HOMENAGEM A ALBERTO DINES > A CONSCIÊNCIA DA FUNÇÃO DO JORNALISMO
Maestro das redações
Por Equipe do Observatório da Imprensa em 23/05/2018 na
edição 988
Não haveria Observatório da Imprensa se não fosse Alberto
Dines. O reconhecimento desse fato é uma unanimidade entre os colaboradores
desta edição especial em homenagem ao grande mestre do jornalismo brasileiro,
que nos deixou no último dia 22 de maio. Pessoas que tiveram o privilégio de
desfrutar de sua convivência e amizade e testemunham sua dedicação à criação de
um projeto pioneiro de crítica de mídia no Brasil. “O Observatório da Imprensa
tem uma alma e essa alma tem um nome: Alberto Dines”, escreve Caio Túlio Costa
no texto “Entre o cosmo sangrento e a alma pura”, republicado nesta edição.
O Observatório da Imprensa é, assim, caso único de um espaço
de reflexão que, embora tenha nascido numa universidade, não é acadêmico. O
então reitor da Unicamp, Carlos Vogt, lembra em seu artigo “Ao Dines, com
Carinho” as circunstâncias que deram origem ao Laboratório de Estudos Avançados
em Jornalismo (Labjor) e ao Observatório da Imprensa durante um encontro entre
ele, Dines e Norma Couri em Portugal, no início dos anos 1990.
O jornalista e professor Carlos Eduardo Lins da Silva
discute em seu texto “Cadernos de Jornalismo e Comunicação do Jornal do Brasil”
a carência de espaços para pensar o fazer jornalístico fora da academia e a
importância de Alberto Dines como propulsor da crítica de mídia no país desde
os anos 1960, quando trabalhava no Jornal do Brasil. “O que Alberto Dines fez
durante boa parte de seus 60 anos nesta profissão foi criar, só ele e Deus
sabem a que custo, condições e oportunidades para se fazer jornalismo com
método e para se refletir o jornalismo com método”, uma tentativa de ‘somar
experiências com reflexão resistindo à tentação de fazer ciência’.”
A experiência impactou a academia, como lembra o professor
da Universidade Federal de Santa Catarina Rogério Chistofolletti, no seu
“Tributo a Alberto Dines.” “Os maiores projetos acadêmicos que me dediquei nas
últimas duas décadas têm claras inspirações no trabalho de Alberto Dines.”
O projeto de criação do Observatório da Imprensa foi sendo
construído durante a trajetória de Alberto Dines como jornalista nos principais
veículos brasileiros. Eugênio Bucci, no artigo “Aos 80 anos de um mestre”,
publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo, em 2012, enaltece o
trabalho incessante do jornalista. “Dines é a prova de que a experiência não
concorre necessariamente para diluir os princípios e de que o caráter não
esmorece. No caso do jornalista, o caráter alimenta-se da independência
intelectual e material, assim como se alicerça no cultivo da liberdade e do
espírito crítico – portanto, ganha vigor com o passar do tempo”.
A constituição de uma voz social única de crítica de mídia
no Brasil, a partir de Alberto Dines, pode ser observada na seleção de trechos
de sua autoria que fazem parte do ebook “Observatório da Imprensa, uma
antologia da crítica de mídia no Brasil de 1996 à 2018”. Pode-se ver ali o
exercício da parresía, o dizer verdadeiro na tradição do pensamento grego, tão
raro diante dos interesses em jogo em torno do jornalismo.
Este é um dos principais legados de Dines: conseguir
sustentar um projeto autônomo para se contrapor à tradição de uma mídia que não
se critica. “As grandes empresas de mídia brasileiras não querem que o seu
poder seja enfrentado por um contrapoder, mesmo que social ou público”, anotou
o mestre no início deste século.
Alberto Dines no programa Observatório da Imprensa em
dezembro de 2012. (Foto: Ana Paula Oliveira Migliari/TV Brasil/EBC)
Dines sempre fez de sua experiência um espaço de resistência
a todo tipo de censura. Luiz Eypto, editor do Observatório da Imprensa entre
1998 e 2015, reconstitui, no texto “A inspiração e a alma”, um conhecido
episódio envolvendo o jornalista nos anos 1970. A censura brasileira queria
impedir a publicação de notícias com fotografias e manchetes sobre o golpe
militar chileno que depôs Salvador Allende. “Dines perpetrou, no sufoco, uma
histórica capa sem foto e sem manchete, em quatro colunas de texto puro, de um
impacto inolvidável para quem teve a ventura de ver o JB exposto numa banca de
jornal naquela manhã distante. A edição virou item de colecionador.”
Um homem à frente do tempo que intuiu, como observa Carlos
Castilho, no texto “Um visionário por convicção e necessidade”, que “a
observação crítica da imprensa viria a se transformar numa necessidade
inadiável e insubstituível na era das fake news”.
A jornalista Norma Couri, no artigo “Ai, que terra boa pra
se farrear”, observa a relevância de um espaço como o portal do Observatório da
Imprensa no contexto do excesso de informação da sociedade contemporânea. “O
site é esse questionador, esse fazer pensar, essa pausa nas redes sociais, essa
releitura e essa recolocação do leitor no lugar de crítico e filtro daquilo que
deglute sem mastigar na mídia”.
Num depoimento recente a Norma Couri, também publicado nesta
edição, Dines explica que a escolha do nome do Observatório da Imprensa teve
como inspiração o físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976), criador da
mecânica quântica. “Ele dizia que, ao observar um fenômeno, você interfere no
fenômeno. Ao observar a imprensa, você interfere nela, sem mandar, sem
controlar”. E completa: “Preocupa perceber que a crítica da mídia
desenvolveu-se no Brasil, mas ganhou um certo viés ideológico.”
Como disse Luiz Egypto, entre os semeadores e os
coveiros, Dines alista-se no primeiro grupo. Foi um maestro das redações que
nos ensinou a fugir dos saberes estabilizados e da auto-complacência. Por essas
e outras, Dines é uma voz que fará muita falta ao jornalismo e à sociedade
brasileira. E sua trajetória é um convite a prosseguirmos
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Por Carlos Castilho em 23/05/2018 na edição 988
“Volta ao trabalho e não esquenta a cabeça”. Foi com esta
ordem que Alberto Dines, em agosto de 1970, me recebeu na sua sala de
editor-chefe do Jornal do Brasil, depois que passei quase três meses
desaparecido dentro de uma cela do DOI-CODI, no quartel da Polícia do Exército,
na rua Barão de Mesquita, no Rio de Janeiro.
Foi meu primeiro contato direto com um profissional que mais
tarde veio a se transformar num conselheiro e referência pessoal no jornalismo,
mesmo tendo ele me demitido do JB, onde eu era, até 1972, o responsável pelo
noticiário latino-americano na editoria internacional.
Dines tolerou o fato de eu ter sumido sem dar notícias e sem
que os militares explicassem o meu desaparecimento, mas foi inflexível ao não
admitir minha rebeldia contra um plantão de feriado, dois dias depois de ter
regressado do Chile, onde a crise no governo Allende me forçou a trabalhar sete
meses sem folga, como correspondente do JB.
Tolerância nas relações humanas e rigidez absoluta nas
relações profissionais. Foram estas as características que me levaram a
transformá-lo num ícone na profissão que escolhemos. Foram estas mesmas
virtudes de Dines que nos aproximaram anos depois, em 1997, quando, voltando de
um longo período no exterior, me ofereci para colaborar com o Observatório da
Imprensa e fui aceito carinhosamente por ele.
Nossa convivência no Observatório foi difícil, mas ao mesmo
tempo prazerosa. Difícil porque coincidiu com o início da era digital e nem
sempre concordamos sobre como a internet influiria no exercício do jornalismo.
Dura porque a sobrevivência do projeto dependia de financiadores e
patrocinadores, cujo relacionamento com o OI variava conforme os humores da
política nacional ou de estratégias internacionais.
Dines teve a intuição genial de publicar o OI na web em
1996, quase três anos antes dos grandes jornais entenderem que a internet era
muito mais do que um novo sistema de comunicação. A digitalização baixou os
custos, viabilizou a manutenção do site e permitiu que o projeto se
transformasse num ponto de encontro de jornalistas de diferentes idades,
experiências e posições ideológicas. Alguns desiludidos com a profissão,
calejados por sucessivas frustrações, e outros entrando no jornalismo, cheios
de gás, expectativas e ilusões.
Era uma tribo, meio anárquica e muito diferenciada, mas que
reverenciava unanimemente o seu cacique, cuja liderança levou o público do
Observatório a transferir a confiança e o respeito à pessoa de Alberto Dines
para a proposta de jornalismo crítico indispensável ao equilíbrio informativo
na era digital.
O empenho em promover a crítica da mídia foi,
paradoxalmente, tanto um fator determinante no crescimento da audiência do OI,
como o responsável pelo agravamento da crise de sustentabilidade do projeto. Os
jornalões do Rio e São Paulo, bem como a Rede Globo e o sistema estatal de
comunicação pública sempre mantiveram uma relação de amor e desconfiança em
relação ao Observatório.
As aflições pelo aumento das dívidas, cortes de pessoal e
pela incerteza sobre o futuro financeiro do projeto foram minando aos poucos a
inesgotável resistência física de Dines, mas ele continuava inspirando uma
confiança total em seus parceiros e subordinados. Sabíamos que divergências, às
vezes duras, nunca seriam motivo para represálias, porque ele seguia um código
de ética onde o profissionalismo sempre falou mais alto.
Fui um dos que o contrariou, algumas vezes, ao defender um
aprofundamento da opção digital, não apenas na produção, edição e publicação de
textos, mas também na adoção de novos paradigmas de relacionamento com os
leitores do Observatório, e no desenvolvimento de um novo modelo de
sustentabilidade do projeto, baseado na diversificação das receitas.
Dines deixa um legado único na história do jornalismo
brasileiro. Além de ser um profissional e intelectual ao mesmo tempo inovador e
conservador, teve a rara perspicácia de perceber que a observação crítica da
imprensa viria a se transformar numa necessidade inadiável e insubstituível na
era das fake news.
Carlos Castilho é jornalista.
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Observatório da Imprensa: Sempre vai valer a pena
Por Alberto Dines em 22/05/2018 na edição 988
Texto publicado originalmente no ebook “Observatório da
Imprensa: uma antologia da crítica de mídia no Brasil” de 1996 a 2018”,
publicado em abril de 2018.
Por Alberto Dines, em depoimento a Norma Couri
Quando me preparava para começar a escrever minha coluna
“Jornal dos Jornais” na Folha de S.Paulo, que estreou em 6 de julho de 1975, o
velho Octavio Frias de Oliveira pôs a mão no meu ombro e disse: “Você vai
arranjar muitos inimigos”. Dito e feito: eu os arranjei, e dentro da própria
Folha. A coluna foi a matriz do ombudsman, tanto que, mais adiante, quando a
Folha foi obrigada pelos militares a dar um recuo em sua ousadia editorial, em
1977, a minha coluna desapareceu. Por quê? Ela dava estímulo a certa rebeldia
dentro do jornal.
Mais tarde, a Folha criou a coluna do ombudsman e o fez na
mesma página 6 da minha coluna, aos domingos. E todos os ombudsmen tiveram boa
relação comigo, muitos viraram amigos; mas eles hoje têm uma proteção que eu
não tinha.
O jornalista brasileiro não está preparado para ser
criticado. Nos Anos de Chumbo, a Veja não publicou a notícia da morte da Zuzu
Angel e as ameaças ao Vladimir Herzog; os dois estavam sendo ameaçados e
recorreram a mim. Antecipei na minha coluna as ameaças. Muitos jornalistas se
chatearam comigo e uma colega me disse: “Você critica a censura, mas está sendo
um censor também”. Eu respondi: “Não, estou sendo um sensor”. Não há censura;
ao criticar você não está censurando ninguém.
Uma das razões por termos escolhido o termo Observatório da
Imprensa foi a inspiração do pensamento de um importante físico alemão, Werner
Heisenberg (1901-1976), o criador da mecânica quântica. Ele dizia que, ao
observar um fenômeno, você interfere no fenômeno. Ao observar a imprensa, você
interfere nela, sem mandar, sem controlar.
Preocupa perceber que a crítica da mídia desenvolveu-se no
Brasil, mas ganhou um certo viés ideológico. A nossa crítica no Observatório é
não ideológica. É a crítica do comportamento da imprensa do ponto de vista
puramente técnico-ético. Os colaboradores assumem o que escrevem. O grande
perigo da observação da mídia hoje é confundir o viés.
O Observatório tem grande preocupação com a concentração da
mídia; tínhamos uma pobreza enorme de mídia regional, de mídia comunitária — a
concentração em cima empurrando a concentração para baixo. E a imprensa
comunitária morrendo aos poucos, principalmente quando a TV Globo entrava e
ninguém podia competir com ela. Nossa briga ganhou pontos, deu frutos. Ainda há
muito campo para brigar.
O Observatório da Imprensa nasceu na internet, mas não nos
ajoelhamos diante dela. Subordinamos a tecnologia ao texto, e não o contrário.
É ferramenta, não deusa. O jornalismo existe há tanto tempo, desde a criação da
imprensa por Gutenberg, em mil e quatrocentos e lá vai pedrada, porque ele é
periódico, tem seu ritmo. Depois que acabou uma edição, começa outra. A
internet não conseguiu até hoje se periodizar, com algumas exceções. Enquanto
isso, nasceram experiências jornalísticas discretas e de alto nível, como a
piauí e a Serrote. As empresas jornalísticas poderiam estar produzindo muita
coisa desse nível. Há espaço para esse tipo de publicação.
No Observatório decidimos publicar tudo o que achamos
importante sobre mídia, pode ser da Folha, do Estado, do Globo, de onde for, e
se estiver em língua estrangeira, traduzimos. Já ouvi de muito leitor que nunca
mais leu jornal do mesmo jeito. Discutir a mídia é uma coisa que uma pessoa
simples pode fazer, para o bem e para o mal. O que nós criamos aqui foi uma
agenda de debates. Na América, pelo menos, fomos os mais avançados de todos.
Há um caminho que é o de oferecer alternativas de pensamento
e marcar presença, fazer história. Pensar grande. Ou fazer pensar. Se
conseguimos isso até aqui, nessas duas décadas de Observatório, valeu a pena.
Sempre vai valer a pena.
Um tributo a Alberto Dines
Por Rogério Christofoletti em 23/05/2018 na edição 988
Texto publicado originalmente pelo objETHOS.
Existem muitas razões para homenagear o jornalista Alberto
Dines, que morreu na manhã desta terça, 22. Ele ajudou a modernizar o
jornalismo brasileiro no século 20, insistiu em rigorosos padrões de qualidade
para as redações e foi, sem dúvida, o pai da crítica de mídia por aqui. Esses
três predicados já o colocariam em qualquer panteão dos maiores jornalistas do
nosso tempo, mas Dines não se orientava por esse tipo de vaidade e nunca parava
de trabalhar. O resultado foi uma vida plena, intensa e uma obra respeitável,
materializada em livros, ações e iniciativas para aperfeiçoar o jornalismo.
Antes mesmo de ser o homem à frente do Observatório da
Imprensa, que criou em meados da década de 1990, Dines já era uma lenda viva,
tendo passado por algumas das principais redações do país e participado da
modernização de outras. Poderia ter se acomodado na condição de honorável
profissional e evitado um conjunto enorme de brigas e dissabores com colegas e
com a indústria, mas Dines era um inquieto. Quando voltou de uma temporada em
Portugal, trouxe na mente e na bagagem o projeto que se converteria no mais
duradouro empreendimento de crítica de mídia da América Latina. O Observatório
da Imprensa não se desdobrou apenas em site, uma curta experiência de
fascículos impressos, e programas de rádio e televisão: tornou-se ao mesmo
tempo uma arena de debates sobre a mídia e a sociedade, e uma bússola para
gerações de repórteres, editores, pesquisadores e interessados no assunto.
Os maiores projetos acadêmicos a que me dediquei nas últimas
duas décadas têm claras inspirações no trabalho de Alberto Dines. Em 2001,
engatinhando na docência, criei o Monitor de Mídia na Universidade do Vale do
Itajaí (Univali), um observatório regional que não escondia as suas raízes:
lançava um olhar crítico sobre o jornalismo local intencionando colaborar com
seu desenvolvimento. Dines e seu melhor editor, Luiz Egypto, abriram generosos
espaços no site do OI para que aquela modesta iniciativa fora do eixo pudesse
prosperar. Oito anos depois, junto com outro mestre, Francisco José Castilhos
Karam, criamos na Universidade Federal de Santa Catarina o Observatório da
Ética Jornalística (objETHOS), espaço semelhante e que ainda se orienta por uma
ideia martelada por Dines: é preciso exercer a crítica para que o jornalismo
melhore.
Devo, portanto, muito à coragem, à inteligência, à
honestidade e ao rigor de Alberto Dines. Sua presença e ação foram
determinantes em outros momentos para a recente crítica de mídia no Brasil. Em
2004, a Rede Nacional de Observatórios de Imprensa (Renoi) surgiu a partir de
um chamado do professor Victor Gentilli no site do OI, e Dines foi um dos
primeiros encorajadores da união de laboratórios e projetos universitários que
aliassem ensino de jornalismo e crítica de mídia. Em 2006, o OI reuniu
observatórios de imprensa da América Latina para um evento em São Paulo,
permitindo troca de experiências e fortalecimento das iniciativas. O seminário
Redações de Vidro foi organizado por Carlos Castilho e sinalizou como era
possível tratar de qualidade e ética nas raquíticas indústrias jornalísticas do
continente. A própria insistência de Dines na manutenção do OI como um ambiente
democrático e importante para a evolução do jornalismo foi um gesto de
desprendimento pessoal e intenso comprometimento com a profissão que escolheu.
Nos últimos tempos, a saúde já não era mais a mesma, mas Dines mantinha uma
rotina de trabalho incomum para um octagenário.
O jornalismo brasileiro é resultado dos atos e das vontades
de muita gente, e Alberto Dines ocupa um espaço de honra nele. A crítica de
mídia – que ele praticou desde a década de 1970 – cresceu e se impôs como uma
possibilidade verdadeira de contribuição para o aperfeiçoamento técnico e
ético, e como enaltecedora da importância do jornalismo no plano da democracia.
Perdemos as pessoas, não as referências. Dines se foi, mas
Dines fica. Hoje, o farol se apagou, mas seu facho de luz apontou os caminhos a
seguir.
Rogério Christofoletti é professor de jornalismo
na UFSC e pesquisador do objETHOS
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Ai, que terra boa pra se farrear
Por Norma Couri em 22/05/2018 na edição 988
Texto publicado originalmente no ebook “Observatório da
Imprensa: uma antologia da crítica de mídia no Brasil” de 1996 a 2018”,
publicado em abril de 2018.
Da “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias, João de Barro e
Alberto Ribeiro fizeram uma paródia que a pândega Carmen Miranda cantou numa
marchinha de Carnaval, em 1937:
Minha terra tem lourinhas, moreninhas ‘chocolat’
Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá
Oh, que terra boa pra se farrear!
É isso o que veio à cabeça de muito jornalista quando a
internet virou terra de ninguém, onde as fake news imperavam, os dados não
batiam e as matérias entravavam no campo da dúvida do leitor. “Não sei se é
verdade… não sei se o autor é esse mesmo… mas aí vai” — seguiam seu caminho no
Facebook, no Twitter, nos e-mails e pelo WhatsApp. Se era ou não era, já tinha
ido, e assim nos afogamos/vivemos num mar de incertezas. Foi o que fez o
jornalista Farhad Manjoo, do New York Times, passar dois meses se informando
exclusivamente por jornais e revistas de papel, com alertas de notícias
desativados no celular e sem acesso a redes sociais. Para concluir que a
abstinência digital lhe deu mais tempo livre para questionar seu papel de
consumidor de conteúdo on-line.
O que é o Observatório da Imprensa? O site é esse
questionador, esse fazer pensar, essa pausa nas redes sociais, essa releitura e
essa recolocação do leitor no lugar de crítico e filtro daquilo que deglute sem
mastigar na mídia. Um site com credibilidade. Esta era a preocupação de Alberto
Dines desde o momento em que foi convocado para trabalhar no Jornal do Brasil,
no início dos anos 1960, quando decidiu montar um Departamento de Pesquisa com
redatores como Fernando Gabeira e Murilo Felisberto — este, que depois foi
fazer o Jornal da Tarde. Era uma escola de elite, com a função de abastecer o
repórter e produzir matérias de análise. Com esse recurso, o JB foi capaz de
enfrentar a TV Globo, fazendo pensar.
Dines sempre usou essa ferramenta na sua fértil profissão de
65 anos ininterruptos — e sempre pagou por isso. Desde os tempos do Diário da
Noite, quando, em janeiro de 1961, um grupo de anarquistas portugueses e
espanhóis sequestrou o transatlântico Santa Maria para chamar a atenção do
mundo para a ditadura salazarista que então persistia. Salazar a Franco eram
sobras do fascismo. Os sequestradores não eram da esquerda tradicional. Eram
anarquistas. Sequestraram o navio perto da costa brasileira, a cerca de 200 km do
Recife. E veio a ordem do Assis Chateaubriand para não dar uma linha nos
Diários Associados. “Nunca tinha recebido uma ordem assim”, Dines comentou.
“Não poder dar o fato, brigar com a notícia. Fiquei chocado.” Durante dois
dias, Dines decidiu dar o assunto na capa, na página central e na última
página, abrindo bem as fotos. “Demos um show, mas Chateaubriand tinha o mesmo
esquema de Salazar.” No terceiro dia, foi demitido. Mas o alarde do fascismo
estava dado.
Aconteceu a mesma coisa quando a censura decretou que
ninguém poderia dar manchete sobre a morte de Salvador Allende, no Chile, em
1973. Dines, editor-chefe do Jornal do Brasil, não teve dúvidas e publicou uma
página que fez história: uma capa de jornal sem manchete, mas com texto em
corpo grande, contando a história toda do “suicídio” de Allende. Três meses
depois, foi demitido. Foi este jornalista que ousou fazer no JB um “Diário das
ordens da censura”, rebelde, provocador, e que nos anos 1990 decidiu retornar
de Portugal, onde havia lançado meia dúzia de revistas da Editora Abril e
ocupava o lugar de consultor do prestigiado jornal Expresso.
Voltou ao Brasil para fazer alguma coisa pela imprensa do
país dele, onde não seria imigrante, e faria pensar. Num computador simples,
numa casinha alugada na Vila Madalena, em São Paulo, que se tornou sede da
empresa Jornalistas Associados, criou, em 1996, o Observatório da Imprensa
on-line, a exemplo de outro Observatório que já havia criado para os
portugueses. Contou com uma equipe de primeira linha, o ex-reitor da Unicamp
Carlos Vogt, os jornalistas Mauro Malin e José Carlos Marão, aos quais se
juntaram Luiz Egypto e, depois, a assessoria administrativa de Maria Luiza
Werle. O projeto deu tão certo que, dois anos depois, Dines estava na
televisão, ao vivo, como âncora de um programa semanal de boa audiência nas
escolas de Jornalismo e entre o público mais qualificado. O Observatório na TV
só foi retirado do ar à sua revelia, dezesseis anos depois.
O Observatório está aí, duas décadas depois. Não pode
morrer.
Norma Couri é jornalista.
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O pensamento de Alberto Dines
Por Equipe do Observatório da Imprensa em 22/05/2018 na
edição 988
As frases abaixo foram retiradas de alguns dos artigos
escritos por Alberto Dines nos 22 anos do Observatório da Imprensa. Os textos
integram o ebook “Observatório da Imprensa, uma antologia da crítica de mídia
no Brasil de 1996 a 2018”, organizado pelos jornalistas Pedro Varoni e Lucy
Oliveira e lançado em abril, durante evento comemorativo no Laboratório de
Estudos Avançados de Jornalismo (Labjor) na Unicamp, em Campinas. As reflexões
de Dines soam atuais, principalmente porque alguns problemas crônicos do
jornalismo brasileiro não só permanecem como se agravaram.
1. A supremacia do marketing hoje imperante na mídia
constitui uma das grandes ameaças à própria lisura com que é praticado o
jornalismo. O sensacionalismo exacerbado é uma destas ameaças, oriunda do
empenho em vender mais exemplares sem atentar para a qualidade e o compromisso
com a veracidade da informação. (20/12/1996)
2. Estamos assistindo a um processo de degradação
jornalística sem paralelo em nossa história. Com a cumplicidade dos
jornalistas-executivos, aqueles que nos seminários idolatram os leitores mas,
no dia-a-dia, massacram suas necessidades informativas e culturais mais
elementares. Pensam que estão apenas enterrando uma fase na vida da nossa
imprensa. Estão enterrando a própria noção de imprensa quando imaginam que se
pode fazer jornalismo sem jornalistas. (01/04/1996)
3. O presidente da República na comemoração dos 50 anos de
publicação de “Geografia da Fome”, de Josué de Castro. Versão da Folha de
S.Paulo: “Presidente diz que Estado não foi feito para atender aos pobres.”
Versão do Estadão: “Presidente diz que Estado só atende aos ricos.” No primeiro
caso está contida uma advertência aos pobres – o Estado não é para eles. No
segundo, uma crítica aos ricos – apossaram-se do Estado. O que é que o
presidente da República efetivamente disse? (20/10/1996)
4. O jornalismo pátrio hoje é basicamente reativo. Da
política à cultura, passando pela economia. E o recurso mais efetivo faz-se
fora do jornalismo – com pesquisas apressadas, metodologicamente levianas,
concebidas e realizadas por profissionais que obedecem a uma ética
diametralmente oposta à dos jornalistas. (20/11/1997)
5. A cobertura da morte do cantor country Leandro evidencia
e confirma uma realidade: nossa imprensa tornou-se irremediavelmente
monotemática e monocórdia. A combinação da notícia-espetáculo com a cobertura
saturada e intensiva desenvolvidas num ambiente onde impera o mimetismo e se
abomina a diversificação está criando uma das mais gritantes distorções do
nosso processo informativo. (05/07/1998)
6. O que existe, sim, em nossa mídia, é uma confraria às
avessas, processo inconsciente de imantação para ocultar as falhas,
deficiências e vícios de um sistema que já foi incomparavelmente melhor e hoje
está perigosamente comprometido. (05/02/1998)
7. Essa verdadeira iconofilia começou com a idéia simplória
e estúpida de que uma ilustração vale mil palavras. Repetida ad nauseam pelos
que não sabem escrever ou têm medo das palavras. Evidencia-se o contrário: uma
palavra, desde que adequada, desmoraliza qualquer imagem manipulada. (20/01/1999)
8. As grandes empresas de mídia brasileiras não querem que o
seu poder seja enfrentado por um contrapoder, mesmo que social ou público. As
grandes empresas de mídia brasileiras não querem que o seu formidável poder de
indução seja sequer argüido. As grandes empresas de mídia brasileiras estão na
contramão do processo democrático baseado na equação poder-e-contrapoder.
(20/09/2000)
9. Os 100 líderes comunitários das favelas cariocas
assassinados nos últimos anos mereciam reportagens menos burocráticas do que as
publicadas na última semana. Os favelados onde atuavam os conheciam. Mas o
resto da sociedade precisa conhecer esses 100 caídos: gente simples, incapaz de
teorizar, disposta a melhorar o mundo com o seu exemplo. (26/06/2002)
10. O jornalismo fiteiro consiste na transcrição pura e
simples de grampos (legais ou ilegais), fitas (em áudio ou vídeo) e dossiês,
entregues por ‘fontes secretas’ a um jornalista (ou intermediário) desde que
haja o compromisso da imediata divulgação sem recorrer a qualquer suporte
investigativo. (13/05/2008)
11. Agora é preciso convocar homens de imprensa capazes de
pensar empresarialmente – já que os homens de empresa dificilmente conseguem
converter-se em jornalistas. É preciso não perder de vista a história: todas as
empresas jornalísticas foram criadas, operadas e ampliadas por jornalistas. Com
raríssimas exceções. Está na hora de chamá-los de volta. Esta é a oportunidade
criada pela crise (17/06/2003)
12. Na Alemanha, 1933, quando os nazistas tiraram os
disfarces e começaram a escalada de terror, os poupados diziam “não é comigo, é
com os outros”. Esta resignação e esta incapacidade de enxergar as grandes
ameaças fazem parte de um fenômeno chamado “não-me-importismo”. Enquanto não
são vítimas todos seguem suas vidas. Depois é tarde demais. (12/02/2003)
13. Passou o tempo do jornalismo generalista. A cobertura do
Judiciário deve ser tão especializada e autônoma quanto a cobertura econômica
ou internacional. Jornais responsáveis não podem contentar-se com os releases
fornecidos pelas assessorias de imprensa dos diferentes tribunais. Sem o charme
da cobertura política, neste momento uma judiciosa cobertura do Judiciário pode
ser decisiva para o futuro do país. (29/11/2005)
14. Galvanizada pelas pesquisas, empurrada pelos debates
televisivos, sedenta por novos escândalos e incapaz de situar-se na grande
barafunda institucional, nossa mídia está devendo à sociedade uma cobrança
rigorosa ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Superior Eleitoral sobre o
destino dos votos dados aos candidatos sem ficha limpa. Se preferirem o
prejulgamento, os fichas sujas. (19/10/2010)
15. Resta a imprensa. Fragilizada por uma devastadora crise
de identidade, pulverizada em centenas de recantos opinativos sem qualquer
expressão, visivelmente desnorteada diante de um mundo que se transforma em
todas as direções, o Quarto Poder corre atrás, desorientado, de língua de fora,
sem agenda e sem projetos, incapaz até de se mirar na passada importância.
(19/10/2010)
16. O juízo sobre a informação tornou-se tão importante
quanto a própria informação. O território da crítica expandiu-se de forma tão
extraordinária que os críticos tornaram-se criticados e a matéria criticada tão
importante quanto aquela tida como acrítica. A internet consagrou-se
imediatamente como canal alternativo para fugir dos impasses produzidos pelos
grupos de pressão na grande imprensa. (30/11/2003)
17. Quando se fala em prejulgamento da imprensa, não se deve
pensar apenas na cobertura de crimes e casos passionais. A grande imprensa
costuma exibir os seus preconceitos em outras questões, inclusive no debate
sobre mídia. Foi o caso da criação da TV Pública. Antes mesmo de se conhecer o
seu formato, os grandes grupos de mídia comercial já manifestavam desaprovação.
Foi um caso de desamor à primeira vista. Como se uma TV Pública não fosse
necessária ao próprio desenvolvimento da TV privada. (22/04/2008)
18. As elites endinheiradas não gostam de jornais opulentos,
substanciosos, preferem a sublime dramaturgia das telenovelas, fingem que são
informadas pelas mídias sociais e adoram desfolhar revistas com as
irresistíveis citações proferidas por celebridades de shortinho. Já as empresas
jornalísticas, incapazes de multiplicar talentos e há décadas apostando em
estrelas fatigadas pela rotina da submissão, começaram a afiar bisturis e
guilhotinas, ávidas para cortar custos e gorduras. (30/11/02013)
19. Com 5.570 municípios, deveríamos alcançar ao menos a
média de um veículo jornalístico por município. O fenômeno da concentração da
imprensa não se resume ao número reduzido de grandes empresas de comunicação e
à forte tendência para a formação de oligopólios regionais. O mais grave são os
vazios, os bolsões de silêncio, as manchas cinza, ocas, espalhadas entre as 727
ilhas do Arquipélago Gutenberg. (12/11/2013)
20. Todo Jornalismo é investigativo, ou não é Jornalismo.
Donde se conclui que o que lemos, ouvimos e vemos todos os dias na imprensa não
é Jornalismo. (27/06/2016)
Ao Dines, com carinho
Por Carlos Vogt em 22/05/2018 na edição 988
Texto originalmente publicado na edição 971, de 18/12/2017,
do Observatório da Imprensa e na Edição Brasileira da Columbia Journalism
Review.
Em uma tarde de 1993, na Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), recebi, por intermédio de Luiz Schwarcz, a notícia – depois
confirmada por José Marques de Melo – de que Alberto Dines queria falar comigo
sobre um projeto de criação de um programa de jornalismo na Unicamp,
universidade de que eu era reitor, na ocasião.
Dines estava em Portugal e tinha vindo ao Brasil, um pouco
antes, no ano anterior, para um tratamento de saúde, tudo isso envolvendo, além
de outras atividades, sua pesquisa e a produção de seu trabalho fundamental
sobre Antônio José da Silva, publicado em livro com o nome de Vínculos e Fogo
(Companhia das Letras, 1992).
Dines, como ele próprio relata, passava as manhãs de Lisboa
prisioneiro de seu projeto na Torre do Tombo, à tarde, ia para a Editora Abril
e, à noite, lia e escrevia, trabalhando o material que sua pesquisa ia
organizando.
A bolsa da Fundação Vitae estava prestes a terminar, e o
trabalho na Abril permitia-lhe esticar a estada e dava-lhe, então, condições
para seguir adiante com os estudos e as investigações para a obra sobre o autor
brasileiro do teatro português no século 18, morto ainda jovem, queimado, num
auto da fé da Inquisição, com apenas 34 anos, em 1739.
Interesses comuns
Fizemos o contato, Dines me escreveu e eu, que tinha uma
viagem programada para Paris, combinei com ele de passar por Lisboa, na volta,
para conversarmos e, eventualmente, avançarmos com a ideia da criação de um
programa e mesmo de um centro de estudos em jornalismo.
Anos antes, quando Paulo Renato Costa e Souza era reitor da
Unicamp e eu seu vice-reitor, chegamos a tratar, na universidade, com Claudio
Abramo, então editor da Folha de S.Paulo, de um projeto de curso de
pós-graduação em jornalismo, que acabou não se concretizando.
Havia, pois, uma disposição da universidade para um
empreendimento dessa natureza que vinha, enfim, encontrar-se com Dines e com a
ideia inovadora e precursora que ele alimentava, preparando também, no fundo, a
sua volta ao Brasil, no
período pós-Fernando Collor e no cenário dos tempos melhores
que o governo de Itamar Franco e, depois, de Fernando Henrique anunciavam.
Cheguei a Lisboa e fui recebido pela Norma Couri e pelo
Dines com uma simpatia, um carinho e uma acolhida tais que a sensação que
compartilhamos era de velhos amigos com saudades de não ter se conhecido antes.
Norma, que estava em Lisboa como correspondente do JB, e
Dines hospedaram-me num hotel maravilhoso na rua das Janelas Verdes, cujo nome,
se bem me lembro, reportava à sua própria localização. Passeamos, comemos bem,
tomamos bons vinhos, fomos a Cascais e a Sintra e paramos no Canto 3 d’Os
Lusíadas, de Luís de Camões, no Cabo da Roca, “aqui(…) onde a terra se acaba e
o mar começa”.
Tiramos fotos e seguimos embalados, pelo fim de semana de
azul e luz, nas conversas sobre os planos de criação do que viria a ser, em
1994, o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, o Labjor, da Unicamp;
depois, em 1996, também berçário do Observatório da Imprensa, cuja infância,
adolescência e idade adulta sempre tiveram em Dines a referência segura,
criativa e constante, na constância de sucesso de sua trajetória.
**
Carlos Vogt é professor titular na área de semântica
argumentativa e coordenador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo
(Labjor), da Unicamp, onde foi reitor de 1990 a 1994.
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Uma vida a serviço do jornalismo
Por Equipe do Observatório da Imprensa em 22/05/2018 na
edição 988
Alberto Dines foi uma das vozes mais expressivas do
jornalismo impresso brasileiro, desde meados do século passado, sendo capaz de
se reinventar nas mídias eletrônicas contemporâneas.
Nascido em 19 de fevereiro de 1932 no Rio de Janeiro, Dines
iniciou sua carreira aos 20 anos como crítico de cinema na revista A Cena Muda.
Em mais de 60 anos de jornalismo, passou pelos principais veículos impressos do
país: da Última Hora ao Pasquim, além das revistas Manchete e Visão, cobrindo
da cultura à política.
Trabalhou ainda como editor-chefe do Jornal do Brasil, na
Folha de S.Paulo durante doze anos e foi diretor da sucursal do jornal paulista
no Rio de Janeiro, além de ter dirigido o Grupo Abril em Portugal, onde lançou
a revista Exame. Lecionou jornalismo na PUC do Rio de Janeiro nos anos 1960 e
foi professor visitante da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia, em
Nova York, em 1974.
Escreveu mais de 15 livros, entre eles “Morte no paraíso: a
tragédia de Stefan Zweig” (1981), que foi adaptado para o cinema em 2002 por
Sylvio Back. Também escreveu “Vínculos do fogo” (1992) e livros ligados ao
jornalismo, como “O papel do jornal” (1974).
Em 1996 criou e coordenou o site Observatório da Imprensa.
Pensado como um espaço de crítica de mídia, o Observatório passou a ter uma
edição na TV Educativa do Rio de Janeiro em maio de 1998. Esse projeto
proporcionou uma nova visão sobre o funcionamento do jornalismo brasileiro
através de matérias com um conteúdo aprofundado e questionador, trazendo
entrevistas com grandes nomes e também explorando temas de importância social.
O Observatório se tornou referência em crítica de mídia no Brasil.
Alberto Dines recebeu diversos prêmios em sua carreira, como
o Maria Moors Cabot em 1970, o Jabuti em 1993, o Austrian Holocaust Memorial
Award em 2007, Austrian Golden Decoration for Science and Art em 2009, e o
Ordem do Mérito das Comunicações em 2010.
Foi também um dos fundadores e pesquisador sênior do
Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp.
O jornalista foi casado, pela primeira vez, com Ester Rosali
Dines, sobrinha de Adolfo Bloch, com quem teve quatro filhos, e pela segunda
vez com a jornalista Norma Couri, jornalista cultural que sempre teve também um
papel atuante no Observatório da Imprensa.
Dines morreu no dia 22 de maio de 2018 em São Paulo por
complicações de uma pneumonia.
Aos 80 anos de um mestre
Por Eugênio Bucci em 22/05/2018 na edição 988
Texto publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo
em 23/02/2012 por ocasião dos 80 anos de Alberto Dines.
“Dizer que jornal é trabalho de equipe é dizer muito pouco.
Jornal bem-sucedido é trabalho de uma orquestra de personalidades e ideias
diferentes ou mesmo antagônicas, porém complementares, harmonizadas e
equilibradas por normas ou metas comuns”
Alberto Dines, em ‘O Papel do Jornal’
Na profissão de jornalista, em que os princípios pessoais
parecem não resistir aos dez primeiros anos de carreira, o nome de Alberto
Dines reluz como um patrimônio inspirador. No dia 19 de fevereiro, domingo
passado, ele completou 80 anos de idade. Também neste ano de 2012 ele comemora
seis décadas de profissão: uma trajetória brilhante, acidentada, por certo, e
modelar. Olhando para ele, hoje, a gente compreende o que significa ser jornalista
— e gosta do que compreende.
Como todos nós, Dines cometeu erros. Ele mesmo reconhece.
Durante o almoço, volta os olhos para cima, a cabeça indo de um lado para
outro, num balanço leve, e conta dos tropeços, das vezes em que deu vazão à
aresta mais cruel das palavras com o propósito de ferir, mais do que de
informar. Acontece. Deixemos isso de lado. No legado que de fato importa, sua
biografia é fonte de ensinamento: uma lição de trabalho intenso e extenso, com
produção incessante, diária, e uma obra que vai da crítica cinematográfica a
livros de pesquisa histórica, passando pela reportagem cotidiana, pela crítica
de imprensa e pelos artigos de opinião. Dines é a prova de que a experiência
não concorre necessariamente para diluir os princípios e de que o caráter não
esmorece. No caso do jornalista, o caráter alimenta-se da independência
intelectual e material, assim como se alicerça no cultivo da liberdade e do
espírito crítico — portanto, ganha vigor com o passar do tempo.
Assim como os escritores realmente grandes são aqueles que
ensinam a seus pares a arte da narrativa, o jornalista maior tem a capacidade
de despertar vocações nos mais jovens. Dines também desperta vocações. Embora
seja difícil afirmar que esta ou aquela vocação tenha nascido por influência
deste ou daquele profissional, há pelo menos uma, nem que seja uma só, que deve
ser creditada a ele. A coluna Jornal dos jornais, que Dines assinou na Folha de
S.Paulo entre 1975 e 1977, motivou um adolescente, então estudante numa cidade
da região da Alta Mogiana, no interior paulista, a firmar a decisão de
trabalhar na imprensa e, pelo menos até o instante em que assinou este artigo —
este aqui, que você lê agora —, aquele adolescente dos anos 70 não se tinha
arrependido da escolha que fez.
Na velha coluna de Alberto Dines, que ajudou a firmar a
crítica de mídia no Brasil, o adolescente da Alta Mogiana começou a se dar
conta de que escrever na imprensa também era uma forma de pensar sobre a
imprensa, e ele começou a achar aquele negócio interessante.
As mais belas reportagens renovam o lugar do discurso
jornalístico dentro da cultura. É verdade que podemos dizer algo parecido sobre
quase tudo, sobre a poesia, a arquitetura, o cinema e também sobre a medicina e
até mesmo a engenharia: o engenho humano, onde quer que ele se manifeste, na
arte ou na ciência, na técnica, na política ou na religião, tende a redefinir a
si mesmo — o que, no fim das contas, é uma constatação um tanto óbvia, quase
banal. Não teria por que ser diferente com o jornalismo — e, no entanto, é
diferente. Sutilmente, mas é.
Na nossa profissão, que navega nas franjas do que é notícia,
daquilo que é verdade hoje, mas não era verdade até ontem, os imperativos da
velocidade, da aceleração e da mudança pesam muito mais. Mais que outras atividades,
o jornalismo depende de saber se redefinir a cada dia. Ao registrar a História
no calor da hora, a sangue-frio, o jornalista é agente da História, um
catalisador do fato histórico em alta velocidade, o que faz dele um
profissional das ideologias, mesmo quando guarda em si a convicção ideológica
de que nada tem de ideológico. Se ele não desenvolve consciência sobre o que
faz, corre o risco nada desprezível de estar a serviço de ideologias que não vê
enquanto empina o nariz imaginando desconstruir as que vê. Se não acumula
reflexão, dificilmente fará algo de útil ou de valioso.
Comparemos o jornalista com o cirurgião. Este, o cirurgião,
pode muito bem se revelar um gênio do bisturi sem nunca ter dedicado um segundo
sequer ao exame intelectual das relações entre seus atos e o sentido geral da
civilização, ou sobre o emaranhado de sentidos que tece a fronteira instável
entre saúde e doença. Para o jornalista, o mesmo grau de alienação constituiria
falta grave. Se obstinadamente técnico, perde de vista o que há de controverso
na cena humana, da qual lhe cabe fazer a crônica.
A imprensa ocupa-se mais das incertezas que das certezas.
Sem método, sem critérios e sem pensamento (epistemológico) ela se perderia. A
sua dupla condição — ter de fazer e ter de refletir — não é dúplice nem
ambígua, mas íntegra. Aí se inscreve o significado mais fecundo da longa
trajetória de Alberto Dines. Como professor universitário – que não tem diploma
de nenhuma faculdade -, ele ajudou a lançar no Brasil, quando começou a dar aulas
na PUC-Rio, ainda nos anos 60, as bases da disciplina Jornalismo Comparado.
Como jornalista, no comando do Jornal do Brasil, ou na direção de revistas da
Editora Abril em Portugal, ou ainda como fundador do Observatório da Imprensa,
um marco pioneiro do jornalismo online no Brasil, criado há 15 anos, ensinou a
credibilidade da imprensa laica, apartidária e plural.
Onde o mundo é uma gritaria, uma babel caótica, o grande
editor identifica a orquestra passível de afinação. Também por isso a imprensa
encarna com tanta intensidade o sonho democrático. Movido por esse sonho, o
jornalista faz, pensa e depura o caráter. Não pode haver profissão melhor.
Eugênio Bucci é jornalista, professor da ECA-USP e ESPM.
Texto e imagens reproduzidos do site: observatoriodaimprensa.com.br
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