alguns textos a nanquim. Depois, o nanico
finalizado ia para o fotolito e a offset de Ivan Valença.
Ilma Fontes, Fernando Sávio, Luciano Correia, Clara Angélica
Porto, Adiberto de Souza, Carlos Magno, Ezequiel Monteiro, Zé Augusto Araújo,
Carlos Walter, Augusto Aranha, dentre muitos outros velhos e jovens talentos da
escrita e do jornalismo que ali encontraram o canal para veicular suas ideias e
sonhos, eram os autores que davam conteúdo à publicação. Porque Amaral mesmo
quase nunca escreve nos veículos que edita.
À noite, sensação do dever cumprido e curtidos da praia,
onde o Folha era disputado por jovens de todas as idades e condições, muitos se
dirigiam, invariavelmente, ao Barbudo’s, o bar da hora, no calçadão da Atalaia,
onde Amaral Cavalcante conduzia o debate sobre literatura e, após um gole, um
trago de cigarro e uma cofiada no bigodão, antes de uma sonora gargalhada,
finalizava com recomendações sobre Proust, ele um reconhecido admirador de “Em
busca do tempo perdido”.
O jornalista tornou-se conhecido como poeta após a
publicação de “Instante amarelo”, em 1971, “poesia doce para uma atmosfera
amarga de péssimas lembranças”, na descrição de Luiz Antônio Barreto. “A
surpresa apresentada pelo novo poeta, logo acolhida pela crítica mais
autorizada, sacudia a literatura sergipana. Desde então, o nome de Amaral
Cavalcante jamais deixou de circular nos ambientes intelectuais de Sergipe”,
expõe o velho e bom LAB. Foi o único livro de poesia do bardo simão-diense.
Mas, também, para que mais?
Há um ano, escrevendo para o Observatório da Imprensa, de
Alberto Dines, ele resumiu num título como se descobriu cronista e o que
significa essa atividade recente que é a matéria-prima do presente livro:
“Entre o jornalismo e a poesia encontrei a crônica”.
“Este negócio de crônica é uma grande novidade para mim. Meu
chamego é a poesia. Mas ela não me quer, não me ama, torce o bico e me
recrimina. Diz que dá pro Baudelaire; que eu não cheiro a girassóis; que não
sei a Manoel de Barros uma insignificância de quintal. Malvada! A crônica me
serve como um cocar de guizos”, consola-se.
De um trauma fez-se o cronista. Era cobrador do Sergipe
Jornal e invejava a inacessível redação. Por isso “demorou meia vida para que
eu encarasse o presente sestro de escrever crônicas”. E alerta: “A literatura
universal não se apoquente: nada do que faço ameaça a segurança da Academia.
Não percam tempo os críticos em me justificar, não busquem os meus leitores me
alçar à condição de grande descritor. O que eu tento fazer, bêbado e
inconsequente, é conquistar o amor da poesia”. Ah, a poesia!
(Posfácio do livro “A vida me quer bem – Crônicas da vida
sergipana”, de Amaral Cavalcante – Edise, 2019)
Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Marcos Cardoso
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