Antônio Bonfim hoje ajuda a esposa, na microempresa Lavo&Levo
Atual sede do Cinform, na rua Porto da Folha Foto: Fan FM
Publicado originalmente no site SÓ SERGIPE, em 10 de novembro de 2019
“Perdi tudo que juntei, mas tenho força de trabalho e paz no
coração”, diz Antônio Bonfim
Por Antônio Carlos Garcia
O ex-empresário Antônio Bonfim, 70 anos, que durante 36 anos
dirigiu o mais importante jornal semanário de Sergipe, o Cinform, deve levar
para o túmulo os nomes das figuras importantes do Estado que, segundo ele, o
deixou, junto com a empresa, na bancarrota. “Alguns deles estão vivos e podem
acabar de me enterrar”, disse Bonfim, ao justificar porque não citaria nomes
daqueles que o arruinaram financeiramente. De próspero empresário, que chegou a
ter 186 funcionários, de receber do então deputado estadual Belivaldo Chagas
(hoje, governador), em 2006, a Comenda da Ordem do Mérito Parlamentar, Bonfim,
hoje, vive com uma aposentadoria do INSS, no valor de R$ 2,5 mil. “Perdi tudo que
juntei”, reconhece. Mas, inquieto, dirigiu Uber durante quatro meses para
complementar a renda. Nesse período disse que conheceu Aracaju e aprendeu a
dirigir, pois antes de ser motorista profissional “achava que sabia dirigir”.
Como o trabalho de motorista não dava lucro, deixou. Com a atual esposa,
Alexsandra Santos, “que me conheceu na riqueza e vive comigo na pobreza”,
trabalha na lavanderia, a Lavo e Levo, que ela abriu como microempresária
individual (MEI), no Salgado Filho. Hoje, Bonfim diz que dorme tranquilo,
porque ninguém lhe cobra mais nada, desde que vendeu o Cinform, em 2018. Ele conta que tem gente, hoje, que ao vê-lo
na rua muda de caminho, desvia o olhar, faz que não o vê para não
cumprimentá-lo. Bonfim diz que ri disso tudo, mas, vez por outra, se sente
magoado e triste. Esses problemas o ensinaram que na vida o mais importante não
é o lado material, e sim o espiritual, “coisa que eu não ligava antes”. Bonfim,
que morava na Mansão Laurent, na praia 13 de Julho, hoje reside no Salgado Filho,
num imóvel alugado, onde funciona também a lavanderia da esposa. Na
quinta-feira, ele recebeu o Só Sergipe
para a seguinte entrevista.
Antônio Bonfim, em 2006, sendo homenageado, na Alese. Com
ele,
o então prefeito de Aracaju, Marcelo Déda (falecido).
Foto: Márcio Dantas
SÓ SERGIPE – O senhor foi um grande empresário da
comunicação, dono do semanário Cinform, e hoje recomeça com uma pequena
lavanderia que não está nem em seu nome.
O que aconteceu ao longo desta trajetória? O que deu errado?
ANTÔNIO BONFIM – O que deu errado no Cinform foi que eu
optei por uma linha de independência, imparcialidade. Formei dois milhões de
amigos e admiradores, mas meia dúzia de pessoas tiveram seus interesses
contrariados, por culpa das coisas mal feitas deles, todos da área política,
que me perseguiram, a ponto de me deixarem sem nada.
SS – Quem foi que lhe perseguiu, a ponto de provocar a queda
de uma empresa como o Cinform e a sua pessoal?
AB –Eu prefiro não citar nomes, porque alguns ainda estão
vivos e eles podem terminar de me enterrar. Deixa sobreviver com essa empresa,
que não é nem minha. Quando descobrirem, sentirem que ainda respiro, vão querer
jogar uma pá de cal.
SS – O senhor hoje está aposentado?
AB – Depois de 57 anos trabalhando, me aposentado e procurei
outras atividades para encher meu tempo. Tentei a linha Hinode com minha atual
mulher, mas não gostei, pois quem tem mais tempo leva vantagem nesse negócio.
Passei quatro meses sendo motorista de Uber.
Gostei porque conheci Aracaju que não conhecia. Aprendi a dirigir,
porque eu pensava que sabia. Mas eu estava pagando para me ocupar. Então,
desisti. Mas antes, um passageiro me levou para fazer Polishop. Essa foi a
maior decepção: para você ganhar algo, precisa tirar de alguém, isso nunca fez
e não faz o meu perfil, levar vantagem em cima das pessoas. Depois que eu paguei as mercadorias iniciais,
deixei a Polishop e comecei a pensar em outra atividade. E veio a ideia de
fazer franquia de lavanderia. Mas como somos pessoas humildes, que sabemos lavar
e passar roupa, minha mulher abriu a empresa, Lavo e Levo, como micro
empreendedora individual (MEI) e contratou uma funcionária. Com certeza, vamos
crescer e iremos ampliar a equipe e a empresa. Para completar, vendo planos de
saúde, sou consultor de vida!
SS – Veja, o senhor de um rico empresário a motorista de
Uber conhece, numa única vida, os extremos.
AB – Fui um grande empresário. Tive tudo que pensei em ter na minha vida.
Não sonhei muito alto. Eu tinha uma chácara no Robalo, que era um negócio de
cinema, espetacular, resultado de 50 anos de trabalho. Tive uma lancha, jet
sky, carros bons, tinha um apartamento na avenida Beira Mar, na Mansão Saint
Laurent, e terminei perdendo tudo. Hoje moro de aluguel, o carro que uso é da
minha mulher, e qualquer coisa que venha para o meu nome eu perco, porque tem
processo atrás de alguma moeda que eu tenha.
SS – Como está o senhor, diante dessa situação?
AB – Deus me abençoou, me protegeu. Tenho uma aposentadoria
que é uma merreca, mas tenho, e que dá para sobreviver. Deus me deu paz no
coração e saúde.
SS – Que lições o senhor tem tirado destes episódios da
vida?
AB – Acho que meu ganho foi espiritual. Eu cresci
espiritualmente, porque eu não ligava muito para essa parte, e sim para o lado
material. Não era questão de juntar riqueza, mas tê-la. Deixar para os meus
filhos, meus netos. Mas infelizmente, não deu certo. Nós todos estamos
superando, porque vendemos as empresas ao grupo Sacopel. Concordei com a venda
e não recebemos um centavo, mas a compradora ficou com o compromisso de pagar
todas as ações civis, trabalhistas, aos fornecedores e os débitos com a União,
para nós era o suficiente. Eu precisa dormir em paz e não ficar recebendo
ligações de cobrança. As pessoas não entendiam que essa crise não era só nossa,
mas estava potencializada sobre nós por causa do relacionamento com pessoas que
puxaram nosso tapete. A mídia impressa vem sofrendo há mais de 10 anos e,
paralelamente a isso, temos a crise interna nossa com os grupos poderosos daqui
de Sergipe.
SS – Os governos – estadual e municipais – ficaram devendo
dinheiro de publicidade?
AB – Fizeram todas as coisas ruins para nos deixar de
joelhos, mas agora estes débitos ficaram com o grupo que assumiu o Cinform.
SS – E o Bonfim, que no passado andava com os poderosos de
Sergipe, como é hoje? Eles lhe viram o rosto?
AB – É, tem situações interessantes que hoje eu dou
risada. É como se eu estivesse morrido e
ficasse de lá de cima assistindo ao que se passa com aqueles ‘amigos,
companheiros’. Interessante: eu encontro pessoas em determinados lugares e elas
mudam de faixa, de posição, viram o olhar e eu dou risada. Porque eles vão
passar, talvez, por coisas piores que eu já passei. Mas eu tenho a paz
espiritual, tenho Deus comigo. Eu sou de Jesus e Jesus é meu. Eu superei tudo
isso. Tiro de letra.
SS – Hoje, o senhor está tranquilo?
AB – Estou tranquilo, deito e durmo bem.
SS – Do que o senhor sente saudade daquele tempo da riqueza?
AB – Saudade eu sinto é de um bom uísque, um bom vinho, um
bom restaurante, de viajar. Dessas coisas sinto saudade. Hoje viajo uma vez por
ano para São Paulo, vou ver meus médicos e curto um pouco daquela cidade.
SS – E antes, quantas vezes o senhor viajava?
AB – Três a quatro vezes por ano.
SS – Pelo Brasil e exterior?
AB – Sempre Brasil. Mas fui a Buenos Aires assistir ao
Fluminense e Boca Juniores. Mas meu
projeto era conhecer o Brasil. Em 2012, me convenceram a ir a Buenos Aires e
foi a primeira vez que saí do Brasil, mas não tinha pretensões de outras
viagens ao exterior.
SS – Teve uma época no Cinform que toda a família trabalhava
na empresa. E como estão seus familiares hoje?
AB – Não me lembro em que ano foi, mas eu disse que no
Cinform só ficariam os filhos. Noras deveriam ir para casa estudar para
concurso, para arrumar emprego decente. Porque, de repente, parece que eu
estava adivinhando, alguém puxa o nosso tapete e vai ficar todo mundo chupando
dedo. A Flávia Martins Bonfim, jornalista, era editora do caderno de cultura do
Cinform, entendeu a mensagem e foi fazer Direito. Mariana já era formada em
Marketing e foi fazer Direito. Marcelo, meu genro, não se formou, bem como
minha filha também. Hoje estão trabalhando. Deus nos tem ajudado e não passamos
necessidades.
SS – Houve uma época em que um dos seus filhos teria
comprado um carro caríssimo, enquanto a empresa estava com débitos, isso
provocou a ira dos jornalistas. O que
aconteceu?
AB – Ali foi o seguinte: meu filho e a esposa compraram
terreno em um condomínio e levantaram uma casa, começaram a morar e vieram as
dificuldades da distância, pois o imóvel era no Robalo. Aí encontraram a
proposta de trocar por um apartamento na Atalaia e fizeram o negócio. E entrou nesse acerto um carro velho, da
marca Volvo, em torno de R$ 100 mil que eles só conseguiram vender por R$ 60 mil,
recebendo seis cheques de R$ 10 mil, e comeu o pão que o diabo amassou. Nenhum
filho meu teve o luxo de ter um carro importado. Quem teve um carro melhor fui eu.
SS –Se o senhor tivesse que começar o Cinform novamente, o
que faria de diferente?
AB – Faria tudo igual, mas pensaria em diversificar. Eu dei
muito para as pessoas e não fiquei com nada para mim. Eu tinha o privilégio da
informação em primeira mão e nunca usei disso. Teve uma época que eu tinha
problemas com alguns funcionários, com a condição de suspender ou demitir,
porque eles vendiam páginas do caderno de veículos para as pessoas terem
informação privilegiada nos classificados de compra e venda. Eu não usava para
mim, mas alguns dos meus funcionários usavam.
Eu cheguei a diversificar, mas terminava no mesmo lugar: o instituto de
pesquisa, era comunicação; o balcão de anúncios, recepcionava os classificados.
Por último, abri o Cinform online, para atender a nova demanda e aí quando a
coisa pegou, pegou tudo. Ah, se eu tivesse um barzinho ali na esquina, ou um
terreno! Agora estava vendendo. O que eu tinha era para uso e tive que vender
tudo, entregar tudo.
SS – Qual foi o melhor momento do Cinform e qual o pior?
AB – O pior foi na rua Laranjeiras, quando comecei a receber
um tratamento violento. Algum grupo deu um tiro de escopeta na casa de minha
mãe, no Siqueira Campos. Ali foi o pior, porque vivíamos num clima de terror,
com os filhos pequenos. O Shopping Riomar tinha inaugurado naquela época e eu
nem podia ir lá levar as crianças, com frequência. Eu ia uma vez por mês e com
segurança. Recebi pressão dos irmãos, por causa disso. Eu não poderia abaixar a
cabeça, recuar, porque senão iam trucidar a gente. Mantive-me de pé para
administrar essa situação de medo, que todos nós tínhamos. A gente almoçava e
jantava com segurança do lado. O clima de terror que não desejo para ninguém.
Mas superamos…
SS – E os bons?
AB – Os outros momentos foram bons. Quando atingimos 20 anúncios de classificados
de veículos, comemoramos, foi uma festa.
E também quando chegamos a 5.600
anúncios classificados e fomos o segundo maior jornal de classificados do
Nordeste, só perdemos para um do Rio Grande do Norte. E uma vez, uma senhora de uma agência, veio
nos criticar porque tínhamos muitos anúncios e eu disse a ela que a culpa não
era nossa. Chegavam os anúncios e eu aumentava o número de páginas, mas as
informações continuavam.
SS- E o senhor como gestor de uma empresa jornalística, o
jornalismo deixou saudade ou deixou mágoa?
AB – Eu tenho um sentimento de quando era criança, ouvia
rádio e ficava indignado, assistindo ao jogo e o cara contando diferente do que
eu estava vendo. E eu dizia que se um dia tivesse um veículo de comunicação
faria o certo. Passei 36 anos tentando fazer, se fiz bem ou mal, que julguem.
Saí do ramo e continuo vendo as mesmas patifarias, palhaçadas. E até pior.
SS – No início da nossa conversa, o senhor falou dos
perseguidores e prefere silenciar quanto aos nomes deles. Mas onde o empresário
Antônio Bomfim errou e deixou de fazer para que o Cinform não fosse à
bancarrota e o senhor junto?
AB – A quebradeira não foi nossa, foi mundial. Foi a
tecnologia que trouxe dificuldade para mídia impressa. E paralelo a isso, aqui
no Brasil tivemos crise de veículos, no mercado imobiliário. Estes dois anunciavam com a gente: as
concessionárias, os revendedores, todas as construtoras e imobiliárias. Era uma
delícia dirigir o Cinform naquela época e nem a Globo ganhava para a gente.
Aliás, a Globo ganhava em termos de faturamento, mas de importância, não. Uma empresa ia lançar um empreendimento,
procurava o Cinform. E aí entraram em crise e foi enfraquecendo. E, ainda, as
perseguições políticas. Em 2007, um auditor fiscal do INSS ocupou uma sala no
Cinform, durante seis a sete meses, e servíamos cafezinho e suco para ele. E a
gente imaginava que ele estava orientando mas, na verdade, ele foi acabando com
a gente. E quando saiu de lá deixou um rombo de mais de R$ 3,8 milhões para
pagarmos. Nós chegamos a empregar 184 pessoas no Cinform.
SS – E a Receita Federal também foi dura?
AB – Sim. Logo depois que saiu esse auditor do INSS, chegou
a Receita, pediu documentos. E levamos. E lá se vão mais R$ 3 milhões para
pagarmos. Chamamos os advogados, os contadores e eles declararam que aquelas
contas eram impagáveis. Sobrevivemos de 2007 até 2016, por conta dos Refis.
Ficou difícil pagar. Chegou ao ponto de não ter mais condições e tivemos que
vender. Em 2013 ou 2014 colocamos à venda, discretamente, para não
desvalorizar.
SS – O senhor comprou por uma fortuna uma máquina impressora
da Índia. Na chegada teve que fechar a rua para tirá-la do caminhão.
AB – Foi sim. Tentei vender essa máquina e não consegui. Eu
a entregaria por R$ 80 mil. Eu, então, saquei minha aposentadoria privada do
Bradesco, na época R$ 76 mil. Eu iria me aposentar em 2005 com R$ 5 mil por
mês, mas saquei para pagar uma folha do Cinform, porque não gostava de estar
sendo cobrado. Fiz isso e hoje tenho uma aposentadoria de R$ 2,5 mil. E poderia
estar com R$ 5 mil desde 2005, é duro. Mas faria de novo. Infelizmente, a coisa
fugiu do controle, paciência.
SS – O senhor era casado com Edna Bomfim, ela ficou
gravemente doente e morreu em 2012.
AB – Gastei o que tinha e o que não tinha no Hospital Sírio
Libanês, em São Paulo, onde ela ficou internada. E o plano de saúde negou meus
direitos e um desembargador sergipano, que se dizia meu amigo, entendeu que o
direito era da seguradora Bradesco.
SS- O senhor que passou por tantos problemas financeiros,
lhe pergunto: quem lhe sobrou de amigo? Porque quando se perde a majestade,
esses ‘amigos’ somem.
AB – Talvez isso seja o mais doloroso, sabe. Apesar de dar
risadas, às vezes. Mas há casos que você
fica deprimido, você sente.
SS – Qual foi o que mais lhe deprimiu?
AB – Ahhh (suspirou fundo), prefiro não dizer.
SS – Então, sigamos para outra pergunta (nesse momento, ele
interrompe e diz):
AB – Eu tive um irmão que me colocou na Justiça do Trabalho.
E foi o que eu mais ajudei, ao ponto de ele me chamar de “mamãe Toinho”, quando
era pequeno. Qualquer um que me botasse
na Justiça, é um direito. Mas, meu irmão… Ele teve apenas um emprego de vigilante,
não me lembro onde, e fora isso, só eu o empreguei, que deve estar com 54 anos.
SS- Quais são seus planos para o futuro?
AB – Infelizmente fiz vasectomia, não posso mais ter filhos
e é caro para mim, hoje, fazer a reversão. O sonho de toda mulher é ser mãe e
minha atual esposa, Maria Alexsandra Conceição Santos, também é. Já adotamos
uma gata e no futuro, quem sabe, adotaremos uma criancinha.
SS – Há quanto tempo vocês estão juntos?
AB – Desde 2014. Nós juntamos os contracheques (risos). Ela
me conheceu na riqueza e está comigo na pobreza.
SS – Alguma coisa mais que gostaria de dizer?
AB – Agradecer a Deus pelas bênçãos que recebi e que ainda
vou receber. Cheguei aonde cheguei sem subir nas costas de ninguém. Perdi tudo
que juntei, mas tenho os meus 10 dedos das mãos, saúde, força de trabalho e paz
no coração. Mais do que isso, é luxo.
Texto e imagens reproduzidos do site: sosergipe.com.br
Link entrevista original com cometários:
https://www.sosergipe.com.br/perdi-tudo-que-juntei-mas-tenho-forca-de-trabalho-e-paz-no-coracao-diz-antonio-bomfim/
Link entrevista original com cometários:
https://www.sosergipe.com.br/perdi-tudo-que-juntei-mas-tenho-forca-de-trabalho-e-paz-no-coracao-diz-antonio-bomfim/
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