sexta-feira, 6 de março de 2020

Sete depoimentos sobre o futuro do jornalismo


Texto publicado originalmente no site OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, em 27/11/2015

Sete depoimentos sobre o futuro do jornalismo
Edição 878
Por Lucas Valença

Empresas jornalísticas tradicionais, muitas fundadas a partir do meio impresso, devem migrar para nichos específicos de mercado para se adequar aos novos tempos. Essa é uma opinião de seis profissionais experientes da área consultados (os jornalistas de redação Cristiano Romero, Natuza Nery, Lúcio Vaz e Heraldo Pereira, além dos professores Nilson Lage e Henrique Moreira). Na mesma linha, como previsão, os jornais tradicionais de “conteúdos diversos” estariam ameaçados de “morte”. Neste ano de 2015, o mercado para o jornalismo mostrou efeitos práticos derivados dessa mutação: demissões de jornalistas de veículos tradicionais, surgimento de novas mídias e modelos de negócio, além da necessidade de capacitação em novos setores, como as mídias sociais.

Como será uma redação daqui a 20 anos? Perguntas como essa não têm ainda respostas definitivas, mas é possível avaliar os caminhos possíveis. Um dos percursos tem sido apontado por experiências de financiamentos alternativos para reportagens. A Agência Pública, sediada em São Paulo, por exemplo, consegue se sustentar com doações há quatro anos.

Para o jornalista Cristiano Romero, editor-executivo e colunista do Valor Econômico (veículo com saúde financeira equilibrada), o jornalismo impresso tende a sobreviver com publicações sérias e de qualidade que visam a um foco específico. “A questão da internet é mais viável para os jornais de ‘nicho’, ou seja, jornais especializados em um determinado tema (exemplos são os veículos de economia, turismo e esportes). Os jornais gerais (como Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo) sofrem mais porque grande parte das notícias é de graça na internet.”

Romero defende que todo jornal impresso precisa ter um serviço on-line voltado para um nicho específico com o intuito de atrair o leitor com notícias diferentes das encontradas facilmente na internet. O jornalista explica que uma das soluções é fornecer diferentes pacotes para os assinantes, como fazem alguns veículos estrangeiros. “O melhor exemplo de jornal impresso que se tem é do New York Times, que ‘fechou’ o conteúdo. Essa é uma possibilidade. A ideia é que o assinante garanta a sobrevivência do jornal, mas existem outras soluções também.” Ele também enfatiza a importância das plataformas móveis, que apresentam um crescimento acelerado.

“Não é um demônio”

O professor Nilson Lage, um dos principais autores da área de comunicação, na mesma linha, defende o jornalismo setorial. Ele é autor de 11 livros que são referências no campo de pesquisa. “Uma ideia que se tem é de um jornalismo impresso de leitura segmentada, presumindo um tipo de informação reservada que seja remunerável. O jornalismo econômico seria um exemplo, com área reservada, de leitura lenta.”

Lage acredita na necessidade do jornal impresso em se adaptar ao novo canal de internet, que segundo ele, chegará à totalidade da população. “Os veículos vão continuar existindo, porém com um novo papel, como aconteceu com o cinema em relação à televisão, ou a pintura após o surgimento da fotografia.”

O jornal impresso que conhecemos hoje está ameaçado e terá de mudar se quiser sobreviver nos próximos anos, é o que acredita a jornalista Natuza Nery, editora da coluna Painel, da Folha de S.Paulo. “Ninguém sabe como vai ser, mas é evidente que vai ser um jornalismo de melhor qualidade, pois a internet consome todo o espaço do imediato.” Natuza Nery também realça a oportunidade dos tempos digitais. “A internet faz parte do mercado de trabalho, não é um ‘demônio’. É mais difícil, competitivo, mas traz mais oportunidade para quem quer trabalhar na rede.”

Repórter, apresentador e comentarista da TV Globo, Heraldo Pereira explica que o surgimento de novas tecnologias é sempre revolucionário ao longo da história. Para o jornalista, que atua em Brasília com temas políticos, a internet é uma ferramenta fundamental deste início do século 21. “Os meios de comunicação vivem períodos de massificação de determinadas tecnologias. Não podemos partir do pressuposto de que vivemos o período mais revolucionário que tivemos; nós vivemos apenas o nosso período que ainda estamos construindo.” Heraldo Pereira valoriza o avanço da imprensa com a convergência midiática. “Quando se abre um portal, ele tanto tem impresso, como tem rádio, tem televisão, tem tudo.”

À procura do equilíbrio

Um dos jornalistas investigativos mais premiados do país, Lúcio Vaz, trabalha em um veículo exclusivamente na internet, o Fato Online, sediado em Brasília. Após fazer carreira em diversos veículos tradicionais, ele teve que se adaptar à nova realidade. Fazer vídeos e áudios, além dos textos, agora com o espaço ilimitado, se transformou em uma nova rotina do profissional. “Do ponto de vista jornalístico, não muda muito. No fundo, é reportagem.”

A “grande” quantidade de notícias rápidas e ainda menos elaboradas no online é lamentada por Lúcio Vaz, que reconhece a importância de um material diferenciado e com uma apuração aprofundada, que, na avaliação dele, se tornou esporádica no país. “Um aspecto ruim do uso que as pessoas fazem da internet é que se convencionou no mundo todo, mas principalmente no Brasil, que a notícia na internet tem de ser rápida, instantânea e, por conta disso, superficial. Eu já acho que é possível utilizar o meio on-line com maior profundidade.”

O professor de jornalismo Henrique Moreira, coordenador de faculdade em Brasília, disse que os jornais impressos são os mais afetados pela rapidez e interatividade da internet como um todo, incluindo as revistas. “Não acredito no fim do jornal impresso, mas ele vai sofrer uma mudança significativa. Só assim para sobreviver.” (Confira o vídeo sobre o assunto.)

As empresas midiáticas como um todo estão perdendo receitas e ainda não conseguiram recuperar a renda por meio do on-line, explica Moreira. “Há uma tentativa de achar o equilíbrio da utilização das novas plataformas e como essas podem vir a ser exploradas economicamente, mas nada que represente uma solução definitiva para o problema.”

As indefinições do modelo de negócio

O jornalista Cristiano Romero conta que as pessoas passaram a questionar a necessidade da assinatura nos veículos impressos já que as notícias são obtidas de forma instantânea na internet. “As empresas jornalísticas não conseguiram descobrir até hoje, como ganhar dinheiro com o online. Como produzir conteúdo jornalístico e ter a publicidade junto.”

O professor Henrique Moreira contextualiza que a crise se agrava também por conta das características do mercado nacional. “Precisamos levar em consideração o cenário econômico conturbado do país. Estamos vivendo uma crise que se alastra por todos os segmentos econômicos e as empresas jornalísticas não estão fora disso.”

As demissões em massa, segundo Cristiano Romero, têm mais de uma origem. A explicação mais comum é a crise. “Toda vez que o país está em recessão, o primeiro setor a ser afetado é justamente o setor de mídias, porque as companhias, diante de uma crise, diminuem as despesas com publicidade e, quando a verba cai, naturalmente o setor de mídia é o primeiro a sofrer.” O avanço da internet no Brasil tem contribuído para a perda de receita cada vez mais frequente da mídia impressa. “É uma batalha permanente para conseguir pagar as contas.”

Os entrevistados enfatizam que a crise não é do jornalismo, mas das indefinições do modelo de negócio. “É preciso lembrar que quando a televisão surgiu, todos afirmavam que o rádio iria acabar; ele se modificou, mas está aí até hoje”, aponta Romero.

Financiamentos alternativos

A revolução digital também propiciou novas formas de viabilizar a produção de reportagens. Com quatro anos de história, a Agência Pública se define como um veículo independente e sem fins lucrativos, que se sustenta por financiamento de fundações e projetos financiados por crowdfunding (arrecadação coletiva via internet). A coordenadora de comunicação da Pública, Marina Dias, explica que as fundações financiadoras não escolhem pauta, não leem reportagens antes de serem publicadas, nem podem interferir no conteúdo. Os leitores, por outro lado, que fazem doações sugerem os temas. “A gente tem visto que isso está aumentando. Nos últimos anos, os jornalistas livres, por exemplo, arrecadaram R$ 100 mil neste ano. É uma cultura que precisa ser alimentada”, afirma.

A Pública pretende que o leitor se engaje nas temáticas. No projeto organizado pela Pública, as reportagens costumam custar R$ 5 mil. “A pauta tem que caber nesse orçamento. Por isso, é fundamental planejamento.” O veículo tem por objetivo fomentar esse tipo de trabalho em outros jornalistas. “Já trabalhamos como incubadora de outros projetos, como a Ponte, que passou seis meses aqui dentro. Fazemos também concurso com bolsas para que repórteres independentes produzam seus conteúdos. Publicamos e divulgamos, inclusive há matérias premiadas como fruto desse trabalho. Tem muito a ser experimentado.”

***

Lucas Valença é estudante de Jornalismo

Texto reproduzido do site: observatoriodaimprensa.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário