Foto/Legenda/Crédito - Redação da Folha no quarto andar do prédio da alameda Barão de Limeira 425, nos Campos Elíseos (Crédito: Lalo de Almeida/Folhapress)
Publicado originalmente no site MEIO & MENSAGEM, em 19 de fevereiro de 2021
Folha de S.Paulo comemora os 100 anos de fundação
Sérgio Dávila, diretor de redação do jornal, fala sobre a
cobertura da imprensa atual; veículo prepara lançamentos para celebrar a data
Por Sergio Damasceno Silva
Nesta sexta-feira, 19, a Folha de S.Paulo completa 100 anos de existência. Para celebrar a data, nos próximos dias o jornal anuncia uma série de iniciativas: lança a nova edição do Manual da Redação, ampliada, acrescida de trechos sobre liberdade de expressão, diversidade, mobilidade e assédio sexual e moral; a coleção 100 Anos de Fotografia, com dez livros que reúnem imagens raras do acervo do jornal; a cátedra Otavio Frias Filho, na USP, voltada aos estudos sobre jornalismo, diversidade e democracia; anuncia o acordo da Folha com o Público, um dos principais jornais de Portugal, que cria um intercâmbio de publicações entre os dois veículos, levando reportagens da Folha para os leitores portugueses e trazendo para os brasileiros matérias do Público; parceria com a produtora Conspiração para uma coluna semanal, com ensaios pessoais sobre situações em que acontecimentos casuais mudaram vidas.
Outra novidade é o lançamento de um programa de treinamento para jornalistas negros, o que demonstra a atenção cada vez maior do jornal para a diversidade na redação e nas pautas produzidas por ela. Em 2019, a Folha criou a editoria de Diversidade, dedicada à publicação de conteúdo que reflita a variedade da sociedade brasileira. Além disso, desta sexta, 19, ao final do mês, a Folha apresentará uma série de conteúdos inovadores em diversas plataformas. Nos meses seguintes, sempre no dia 19, haverá a publicação de um projeto especial. Nos últimos meses, o jornal criou a editoria de Newsletters, que envia a assinantes e-mails com uma seleção de artigos e notícias sobre economia, política, Justiça e cultura; aumentou o número de podcasts, liderados pelo Café da Manhã, com novo episódio em todos os dias úteis; ampliou a atuação do núcleo de jornalismo de dados, o DeltaFolha, que, ao lado de outros veículos, vem tendo papel decisivo no consórcio da imprensa sobre dados da Covid-19.
A Folha também encerra a década como o jornal com mais assinantes do país, como mostram os dados consolidados sobre 2020 recém-divulgados pelo IVC Brasil (Instituto Verificador de Comunicação). O primeiro lugar na circulação dos jornais foi assumido em 1986 e nunca mais perdido pelas mais de três décadas seguintes entre os jornais de prestígio, exceto em alguns meses. No ano passado, segundo o IVC, a Folha registrou a maior média mensal de pagantes entre os veículos, na soma de suas versões digital e impressa. No cálculo geral do ano passado, foram 337.854 exemplares diários pagos por mês, crescimento de 3% ante média de 2019.
O veículo foi o primeiro jornal a ter um site de notícias em tempo real, em 1995; a unificar suas redações digital e impressa, em 2010, e a operá-la plenamente integrada dois anos depois. Em 2018, a Folha anunciou que deixaria de publicar conteúdo no Facebook, após diminuição da visibilidade do jornalismo profissional e alta do alcance de notícias de teor duvidoso. Anos depois, após escrutínio maior de governos e anunciantes, a rede social anunciou medidas para controlar as notícias falsas na plataforma. Assim, com a transformação digital, iniciada há uma década, a Folha foi pioneira também no modelo de negócio, em 2012, ao implementar no Brasil o chamado paywall poroso (muro de pagamento). O formato de cobrança de conteúdo no ambiente online perdura até hoje e foi adotado por outros veículos.
Com tal modelo, o crescimento das vendas de assinaturas digitais foi de 200% durante a cobertura da pandemia do coronavírus. No período, o jornal lançou uma oferta de seis meses de assinatura gratuita para profissionais da área da saúde —meses antes, já havia criado a assinatura para advogados, em parceria com a OAB. Em abril de 2020, outro marco foi anotado: recorde de audiência. A Folha somou 73,8 milhões de visitantes únicos, segundo dados do Google Analytics. Esses internautas realizaram 176,9 milhões de visitas e clicaram em 428,4 milhões de páginas.
Foto/Legenda/Crédito - Sérgio Dávila, diretor de redação da Folha de S.Paulo (Crédito:
Eduardo Knapp/Folhapress)
A seguir, entrevista com o diretor de redação da Folha, Sérgio Dávila, que fala sobre o trabalho da imprensa no atual contexto, a imagem de oposição que a marca tem e o consórcio formado com UOL, G1, O Globo, Extra e Estadão para cobrir os números da Covid-19.
Meio & Mensagem – Você foi o único repórter brasileiro, com o fotógrafo Juca Varella, a cobrir a Guerra do Iraque, em 2003. Com base nessa experiência, como lidar com as limitações da imprensa, seja em tempos de guerra ou de paz?
Sérgio Dávila – Fazer jornalismo independente, pluralista,
crítico e apartidário num país como o Brasil é uma guerra diária. O público
está polarizado como nunca, e a maior pandemia em um século e a maior crise
econômica em décadas criam a tempestade perfeita. No entanto, é reconfortante
ver como o leitor tem recompensado o jornalismo profissional. Os veículos
alcançam números inéditos de audiência — a Folha teve 73 milhões de visitantes
únicos em abril do ano passado, seu recorde histórico —, as pessoas passam a
perceber que a diferença entre “news” e “fake news” pode ser a diferença entre
a saúde e a doença.
M&M – A Folha, tradicionalmente, é tachada de oposição ao governo, independentemente da coloração política ou ideológica. Por que o jornal, nesses 100 anos de história, conquistou esse apêndice de oposição?
Dávila – Talvez por fazer um jornalismo crítico dos poderes
constituídos, não só no Planalto, mas em todas as áreas. A Folha já foi criticada
por governos de esquerda, de centro e de direita. Foi invadida pela Polícia
Federal em 1990, censurada durante a ditadura militar, empastelada no primeiro
governo de Getúlio Vargas e até o presidente Arthur Bernardes tentou
interromper sua circulação nos anos 1920. Mas, para citar o colega Martin
Baron, editor-chefe do jornal The Washington Post, “we are not at war, we are
at work” (não estamos em guerra contra ninguém, estamos fazendo nosso
trabalho).
M&M – “A imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”, afirmou Millôr Fernandes. Em que medida essa afirmação cabe na Folha?
Dávila – Há um problema na famosa afirmação do genial
Millôr, que, aliás, teve coluna na Folha nos anos 2000. Ela pressupõe que a
imprensa tem de tomar partido politicamente, e isso vai contra os princípios da
Folha. O jornal tem suas opiniões, sim, e as expressa diariamente, sobre todos
os assuntos, em editoriais. Mas é independente de partidos, governantes,
tendências. Agora, se você entender a ideia de oposição expressa na frase do
Millôr como ter uma visão sempre crítica de quem está no poder, seja lá quem
for, aí estamos de acordo.
M&M – A Folha é um dos veículos que participa do consórcio formado para dar transparência aos dados de avanço da pandemia no Brasil. Como você avalia o papel da imprensa no atual contexto político e social, inclusive assumindo perante a sociedade tarefas que deveriam ser do poder público?
Dávila – É um sentimento misto. Por um lado, o consórcio é
uma iniciativa inédita na imprensa brasileira, tradicionalmente muito
competitiva entre si, de colaboração em prol do bem comum. Por outro lado, ele
só surge diante do apagão de informações confiáveis que deveriam ser divulgadas
pelo governo federal, apagão este que ocorre no pior momento da epidemia.
Texto e imagens reproduzidos do site: meioemensagem.com.br
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