Crédito: Reprodução/TV Globo
Publicado originalmente no site da revista ISTOÉ, em 21/08/18
Morre Otavio Frias Filho, diretor de redação da Folha
Estadão Conteúdo
Morreu nesta terça-feira, 21, aos 61 anos, o advogado,
jornalista e escritor Otavio Frias Filho, diretor de Redação do jornal Folha de
S. Paulo. Ele tinha câncer no pâncreas. Deixa as filhas Miranda, de 8 anos, e Emília,
de 1 ano, que teve com Fernanda Diamant, editora da revista literária Quatro
Cinco Um, e os irmãos Maria Helena, médica, Luiz, presidente do Grupo Folha, e
Maria Cristina, editora da coluna Mercado Aberto. O velório será realizado a
partir das 11h30 e a cerimônia de cremação, às 13h30, no cemitério Horto da
Paz, em Itapecerica da Serra.
Paulistano, Frias Filho foi o responsável por consolidar o
“Projeto Folha”, conjunto de medidas editoriais que estabeleceu normas de
escrita e conduta do jornal que é considerado como um dos marcos da imprensa
brasileira. Esses princípios nortearam também o Manual da Redação, lançado em
1984, o primeiro livro do gênero colocado à disposição do público. “Ele criou
na Folha um novo jornalismo, inovador e corajoso, que serviu de exemplo para
várias empresas do setor. Uma grande perda para todos”, afirmou o
diretor-presidente do jornal “O Estado de S. Paulo”, Francisco Mesquita Neto.
Assumiu a chefia do jornal no início dos anos 1980 no
período da campanha “Diretas Já”, quando teve papel crítico ao regime militar.
Frias Filho defendia a tese de que cabia ao jornalismo ser sempre crítico ao
governo, não importando quem estivesse no comando do País. Ele manteve essa
posição em todos os governos democráticos após o fim da ditadura. Durante o
impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, chegou a ser
processado pelo hoje senador pelo Estado de Alagoas. Entre 1994 e 1999, passou
a escrever coluna semanal na página 2 da Folha, de opinião, em que discutiu a
estabilização econômica do País e os desdobramentos políticos do governo do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Herdeiro
Nascido em 7 de junho de 1957, o jornalista herdou o jornal
do pai, Octavio Frias de Oliveira, que comprou a Folha com Carlos Caldeira
Filho, em 1962. “Fui crescendo, e a ideia de trabalhar (no jornal) não me
passava pela cabeça. Tanto que fui estudar Direito”, disse ele, em 1988, em
entrevista à revista Playboy.
Por persistência do pai, Frias Filho passou a contribuir com
a produção dos editoriais do diário em 1975, aos 18 anos, sob supervisão do
editor Cláudio Abramo, enquanto ainda cursava a Faculdade de Direito do Largo
de São Francisco. Em 1978, o então estudante chegou a ser detido pela Polícia
Militar enquanto fazia campanha para os candidatos a deputado Fernando Henrique
Cardoso e Eduardo Suplicy. Dois anos depois, em 1980, passou a integrar o
conselho editorial da Folha.
Do conselho, ele assumiu a direção de Redação do jornal em
maio de 1984, substituindo Boris Casoy, e ficou responsável pelo conteúdo do
jornal, enquanto o irmão Luiz Frias ficou com a gestão financeira da empresa.
Coube a Frias Filho defender o “Projeto Folha”, que já estava em gestação e
propunha mudanças no produto, divulgando os princípios editoriais do jornal
enquanto abria espaço para colunistas de diversas correntes. Ao assumir a
direção da Redação, disse que a Folha se caracterizava por ser “crítica”, “no
sentido de fazer com que cada objeto de notícia seja, ao mesmo tempo, objeto de
crítica, ainda que esta consista em analisar um fato”.
No início, a chegada de Frias Filho à chefia do jornal
causou resistência por parte dos jornalistas antigos, especialmente os
repórteres especiais, contrários à padronização de textos imposta pelo Manual
da Redação e por avaliações periódicas que passaram a ser estabelecidas. Seguro
de suas opções, o jornalista trocou peças-chave da Redação por jornalistas mais
jovens, e a Folha passou a ser comandada por profissionais na casa dos 30 anos.
Em entrevista à revista Imprensa, em 1987, afirmou que via a produção
jornalística como uma indústria, ao defender a existência do manual, quando
comemorava crescimento da tiragem do jornal que era associado às mudanças. Já
em 2018, na quinta revisão do manual, voltou a defender o uso de critérios
objetivos para qualificar o jornalismo, citando a seção “Erramos”, criada em
1991.
Nos anos 1990, Frias Filho e três jornalistas foram
processados pelo então presidente Collor, que não gostou de duas notas
econômicas publicadas pela Folha. A resposta do diretor editorial foi a publicação
de uma carta aberta ao presidente da República na capa do jornal. “A intenção
de Frias Filho era chamar a atenção da opinião pública para a dimensão política
da ação do presidente: a de intimidar um órgão de imprensa”, escreveu, na
própria Folha, no especial de 80 anos do jornal, o jornalista Mario Sergio
Conti, autor de Notícias do Planalto. “Seu governo será tragado pelo turbilhão
do tempo até que dele só reste uma pálida reminiscência, mas este jornal –
desde que cultive seu compromisso com o direito dos leitores à verdade –
continuará em pé”, dizia Frias Filho, em trecho da carta.
Teatro
É autor de seis peças de teatro, três publicadas em livro,
juntamente com ensaios sobre cultura (Tutankaton, Editora Iluminuras, 1991),
quatro encenadas em São Paulo: Típico Romântico (1992), Rancor (1993), Don Juan
(1995) e Sonho de Núpcias (2002). Publicou também Queda Livre (Companhia das
Letras, 2003), no qual reuniu o que chamou de “investigações participativas”:
sete reportagens ensaísticas sobre experiências de risco psicológico. Em tom
literário, com textos em primeira pessoa, ele contou experiências como saltar
de paraquedas, experimentar ayahuasca no Acre, visitas a clube de trocas de
casais e sadomasoquismo, e ainda sobre peregrinação em Santiago de Compostela,
na Espanha.
Frias Filho foi vencedor do Prêmio Maria Moors Cabot de
Jornalismo, da Universidade de Colúmbia (EUA), pela contribuição de seu jornal
à liberdade de imprensa. Em seu discurso de agradecimento, em cerimônia em Nova
York em 1991, defendeu que o sucesso das democracias no Terceiro Mundo era
“decisivo” para o surgimento de uma era de convergência e cooperação
internacional, e que o jornalismo é um instrumento para defender essas
democracias. “Nos limites estreitos do jornalismo, a contribuição que está a
nosso alcance é simples e difícil de se obter. Trata-se de cultivar a exatidão impessoal
e o respeito à pluralidade de pontos de vista em meio a uma cultura onde é
fraca a separação entre o público e o particular. De informar com competência
técnica num País subdesenvolvido. De fomentar o espírito crítico numa sociedade
de tradição autoritária.”
Texto e imagem reproduzidos do site: istoe.com.br
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