Karla Monteiro lança biografia 'Samuel Wainer - O Homem que Estava Lá'
A jornalista mineira se debruçou sobre a trajetória do
icônico jornalista russo-brasileiro, com o assentimento da família
Por Patrícia Cassese
Karla Monteiro: nascida em Diamantina, é autora de
“Karmatopia: uma Viagem à Índia” e coautora de “Sob Pressão: a Rotina de Guerra
de um Médico Brasileiro”
"Sou da geração que devorou 'Minha Razão de Viver'“, assume Karla Monteiro, referindo-se à autobiografia do jornalista Samuel Wainer (1912-1980), lançada postumamente, em 2005, pela editora Planeta do Brasil. "Na faculdade de Comunicação (eu fiz PUC-Minas), quem não tinha dinheiro para comprar, pedia emprestado, 'xerocava'... Todo mundo leu. O livro foi um grande best-seller, com mais de 200 mil exemplares vendidos", relembra ela, que, no curso da citada leitura, se encantou com a trajetória singular do russo-brasileiro fundador do antológico "Última Hora".
Diploma na mão, Karla passou 20 anos atuando em redações. "Trabalhei na 'Veja', na 'Folha', no 'Globo', na editora TRIP, em revistas variadas da Abril", enumera ela. "Aí veio 2013, depois veio 2014, 2015...E, para mim, repensar o papel da imprensa foi se tornando cada vez mais urgente". Mas foi no final de 2014, quando viajou com João Wainer, neto de Samuel, para a Indonésia, para cobrir o caso Marco Archer (referindo-se ao brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira, condenado à pena de morte na Indonésia, em 2004, depois de ter sido preso ao tentar entrar no país com 13,4 kg de cocaína dentro dos tubos de uma asa-delta) para a "Folha de S.Paulo", que, certo dia, numa paradisíaca praia de Bali, conversando com ele sobre a situação do Brasil, levantou a hipótese de biografar Samuel Wainer. "E ele disse: 'E por que não?'".
Nascia, ali, o embrião do livro “Samuel Wainer - O Homem que Estava Lá” (Companhia das Letras), que Karla lança nesta quinta-feira (24), às 20h, em mais uma edição virtual do projeto Sempre um Papo. O evento vai contar com a participação do jornalista Pagê (Paulo Jerônimo de Sousa), presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). A transmissão ao vivo acontece no Youtube, Instagram e Facebook do projeto. Confira, a seguir, alguns trechos da entrevista concedida por ela ao Magazine.
Após essa citada conversa inicial com João Wainer, como o
projeto foi se desenovelando? Ao regressar ao Brasil, fui falar com Danuza Leão
(que foi mulher de Samuel) e os filhos do casal, Pinky e Bruno Wainer Danuza e
Samuel tiveram um terceiro filho, Samuel, ou Samuca, que faleceu aos 29 anos,
em 1984, em um acidente em Araruama, RJ). A família me cedeu todo o arquivo
pessoal, com milhares de documentos, sem nunca perguntar nada. A família Wainer
é muito elegante. Jamais fez qualquer interferência. Obviamente o arquivo
pessoal foi só o começo de uma pesquisa que durou cinco anos.
Neste percurso, qual foi a etapa mais intrincada, espinhosa?
Depois de assinar o contrato com a Companhia das Letras, em agosto de 2015, eu
me vi em frente ao Monte Everest, sem equipamento intelectual para subir até o
topo. A biografia de Samuel Wainer é épica, cobre a história do Brasil da
revolução de 30 até 1980, passando por uma infinidade de golpes, contragolpes,
tentativas de golpe e duas ditaduras, o Estado Novo e a ditadura militar. Como
jornalista e como o homem de três presidentes, Getúlio, JK e Jango, Samuel
esteve nos bastidores do poder, entremeado nas lutas políticas que marcaram o
século 20. E, para traçar o seu perfil, eu precisava traçar o perfil do país.
No começo, eu não tinha método, ia lendo livros, jornais, entrevistando
pessoas, sem nem mesmo saber como organizar a pesquisa. Com muita perseverança,
fui achando o meu caminho. Transformar uma vida em um livro é uma tarefa árdua.
Mas também muito prazerosa. Após me encontrar no trabalho, eu me entreguei. Por
cinco anos, vivi a intensa vida de Samuel Wainer.
A seu ver, qual o grande trunfo do seu trabalho? Acho que é
ajudar o leitor a compreender o Brasil de hoje e a formação da nossa imprensa.
Para mim, foi impactante entender como o país repete padrões, que culminam
sempre em perda de democracia. Agora, na minha opinião, com uma pitada de
chanchada.
Que aspecto da persona dele te surpreendeu, e que você
desconhecia? Samuel Wainer me surpreendeu a cada página. Foi um homem do seu
tempo, com todas as contradições humanas e implicações do poder. Sobre todas as
coisas, foi um visionário e um sonhador. Um de seus amigos mais próximos, o
aristocrático Baby Bocayuva Cunha, o definiu assim: “Filho do raio com o
trovão, sem pai nem mãe, capaz dos gestos mais nobre e dos mais terríveis”. E
outro amigo, o imortal da ABL Francisco de Assis Barbosa, costumava chama-lo de
“Macunaíma Hebreu”. Passei cinco anos debruçada sobre a biografia de Samuel e
não me cansei dele. É fascinante justamente porque nunca foi santo ou pretendeu
ser.
Depois de todo esse processo imersivo, como descreveria
Samuel Wainer? Concordo com Francisco de Assis Barbosa: um judeu macunaímico,
que encarou uma luta de vida ou morte com os grandes barões de imprensa. Ao
introduzir no seio da grande imprensa, hegemonicamente liberal e conservadora,
um jornal de orientação trabalhista e nacionalista, Samuel comprou a briga de
narrativas. A cadeia Última Hora, que chegara a ter jornais em sete capitais,
disputou nas bancas a versão dos fatos, o lugar de fala, para usar o termo da
moda. Em 1964, a "Última Hora" foi o único grande jornal a estar do
lado de João Goulart, contra o golpe militar. Para mim, esta foi o maior
contribuição de Samuel Wainer para a democracia brasileira: desafiar o discurso
único, a “história única”, para usar este termo da escritora nigeriana
Chimamanda, ao discorrer sobre o lugar de fala hegemonicamente europeu na
literatura europeia.
Em 2020, a estatura dele é reverenciada à altura merecida?
As novas gerações não conhecem Samuel Wainer. Como disse, a minha geração devorou “Minha Razão de Viver”,
sua autobiografia. Samuel é um personagem único. Tem que conhecer.
O que ele estaria achando de tudo isso que estamos vivendo?
Certamente Samuel Wainer teria estado ao lado de (da ex-presidente) Dilma
Rousseff (que sofreu impeachment e deixou a presidência da República em 2016),
como esteve ao lado de Jango, de Getúlio (Vargas). E certamente estaria lutando
com unhas e dentes contra (o presidente Jair) Bolsonaro. Ele sempre defendeu
que jornal tem lado, e assumia o dele. Nunca acreditou no ponto de vista
neutro, sabedor de que a notícia é influenciada por fatores econômicos,
sociais, ideológicos. Sobretudo, perseguiu a vida inteira os ideais
trabalhistas e nacionalistas.
Imagino que a pandemia tenha alterado o curso natural que se
segue ao lançamento de um livro, como a participação em eventos literários,
feiras, etc. O que pretende fazer, no caso? Certamente não é ideal lançar um
livro em meio a uma pandemia. Mas estamos tentando amenizar a falta de eventos
literários com participações em eventos virtuais. O livro será lançado oficialmente
dia 29 deste mês, às 19 horas, na série “Encontros - Folha de SP e Companhia
das Letras”. Trata-se de uma série de mesas virtuais que reúnem escritores e
jornalistas da "Folha". No lançamento de “Samuel Wainer – O Homem que
Estava Lá”, o convidado é Sérgio Dávila, o diretor geral do jornal.
Pensa que esse material poderia ser transposto para outros
formatos, como minissérie? Já há algo delineado? Ainda não existe nenhuma
conversa com o pessoal do cinema, da TV. Mas espero que sim. A vida de Samuel
Wainer é uma saga cinematográfica.
#SempreUmPapoEmCasa com Karla Monteiro e Pagê
Dia 24 de setembro, quinta-feira, às 20h, no canais web do
Sempre Um Papo: Youtube, no Facebook e Instagram
Informações: www.sempreumpapo.com.br
Texto reproduzido do site: otempo.com.br
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