Leonardo DiCaprio fotografado por Bruce Weber
para a capa de junho de 1994
Publicado originalmente no site Brasil El País, em 23 de maio de 2018
Adeus à ‘Interview’, a revista com que Andy Warhol sonhou (e
todos nós)
Publicação acaba depois de cinquenta anos e em meio a uma
complicada situação legal, mas deixa um legado incomensurável de capas
históricas e entrevistas estranhas e brilhantes
Por Guillermo Alonso
A revista Interview, fundada por Andy Warhol em 1969,
deixará de ser publicada este ano, depois de quase cinquenta anos em
circulação. Conhecida como “a bola de cristal do pop”, a publicação chega ao
fim em meio a um complexo processo de acusações e dívidas (um de seus últimos
diretores, Fabien Baron, reclama 600.000 dólares a Peter Brant, dono da revista
desde 1989). Um final triste e confuso para uma revista que sempre teve como
marca registrada exatamente o contrário: a alegria naif e multicolorida e uma
abordagem, tanto gráfica e quanto editorial, surpreendentemente simples (que é,
finalmente, o mais difícil de conseguir).
Existem duas coisas que chamam a atenção a respeito da
Interview. A primeira, as capas de sua era dourada, nos anos setenta e oitenta,
obra do falecido Richard Bernstein. Criador de uma espécie de proto-Photoshop,
Bernstein trabalhava sobre fotografias originais das celebridades entrevistadas,
destacava suas feições com lápis e pintava suas peles com cor pastel. Essas
imagens – já glamorosas por si mesmas – se tornaram o cúmulo do kistch, numa
espécie de aparição angelical que, uma vez na banca de jornal, não se parecia
com nenhuma outra capa.
O outro elemento reconhecível da Interview eram suas
entrevistas, sempre feitas por um famoso a outro, desenvolvidas (muito na linha
definida pelo próprio Warhol e sua forma de entender o mundo) como uma conversa
descontraída que se tentava plasmar em estado bruto na edição final. Assim, era
comum que uma conversa telefônica começasse com o entrevistador perguntando ao
entrevistado onde ele estava e como estava o tempo e acabasse com uma despedida
cordial. Às vezes, o famoso entrevistador era o próprio Warhol, claro.
Devemos-lhe aquela que é provavelmente a entrevista canônica da revista: a de
Diana Ross, em 1981, na qual, durante um almoço no restaurante do hotel
Carlyle, em Nova York, a conversa derivou para o cardápio e a comida.
ROSS: Por que não pedimos? O que vai comer?
WARHOL: Eu não entendo os cardápios em francês.
ROSS: Você não passa tempo na Europa, Andy?
WARHOL: Eu costumava ir à Alemanha uma vez por mês.
ROSS: Eu pensava que você fosse a Paris uma vez por mês.
WARHOL: Paramos em Paris quando vamos para a Alemanha.
ROSS: Então, como é que você não fala francês? Você deveria
entender o cardápio.
WARHOL: Tenho pessoas como Bob (Colacello) para fazer isso.
Depois acabaram pedindo um hambúrguer com batatas fritas
para cada um. A tendência continuou ao longo do tempo. Preste atenção ao início
da conversa entre Beyoncé (entrevistadora) e sua irmã Solange (entrevistada)
para a edição de janeiro de 2017.
BEYONCÉ: Você está cansada? Eu sei que você teve uma reunião
de pais na escola...
SOLANGE: Sim, tive de voar para a Filadélfia porque não
havia voos para Nova York. E agora estou dirigindo da Filadélfia para Nova
York. Bem, eu não estou dirigindo...
BEYONCÉ: Você tem de dirigir? Da Filadélfia?
SOLANGE: Sim, não é para tanto. É uma hora e quarenta
minutos.
Na última fase da revista (que Fabien Baron implantou uma
apresentação gráfica muito mais sombria), as perguntas continuavam sendo
espontâneas, mas já com o filtro da contemporaneidade sobre elas. A escritora,
apresentador e ativista transexual Janet Mock começou assim sua conversa por
telefone com Kim Kardashian West há apenas dez meses: “Eu ia começar
perguntando o que você faz, mas acabo de ver no Snapchat que você está com sua
filha North e que acaba de dar outro nome ao seu cachorro”.
A sensação que a Interview dava ao leitor era inaudita em
qualquer outra publicação: era a da proximidade, a de sentir como um igual as
estrelas de cinema, aristocratas e milionários que falavam sobre a vida
cotidiana, e também a de sentir como um igual os próprios autores daquela
revista, que faziam que seu trabalho (as entrevistas quase sem edição e
publicadas em estado bruto, as fotos coloridas à mão, o projeto gráfico aparentemente
simples e tosco) parecesse fácil. Que parecesse que nós mesmos podíamos fazer a
mesma coisa. Isso, para quem quer trabalhar no jornalismo, não tem preço. E
para isso, para nós que nos dedicamos a isso, a notícia do fim da revista é
especialmente triste. Centenas de celebridades apareceram nas páginas da
Interview, mas diante delas surgiram milhares de pessoas que sabiam que era
exatamente isso o que queriam fazer. Porque parecia um trabalho digno e
inspirador, mas, principalmente, parecia divertidíssimo.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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