Artigo compartihado de post do Facebook/Clara Angelica Porto, de 22 de abril de 2025
Sem Ivan Valença, a coleção de saudades vai ficando muito pesada
Por Clara Angelica Porto
Estava na Associação Atlética, numa daquelas festas maravilhosas, com orquestra e muita dança. Alguém me bate no ombro. Quando me volto, vejo Ivan Valença. Conhecia-o, claro. Era editor da Gazeta de Sergipe, onde trabalhava meu irmão, Nino Porto. A Gazeta de Seu Orlando, amigo de papai. Tinha fama de um bonachão que se escondia por trás de uma cara fechada.
“Ôi menina, como vai minha mais nova colunista social”? O quê? Ele sorriu e disse que não valia dizer não. Que era muito boa e tinha que ser jornalista e ele me queria lá. Disse que teria que falar com meu pai. No outro dia, liguei para o jornal e ele pediu para eu ir lá. Fui. Apresentou-me a seu Orlando como filha de Newton Porto e irmã de Nino Porto. Seu Orlando me olhou por cima dos óculos e disse: O pai dela já ligou pra mim. Pronto, eu já sabia então que todas as condições já haviam sido esclarecidas. Alívio. Estava morrendo de vergonha de dizer que não podia entrar na redação, e todos os motivos que meu pai alegara. Só havia homens no jornal. Seu Orlando de pronto impôs todas as condições. Ivan só ria e me olhava. Eu parada, envergonhada.
Foi assim que comecei uma relação que duraria além do tempo que trabalhei na Gazeta, com Ivan Valença. Ele era louco por cinema e sabia que eu também. Quando inventaram o vídeo cassete, ele me procurou e mandou eu comprar um, já tinha o preço e o lugar mais barato e que me ensinaria a usar e levaria um filme que havia sido proibido pela igreja católica para eu ver. Comprei no mesmo dia. No dia seguinte, ele chegava em minha casa na 13 de julho com o filme proibido. Fiz uma pequena reunião, que incluía Silvinha Madureira, que virou saudade, e o noivo, que virou marido para ver o filme.
Passava toda semana na locadora e pegava os filmes quase sempre recomendados por Ivan com Aninha, a mulher dele, que eu já conhecia e amava. Irmã de Thaís e Tânia Noronha.
Uma vez Ivan escreveu uma matéria linda sobre mim. Admirávamo-nos mutuamente. Nunca pensei que ele me reconhecesse tanto, até ler a matéria, grande, cheia da história de mim.
Quando ocorreu o 11 de setembro, Ivan entrou em contato comigo, que morava em NY e pediu meu relato. Ainda transtornada, contei-lhe tudo, inclusive a experiência de meu filho, que estava lá na hora.
Quase não via Ivan Valença mais. Ensaiei várias vezes visitas, uma vez cheguei na porta da casa onde ele estava, e voltei. Disseram-me que ele não reconhecia mais as pessoas e não tive coragem de vê-lo assim.
Sou muito frágil para o sofrimento das pessoas que amo e admiro. Carrego razoavelmente bem minhas cruzes, mas meus joelhos fraquejam diante das dores de quem muito aprecio.
É como a morte. Quem acredita no Deus de Espinoza, crê no princípio e no fim. Que tudo é energia. Geralmente são pessoas tranquilas em relação à própria morte. Mas a morte daqueles que amo me abala muito. Mesmo pessoas com quem não convivo com frequência. É como se o mundo fosse ficando mais apertado, com menos significado.
Aprendi tanto com Ivan. Resingávamos às vezes. Você está trazendo a coluna tarde. Tarde o que, Ivan? E 4 horas é tarde? Eu estudo de manhã. Está falando muito de política, vai se lascar. E me lasquei. Tem muito poema no quadro para você. Só trabalham de verdade depois que você passa aqui. Vou apagar os poemas (de Ezequiel Monteiro) todos os dias às 3. Se você fizer isso, não falo mais com você. E eu com isso? Então não escrevo mais. Tem uma fila esperando. Ai riamos muito, ou Nino saia da redação e gritava, parem com isso que a gente quer trabalhar.
Eu ia embora feliz.
Eu gostava muito de Ivan Valença. Acho que todos que o conheciam, todos os jornalistas, também. Acredito que todos discutiam com ele também. Era quase um jeito que ele tinha de gostar das pessoas. Dizia as coisas e saía rindo. Uma presença sempre notável. Na época do jornal O Quê, voltei a conviver com ele, pois ele imprimia nosso jornal. De novo brigávamos por hora. De novo riamos. Lembro que em um desses momentos disse a ele que foi aquele momento na festa da Atlética que definiu minha profissão. E agradeci. E agradeço, Ivan, ter lhe conhecido, ter aceito o seu convite e ter tido o privilégio da sua amizade. Obrigada também pelos belos filmes que eu via quase antes de todo mundo por aqui, por causa de você. Obrigada, Ivan, muito obrigada.
Texto reproduzido do Facebook/Clara Angelica Porto
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