O prestígio da Folha e de seus filhos
Media watcher
Por Sinval de Itacarambi Leão
Os barões da imprensa brasileira na Velha República, até
Getúlio, tiveram perfis bem diferentes dos refundadores da Folha de S. Paulo,
comprada em 1962, pelo empresário e milionário Octavio Frias de Oliveira, e
transformada no maior jornal brasileiro dos últimos 60 anos.
A aura criada em torno de “seu Frias”, como ele gostava de ser chamado, e seus dois filhos, tem uma cronologia marcada por escolhas decisivas. A primeira pedra da reforma, já em 1972, em pleno período da ditadura à qual a indústria jornalística brasileira aderira, exceto poucos jornais ligados ao trabalhismo, Octavio Frias aceitou ser o titular de uma cátedra de jornalismo batizada com seu nome. A cátedra fora criada pelo professor José Marques de Melo, na FIAM, e tinha por escopo prestigiar o jornalismo profissional. Marques de Melo, talvez o maior pesquisador das ciências da comunicação na 2ª. metade do século 20, no Brasil, acertou em cheio em sua intuição, pois a aceitação de Frias batia com o sonho dele de transformar a FSP num prestige paper, como o eram o NYT, o WP, El Clarín e Le Monde.
Atitudes de Octavio Frias já trilhavam nesse sentido. A primeira dela foi, em 1963, a contratação de Cláudio Abramo que fizera, na década de 50, a reforma do Estadão, imediatamente replicada no Rio pelo JB, apresentando ao Brasil o new journalism do pós- guerra. Outro lance de Frias foi acolher em posições estratégicas, jornalistas detonados pelos militares. A criação da sucursal do Rio com José Silveira (ex-JB) e a de Recife sob o comando de Calazans Fernandes, braço direito de Paulo Freire no trabalho pela alfabetização do nordeste, constituíam pequenas ousadias, assim como os convites a Washington Novaes, Alexandre Gambirasio e Antonio Pimenta para a trabalharem no jornal. A Folha da Tarde em 1967 foi uma ousadia grande, criada enfrentar o Jornal da Tarde, dos Mesquitas e dirigido por Mino Carta. Sob o comando de Jorge Miranda Jordão, ex-Última Hora do Rio de Janeiro, virou um laboratório de jovens talentos, donde saíram grandes jornalistas como Raimundo Pereira, Tonico Ferreira, Luiz Roberto Clauset, José Maria dos Santos, Italo Tronca, os irmãos Caruso, Luiz Penafiel, Frei Betto e Rose Nogueira. A experiencia foi abortada em 1969 após o assassinato de Carlos Marighella.
A segunda pedra da reforma, tem data: 1976 quando Abramo destina a página 3 do jornal para ser um espaço de Tendências e Debates, como o é até hoje. Para a intelectualidade uspiana, amordaçada, para os sindicalistas e vozes da sociedade civil incipiente, a página 3 da FSP virou um espaço de pluralidade, independência e sonho de democracia. Seu Frias nunca acreditara que o futuro presidente Figueiredo, parido nas engrenagens da repressão (SNI) pudesse organizar a volta dos militares aos quartéis, mas apostou na abertura futura. Que ela viria, viria. Ele já assistira, em 1945, a deposição de Getúlio Vargas.
Três datas são importantes: 1980, anúncio do Projeto Folha; 1984, a adesão inconteste da FSP ao movimento popular das “Diretas Já” e, 1986, quando a Folha passou a ser o jornal de maior circulação do país.
O Filho da Folha
Otavinho era o mais improvável reformador de jornal que seu Frias, agora pai, poderia ter escolhido. Por estar seguro interiormente de poucos conhecimentos que tinha absoluta certeza, sabia que seu pai estava certo, ao ler o futuro do país e a vocação do jornal. Por último, tinha domínio pessoal sobre suas limitações para a função, já que o teatro e a literatura eram mais sua cara que o jornalismo.
Se fosse marxista, Otavio Frias Filho seria um dos intelectuais orgânicos de Gramsci para quem o sistematizador do saber tem de arcar com a responsabilidade prática de reproduzir ações hegemônicas na sua área de combate. Mas de suas leituras do curso de direito, autores ingleses do iluminismo, como Stewart Mill, precediam Marx e Engels, como provam os 3 volumes de O Capital que Abramo lhe presenteara e que ele confessa nunca ter lido. O novo diretor de redação foi buscar sua teoria da liberdade de opinião e imprensa em Mill, conforme Leão Serva confidencia, em artigo recente, na revista 451, dirigida pela viúva Fernanda Diamant.
O lançamento do Manual de Redação foi feita concomitante à criação de uma coluna e função inédita na imprensa brasileira: a função de ombudsman, um instrumento de defesa do leitor do jornal. Caio Tulio Costa, o 1º ombudsman nomeado com mandato, diz que houve uma pequena reação na redação, mas nada que significasse rebeldia.
Logo após veio o Manual de Redação, esse sim um norte que exigia alteridade e metas a seguir. Não se faz um manual de redação só com frases sobre liberdade de imprensa. Alinham-se antes postulados realmente estruturantes, por exemplo, a norma culta da língua, a fenomenologia do que o é fato sinônimo de notícia, a sintaxe da narrativa jornalística, e valendo para qualquer gênero literário do jornalismo, a ética e os marcos regulatórios da arte e do negócio de informar.
Paulo Francis que já acontecia no jornal, peitou o Manual e por algum tempo o duelo “Francis e Caio” tiveram audiências que se comportavam como torcidas de futebol. Com o tempo, as licenças poéticas concedidas a Paulo Francis tornaram-se extensivas a outros colunistas. Essa vitória do manual foi decisiva na melhora do produto, principalmente na interiorização do que era plural, factual e bem escrito. Ponto para Otavinho.
Sobre as "Diretas Já" vastamente coberto pela redação da Folha de SP há um comunicado significativo aos leitores da Folha em editorial: "Caiu a emenda, nós não".
Com o sucesso de banca e assinaturas, o jornal toma, em 1986, já na nova República, o rumo de manutenção do que havia conquistado. Três situações contrariam essa longa ascensão: a tentativa de empastelamento do jornal feita por ex-presidente Collor em 1990, segundo, o famoso almoço com Lula, em 2002 e, terceiro, a “ditabranda” de 7 de fevereiro de 2007. Sobre esses eventos sabe-se tudo que se precisa saber, pelas próprias explicações da redação da época.
Pedra sobre Pedra
A quarta pedra da reforma da FSP, foi o entendimento para onde caminhava a indústria da comunicação e informação. No início dos anos 90, do século passado, haviam dois sinais emitidos pelas vanguardas tecnológicas: o famoso Media Lab do MIT (Massachussetts Institute of Technology) cujo diretor de jornalismo Nicholas Negroponte tinha uma ascendência grande na ANJ (Associação Nacional de Jornais) do Brasil e a Feira Mundial de Equipamentos Eletrônicos de Las Vegas, onde se abasteciam as empresas brasileiras de rádio e televisão. O Vale do Silício, era referência obrigatória para quem procurava modelos de gestão futuros.
Há quem diga que a definição da criação do UOL, o Universo Online, foi uma dupla aposta do seu Frias. Primeiro na reciclagem da tecnológica que a empresa necessariamente já vinha fazendo, desde os anos 70, quando os primeiros computadores chegaram à Folha, e outro numa futura modelagem de sucessão na empresa e familiar também.
O UOL é filho de Luiz, o irmão mais novo que não só pôs o projeto em pé em 1996, mas arranjou sócios para viabilizá-lo. Na produção de conteúdos digitais, a Editora Abril foi um parceiro operacional importante. Luiz Frias levou o UOL a um IPO bem sucedido, em 2002, capitalizando-o para o mercado de meios de pagamentos e conexos, um dos ramos mais lucrativos da área de digitalização dos negócios financeiros.
Luiz fez fama no mercado publicitário. Inicialmente como estrategistas pois já nos 70, mais exatamente no 2º Congresso Brasileiro de Propaganda, quando atuou nos bastidores contra a BV, uma forma de comercialização esperta praticada por sete agências de propaganda que dominavam o espólio de verbas publicitárias destinada aos Diários Associados e Tupi, em dissolução após a morte de Chateaubriand.
Há de ressaltar, contudo, que o grande trunfo de Luiz foi a comercialização de assinaturas da FSP, notável nos ano 80 e 90. Serviu para consolidar a liderança do mercado leitor, mas muito mais prestou-se a ostentar uma independência editorial, um dos objetivos do grupo. Com disciplinadas e combativas equipes comandadas por Enor Paiano, e depois por Flávio Pestana, a FSP foi líder de vendas de assinaturas, e ressalte-se, coadjuvadas por campanhas memoráveis de propaganda da qual a mais famosa “Rabo Preso com o Leitor”, em 1994, fez história na propaganda brasileira.
Outro ponto de excelência na gestão de Luiz Frias teve em Pedro Piciroli Jr, engenheiro recém-formado pela Poli, no final da década de 60 e que pilotou os planos de modernização da empresa, começando com os primeiros computadores e depois na implantação do parque gráfico do Tamboré, inaugurado já na década de 90. Pedro se notabilizou na invasão pela PF de Collor, numa tentativa de empastelamento moral do jornal.
Centenário em tempos de pandemia
A Folha de São Paulo nasceu no ano em que a pandemia da gripe espanhola terminava. Também ela completa 100 anos. Ao celebrar seu centenário, a FSP, hoje, é considerada um dos “prestige papers” globais mais admirados pelos seus pares, assim como o NYT, WP, The Times, El País, e outros jornais da Europa e Leste Asiático.
O Grupo Folha, tem um ativo tecnológico, o UOL, que do ponto de vista competitivo o torna mais robusto para passar por mudanças velozes a que o empresariado, inclua aí a indústria da comunicação, estão em pleno processo. A pandemia pode conturbar as decisões e apostas nessa 3ª. década do século 21, mas não resta dúvida que o UOL, dentro da imprensa brasileira, é a primavera de um sonho semeado pelo “seu Frias”.
Texto e imagens reproduzidos do site: portalimprensa.com.br
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