Texto publicado originalmente no site OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, em 27/11/2015
Sete depoimentos sobre o futuro do jornalismo
Edição 878
Por Lucas Valença
Empresas jornalísticas tradicionais, muitas fundadas a
partir do meio impresso, devem migrar para nichos específicos de mercado para
se adequar aos novos tempos. Essa é uma opinião de seis profissionais
experientes da área consultados (os jornalistas de redação Cristiano Romero,
Natuza Nery, Lúcio Vaz e Heraldo Pereira, além dos professores Nilson Lage e
Henrique Moreira). Na mesma linha, como previsão, os jornais tradicionais de
“conteúdos diversos” estariam ameaçados de “morte”. Neste ano de 2015, o mercado
para o jornalismo mostrou efeitos práticos derivados dessa mutação: demissões
de jornalistas de veículos tradicionais, surgimento de novas mídias e modelos
de negócio, além da necessidade de capacitação em novos setores, como as mídias
sociais.
Como será uma redação daqui a 20 anos? Perguntas como essa
não têm ainda respostas definitivas, mas é possível avaliar os caminhos
possíveis. Um dos percursos tem sido apontado por experiências de
financiamentos alternativos para reportagens. A Agência Pública, sediada em São
Paulo, por exemplo, consegue se sustentar com doações há quatro anos.
Para o jornalista Cristiano Romero, editor-executivo e
colunista do Valor Econômico (veículo com saúde financeira equilibrada), o
jornalismo impresso tende a sobreviver com publicações sérias e de qualidade
que visam a um foco específico. “A questão da internet é mais viável para os
jornais de ‘nicho’, ou seja, jornais especializados em um determinado tema
(exemplos são os veículos de economia, turismo e esportes). Os jornais gerais
(como Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo) sofrem mais porque grande parte
das notícias é de graça na internet.”
Romero defende que todo jornal impresso precisa ter um
serviço on-line voltado para um nicho específico com o intuito de atrair o
leitor com notícias diferentes das encontradas facilmente na internet. O
jornalista explica que uma das soluções é fornecer diferentes pacotes para os
assinantes, como fazem alguns veículos estrangeiros. “O melhor exemplo de
jornal impresso que se tem é do New York Times, que ‘fechou’ o conteúdo. Essa é
uma possibilidade. A ideia é que o assinante garanta a sobrevivência do jornal,
mas existem outras soluções também.” Ele também enfatiza a importância das
plataformas móveis, que apresentam um crescimento acelerado.
“Não é um demônio”
O professor Nilson Lage, um dos principais autores da área
de comunicação, na mesma linha, defende o jornalismo setorial. Ele é autor de
11 livros que são referências no campo de pesquisa. “Uma ideia que se tem é de
um jornalismo impresso de leitura segmentada, presumindo um tipo de informação
reservada que seja remunerável. O jornalismo econômico seria um exemplo, com
área reservada, de leitura lenta.”
Lage acredita na necessidade do jornal impresso em se
adaptar ao novo canal de internet, que segundo ele, chegará à totalidade da
população. “Os veículos vão continuar existindo, porém com um novo papel, como
aconteceu com o cinema em relação à televisão, ou a pintura após o surgimento
da fotografia.”
O jornal impresso que conhecemos hoje está ameaçado e terá
de mudar se quiser sobreviver nos próximos anos, é o que acredita a jornalista
Natuza Nery, editora da coluna Painel, da Folha de S.Paulo. “Ninguém sabe como
vai ser, mas é evidente que vai ser um jornalismo de melhor qualidade, pois a
internet consome todo o espaço do imediato.” Natuza Nery também realça a
oportunidade dos tempos digitais. “A internet faz parte do mercado de trabalho,
não é um ‘demônio’. É mais difícil, competitivo, mas traz mais oportunidade
para quem quer trabalhar na rede.”
Repórter, apresentador e comentarista da TV Globo, Heraldo
Pereira explica que o surgimento de novas tecnologias é sempre revolucionário
ao longo da história. Para o jornalista, que atua em Brasília com temas
políticos, a internet é uma ferramenta fundamental deste início do século 21.
“Os meios de comunicação vivem períodos de massificação de determinadas
tecnologias. Não podemos partir do pressuposto de que vivemos o período mais
revolucionário que tivemos; nós vivemos apenas o nosso período que ainda
estamos construindo.” Heraldo Pereira valoriza o avanço da imprensa com a
convergência midiática. “Quando se abre um portal, ele tanto tem impresso, como
tem rádio, tem televisão, tem tudo.”
À procura do equilíbrio
Um dos jornalistas investigativos mais premiados do país,
Lúcio Vaz, trabalha em um veículo exclusivamente na internet, o Fato Online,
sediado em Brasília. Após fazer carreira em diversos veículos tradicionais, ele
teve que se adaptar à nova realidade. Fazer vídeos e áudios, além dos textos,
agora com o espaço ilimitado, se transformou em uma nova rotina do
profissional. “Do ponto de vista jornalístico, não muda muito. No fundo, é
reportagem.”
A “grande” quantidade de notícias rápidas e ainda menos
elaboradas no online é lamentada por Lúcio Vaz, que reconhece a importância de
um material diferenciado e com uma apuração aprofundada, que, na avaliação
dele, se tornou esporádica no país. “Um aspecto ruim do uso que as pessoas
fazem da internet é que se convencionou no mundo todo, mas principalmente no
Brasil, que a notícia na internet tem de ser rápida, instantânea e, por conta
disso, superficial. Eu já acho que é possível utilizar o meio on-line com maior
profundidade.”
O professor de jornalismo Henrique Moreira, coordenador de
faculdade em Brasília, disse que os jornais impressos são os mais afetados pela
rapidez e interatividade da internet como um todo, incluindo as revistas. “Não
acredito no fim do jornal impresso, mas ele vai sofrer uma mudança
significativa. Só assim para sobreviver.” (Confira o vídeo sobre o assunto.)
As empresas midiáticas como um todo estão perdendo receitas
e ainda não conseguiram recuperar a renda por meio do on-line, explica Moreira.
“Há uma tentativa de achar o equilíbrio da utilização das novas plataformas e
como essas podem vir a ser exploradas economicamente, mas nada que represente
uma solução definitiva para o problema.”
As indefinições do modelo de negócio
O jornalista Cristiano Romero conta que as pessoas passaram
a questionar a necessidade da assinatura nos veículos impressos já que as
notícias são obtidas de forma instantânea na internet. “As empresas
jornalísticas não conseguiram descobrir até hoje, como ganhar dinheiro com o
online. Como produzir conteúdo jornalístico e ter a publicidade junto.”
O professor Henrique Moreira contextualiza que a crise se
agrava também por conta das características do mercado nacional. “Precisamos
levar em consideração o cenário econômico conturbado do país. Estamos vivendo
uma crise que se alastra por todos os segmentos econômicos e as empresas
jornalísticas não estão fora disso.”
As demissões em massa, segundo Cristiano Romero, têm mais de
uma origem. A explicação mais comum é a crise. “Toda vez que o país está em
recessão, o primeiro setor a ser afetado é justamente o setor de mídias, porque
as companhias, diante de uma crise, diminuem as despesas com publicidade e,
quando a verba cai, naturalmente o setor de mídia é o primeiro a sofrer.” O
avanço da internet no Brasil tem contribuído para a perda de receita cada vez
mais frequente da mídia impressa. “É uma batalha permanente para conseguir
pagar as contas.”
Os entrevistados enfatizam que a crise não é do jornalismo,
mas das indefinições do modelo de negócio. “É preciso lembrar que quando a
televisão surgiu, todos afirmavam que o rádio iria acabar; ele se modificou,
mas está aí até hoje”, aponta Romero.
Financiamentos alternativos
A revolução digital também propiciou novas formas de
viabilizar a produção de reportagens. Com quatro anos de história, a Agência
Pública se define como um veículo independente e sem fins lucrativos, que se
sustenta por financiamento de fundações e projetos financiados por crowdfunding
(arrecadação coletiva via internet). A coordenadora de comunicação da Pública,
Marina Dias, explica que as fundações financiadoras não escolhem pauta, não
leem reportagens antes de serem publicadas, nem podem interferir no conteúdo.
Os leitores, por outro lado, que fazem doações sugerem os temas. “A gente tem
visto que isso está aumentando. Nos últimos anos, os jornalistas livres, por
exemplo, arrecadaram R$ 100 mil neste ano. É uma cultura que precisa ser
alimentada”, afirma.
A Pública pretende que o leitor se engaje nas temáticas. No
projeto organizado pela Pública, as reportagens costumam custar R$ 5 mil. “A
pauta tem que caber nesse orçamento. Por isso, é fundamental planejamento.” O
veículo tem por objetivo fomentar esse tipo de trabalho em outros jornalistas.
“Já trabalhamos como incubadora de outros projetos, como a Ponte, que passou
seis meses aqui dentro. Fazemos também concurso com bolsas para que repórteres
independentes produzam seus conteúdos. Publicamos e divulgamos, inclusive há
matérias premiadas como fruto desse trabalho. Tem muito a ser experimentado.”
***
Lucas Valença é estudante de Jornalismo
Texto reproduzido do site: observatoriodaimprensa.com.br
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