domingo, 22 de outubro de 2017

Entrevista com Augusto Nunes.


Assessores na visão dos jornalistas: entrevista com Augusto Nunes.

Augusto Nunes é um jornalista brasileiro. Atualmente é colunista da Revista VEJA, apresentador do programa Roda Viva, do “O Livre da Band MT” e colunista da Jovem Pan.

Nosso repórter, Raony Coronado, conversou com o jornalista. Acompanhe como foi a entrevista:

Como que os jornalistas têm essa visão dos assessores?

Eu vou dar a visão geral. Não é a minha em particular, mas eu vou dar a visão geral e vou tentar explicar o porquê. Os assessores de imprensa ainda não aprenderam o seguinte: eles lidam com informações que deveriam servir no melhor sentido de moeda de troca. Você passa uma informação para o jornalista e naturalmente vai ter a simpatia dele. O que nós buscamos é informação. O problema dos assessores brasileiros é que eles colocaram na cabeça que eles têm de esconder informação, coisas que as empresas pedem. Eu digo isso como quem trabalhou com a área de comunicação social do Bank Boston, onde fui o vice presidente de comunicações.

Então, por exemplo, se você tem uma grande aquisição em curso, dá uma pista pro jornalista dizendo: “Olha, posso te dizer o seguinte, eu sou assessor e vai sair um grande negócio, anota aí. Vai ser na área tal”. Você tem que ter a confiança do jornalista, e ele tem que confiar em você como assessor. Você não precisa ter a fonte de um jornalista com quem se relaciona bem em um jornal, pode ser em todos e vai dividindo as informações. O problema é que se você sabe de uma aquisição em uma determinada área e liga para o assessor, ele vai negar.

Então, você passa a ter no assessor de imprensa, não um aliado como deveria ser porque ele é jornalista, mas como uma pedra a contornar no seu caminho em busca da informação. Do jeito que as coisas se dão no Brasil, são duas profissões diferentes: o jornalista e o assessor. As duas dignas, respeito todas, mas são profissões diferentes pelo seguinte: um trata a informação o outro quer reter, só dá o que interessa ao patrão.

No caso do Carlinhos Brickmann, que foi o assessor do Maluf, é a grande exceção que eu quero citar. Ele ajudava: arrumava entrevistas, coisas que também difícil assessor arrumar, ele que dava frases, declarações do Maluf e ele dava novidades, mesmo quando algo de errado ou grave acontecia. Ele não tentava abrandar isso. Ele partia dessa premissa: o Maluf tem imagem de corrupto, e trabalhava a partir daí. Agora, se você tem um cara que é assessor do Maluf e fala: “Não, ele é honestíssimo…” aí você para de conversar.

Quando eu estava no BankBoston eu vivi a seguinte situação:  passei a me concentrar na aventura de um documentário que era a maneira de divulgar o Boston, 50 anos de Brasil. Passei um ano e meio lá dedicado a isso. Por quê? Porque acontecia episódios assim, vou te dar um como exemplo:

Eu comecei a perceber que o pessoal viajava muito do Bank Boston para Boston, onde ficava a sede, onde trabalhava Henrique Meirelles que era presidente mundial. Então era natural que o pessoal daqui fosse pra lá e eu ia também, várias vezes. Mas nunca mais trataram desse assunto. Quando aumentou demais o trânsito, alguma coisa tava acontecendo e ninguém falava nada, era tudo cochichado e tal, tinha reunião da diretoria e não me chamavam. Eu fiquei atento. Eles me chamaram em um dia qualquer, à noite, o presidente e ele assustadíssimo falou: “Olha, nós estamos comprando o Banco Noroeste e O Globo vai dar”. Falei “E aí, não pode dar porque pode melar o negócio, tem que esperar mais um dia”. Eu, honestamente, liguei pro Merval que é meu amigo e falei Merval vou te pedir um negócio que nunca te pedi: vou pedir para você adiar por um dia a publicação da matéria sobre o Banco Noroeste e eu te prometo que em troca disso, amanhã eu te dou todos os bastidores, porque antes eu falei com a direção. Falei: “Vou fazer o pedido só que tem uma compensação com O Globo por não dar o furo, merece dar os bastidores”. Eles toparam e eu falei com o Merval e ele falou: fechado. Eles adiaram por um dia a publicação da notícia, mas dois dias depois uma matéria que ninguém tinha negociação, se propôs quanto custou de fato, então valeu a pena. Só que naquele momento eu percebi que estava lá para ocultar a verdade e não é a minha vocação. Aí eu decidi sair. Eu já tinha percebido que não era o meu negócio, isso foi a gota d’água. Porque não teve um segundo telefonema pro Merval nem pra ninguém.

Essa é a maneira pela qual as empresas tratam o assessor. E se o assessor aceitar isso, está numa outra profissão, não tem jeito.

Agora, poxa, passa a notícia, entende? Foi o que propus no BankBoston, eles não queriam passar nada. Vão me dando notícias que eu vou distribuindo, vai uma pra Folha, outra para o O Estado… Eventualmente passa para os dois, com outro enfoque… Eu saberia lidar com isso, mas eu não recebia notícia nenhuma. Ou seja, eu era o mais desinformado sobre o que se passava no Bank Boston.

Esse que é o tratamento e não precisa ser assim. O cara pode continuar sendo jornalista trabalhando como assessor. Como são os assessores de presidentes da República dos Estados Unidos. Você liga para eles e eles não vão dar mais informações que você tem, mas eles falam que você está no bom caminho. O grande assessor de imprensa de política é esse: você fala ” tal coisa” e ele fala “tá”, não desmente. Não precisa dar nada a mais, só impedem você de publicar bobagem. Mas é que você liga para o cara e fala: “Ó, tô sabendo que o Lula tem um sítio em Atibaia” e o cara vai falar “Não, não tem”. Aí não dá! Pode até falar “Não, mas não é dele”. Tudo bem. Mas se não confirma que não tem um sítio em Atibaia, aí não dá pra começar a conversa.

O assessor do presidente da república é o caminho mais curto para você não conseguir uma entrevista com o presidente. Não querem que o presidente fale. Aqui não se dá entrevistas coletivas, você só vê aquele papo, em meio a floresta de microfones em que os jornalistas estão mais interessados em mostrar o logotipo do veículo.

Falei uma vez pro Sarney, que a maneira mais fácil de matar um presidente da república aqui do Brasil é colocar um revólver dentro de um microfone e você mata com um tiro na boca. Coisa que nem os americanos conseguiram. Aí eu contei pra ele, nos EUA eles têm que fazer um baita esforço para matar o presidente. Aqui é só botar uma flecha ou uma bala no microfone e mata com um tiro na boca. Chamar pra entrevista do púlpito com um sorteio de jornalistas, isso eles não fazem.

Como que você acha que está esse relacionamento do jornalista com o assessor, hoje com as rede sociais?

Completamente frio. Em vez de aproveitar essa salada mista que são as redes sociais que só misturam boatos com notícia, interpretação com análise… É tudo bobagem. E em vez de aproveitarem essa confusão, para restabelecer a verdade? Não! Eles esquecem isso, eles não interferem. Eles só respondem quando jogam alguma matéria e lá vai a carta com o recado do assessor para a seção de leitores. O número de recados, notas na seção de leitores, assinadas por assessores é a comprovação do desastre que é a comunicação direta entre redação e assessoria. Porque senão você faria isso antecipadamente. Mas por que que o repórter já não procura o assessor? Porque ele nunca ajuda.

Se telefonar o cara vai desmentir antes. E não pode, no momento que você desmente com um fato, aí claro, tem coisas que você não pode publicar, tá? Ninguém soube que a Antarctica e a Brahma estava negociando a fusão. Tudo bem! Acho que o assessor tem mais é que esconder quando é um caso desse. Mas esses casos são raros.

Augusto, você recebe bem quando um assessor entra em contato com você por rede social?

Numa boa. Eu peço sempre que me ligue. Quando eu vejo o recado eu devolvo e falo que pode me ligar, liga pra cá, então. O cara que oferece, por exemplo, entrevista de um cara no Roda Viva, na Jovem Pan, ou Veja, eu peço pra me ligar. Eu peço pra me ligar. Eu trato muito bem, eu nunca nego entrevista, como o Anderson sabe, aliás a gente fez uma bela entrevista. Eu nunca dei como com você, porque eu tô com a agenda complicada, mas falamos.

Como eu te disse, eu trato como um profissional digno. Só que, aquilo que deveria ser uma profissão que mistura o trabalho empresarial com o de jornalista, passa a ser só uma atividade empresarial. Empresarial não, porque pode ser político também. Mas ele está sempre a serviço do lado que paga o salário. Não é bem assim, não pode ser assim. E eles dispõem de uma quantidade..

E tem os bons também, não é?

Tem, claro! Tem craques. Tem craques, mas eu estou falando de modo geral.

Você encontra barreira ao entrevistar alguém do partido político que você rejeita

Olha, interfere por culpa deles, por culpa deles. Todos os que foram do Roda Viva, que discordam de mim, foram tratados com muita generosidade e com educação porque eu sou educado. Agora, eu não abro mão do direito de ter a minha opinião. Mas aí são coisas diferentes. Quando eu trabalho em um blog, eu escrevo exatamente o que eu penso e ponto. Posso estar errado ou não. Posso ser mais agressivo ou menos. Quando apresento um programa como o Roda Viva, eu sou o apresentador, não me cabe emitir juízo de valor ali, nem sacanear o entrevistado. Quando faço a mesa equilibrada eu dou o mesmo tempo para todos. Lá eu sou apresentador, eu conduzo a conversa e opinião não me interessa. Mas no site, os leitores que me acompanham querem saber o que eu penso. Então eu acho que atrapalha porque o brasileiro, ele desaprendeu os convívios contrários. Democracia é isso. Eu tenho amigos que votam no PT e são mesmo amigos. Qual é o problema? Posso ter o direito de discordar ou não? É esse Fla X Flu imbecil que existe no Brasil que atrapalha tudo. As pessoas confundem a divergência com a inimizade.

Quanto esquerda e direta, eu sou democrata radical. O cara pode pensar o que quiser. Eu não tenho o direito de ficar bravo com a opinião de alguém. Isso é um absurdo. Eu convidei todos os meses, desde que assumi o Roda Viva eu convidei, o Lula e convidei a Dilma. E o Lula não vem desde 2005 por causa de uma entrevista de que eu participei, com os ex-entrevistadores, apresentadores do Roda Viva em que eu fiz as perguntas que ele não queria ouvir. Quando eu entrevisto alguém, eu não tenho medo, eu pergunto… Eu não quero saber se ele quer responder aquilo ou não. Perguntar não ofende, mas ele pode não responder, não fico bravo. E ele tem o direito de não responder, eu tenho o dever de perguntar porque eu estou representando o público. Agora, perguntar não ofende, posso perguntar? Responde quem quiser.

Com muitas informações fáceis hoje em dia pela internet, como você lida com “Fake News”?

Esse é um grande problema. Mas isso é que torna mais necessária a ação do assessor. Ele até fala: “Isso aqui é bobagem, isso é mentira”. Chega pra um jornalista de confiança e fala: “Pode dar isso aqui que eu te garanto que é verdade”. Ninguém quer ajudar desbastar esta selva. Não é o que acontece!

Você vivenciou algum caso assim? Com relação a notícia publicada por você e que não era verdade…

Não pra mim. O que acontece que é difícil identificar é que às vezes dá uma foto que não é daquele lugar, mas aí eu desminto. Eu me corrijo.Geralmente eu lido com opinião, então não tem… É mais fácil, né? É mais editorial do que uma reportagem, não é uma notícia, é um ponto de vista. Então é mais fácil comigo. As outras pessoas só dançam nessa

Imagina o seguinte: você vai se informar sobre o Lula com o Instituto Lula, não dá. Também não dá pra se informar com assessoria do Aécio, também não dá. Então assim, se você fala: “Se pergunta se a irmã do Aécio é verdade que foi presa?” provavelmente o cara vai dizer que não. Isso é o que eu digo, o fato ou problema…  o problema é que você tem que saber lidar com os fato.

Augusto, em sua opinião, hoje está muito mais fácil saber o que é uma notícia verdade ou o que que não é?

Eu acho que vai facilitar. Por enquanto estamos vivendo uma época de depuração em que se mistura tudo: verdade, mentira, versão, fato, tudo… Então o cara deve fazer o quê? Ele espera para ver o que o jornal vai dar porque o jornal ainda é mais criterioso. Ele faz a seleção das notícias e confere, mas eu acho que é o caminho natural porque não dá pra você… Você tentar evitar o crescimento das plataformas digitais é a mesma coisa que você sempre contra a vinda do verão, da primavera, não há o que fazer.

Agora eu acho que o caminho do crescimento dos sites e blogs é esse: você só publicar, pára com essa preocupação de soltar primeiro a alguns segundos, porque o outro vai hackear e apura e não erra para que os leitores que leem, por exemplo, que morreu o Bin Laden, ele não precisa esperar o jornal para ter certeza. Ele vai acreditar. Hoje, o cara espera. Então, eu acho que a tendência é irreversível. Crescer na direção do digital, mas precisa ter essa depuração de sites e que acho que vai acontecer normalmente. Os sites que inventam coisas, que não são confiáveis vão morrer e o que vai sobrar, aí sim, vai crescer pra cima de jornais e revistas.

E como que você considera que é o follow up feito pelos assessores? Chega a ser irritante ou alguns assessores controlam isso bem?

Alguns conseguem, mas são poucos. São poucos. Alguns fazem o trabalho direito. Quando você encontra esse tipo de assessor, você comete poucos erros na área dele porque você aprende a consultar. Você já pergunta pra ele e ele te orienta. Quando vier reclamação dos que não dão notícias e dos que não estão interessados em fazer com que você encontre a verdade eu não dou a menor importância e eventualmente nem atendo. Aliás, atendo sim. Atendo para dizer isso. Telefonou, por exemplo, o assessor do Lewandowski. Puto com um artigo que estava acompanhando a conversa, um discurso qualquer da Dilma, com um olhar abestalhado uma coisa dessas. Ele ficou invocado com o adjetivo e também porque eu falei que ele… Deixei claro que ele estava agindo para favorecer alguém em vez de fazer justiça e ele estava preocupado em retribuir favores. Aí o assessor ligou pra mim: “O Vinicius queria que você se corrigisse” eu falei “Não, ele pode escrever um texto e eu até publico, não precisa pedir direito de resposta”. Mas se eu discordar do que está escrito eu também publico uma réplica e ele tem direito a tréplica e vamos em frente. Ele falou: “Porque você o acusou de prevaricar”. E eu falei: “O que que é prevaricar?” Eu realmente não sabia. “Prevaricar é você deliberadamente tomar uma decisão para favorecer alguém”. Eu falei: “Então maravilha, agora eu sei o que que é! Então ele prevaricou!”. Eu perguntei a palavra e eu não sabia o que que era. Pronto. É isso aí. Então ele quer saber, está muito bravo, você disse que prevaricou. Então pode dizer pra ele que eu achei que ele prevaricou.

E nessa história que você contou, aí que vem a pergunta: você considera que você tem mais amigos assessores ou inimigos?

 Inimigos, sem dúvida! Um jornalista condenado tem poucos amigos, você não pode falar nada. Você não pode falar nada porque você faz isso, porque recebeu o dinheiro de fulano, assim, né? Dividido. Todos somos cafajestes na internet por algum motivo. Então não dou nenhuma bola para isso aí. Eu gosto de ser respeitado por gente que eu respeito também.

Texto e imagem reproduzidos do site: blog.comunique-se.com.br

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