domingo, 27 de março de 2022

'Assim virei jornalista', por Nilson Socorro

Foto reproduzida do Perfil do Facebook de Nilson Socorro e postada pelo blog, para ilustrar o presente artigo

Texto publicado originalmente no Perfil do Facebook de Nilson Socorro, em 10 de fevereiro de 2022

Assim virei jornalista 
Por Nilson Socorro*

Sonhar, sonhar, nunca sonhei, nem nunca me projetei na vida como jornalista. Pensava em ser professor e depois advogado, e minha mãe queria me enxergava juiz. Mas, confesso, que das atividades profissionais exercidas, jornalismo foi a que mais me realizou. Não cheguei a uma redação completamente neófito, sempre era o escolhido na escola quando a tarefa era redigir. Já tinha me ensaiado em jornais de grêmio, na adolescência no Colégio Estadual Presidente Castelo Branco, mas, não passou disso até aquela inesperada noite chuvosa de 19 maio de 1975, ante uma velha máquina Remington, na redação da Gazeta de Sergipe.

Aos 17 anos, em 06 de dezembro de 1973, comecei a trabalhar. Carteira assinada em Ribeiro Chaves, Fábrica de Tecidos Confiança, como menor aprendiz-empacotador, depois de ter sido aprovado em primeiro lugar, no concurso da empresa para a única vaga do pomposo cargo de auxiliar de escritório. Era pegar ou largar, final de ano a loja da fábrica, na sala 129 da Galeria do Hotel Palace, estava com as vendas em alta e um empacotador naquele momento era mais útil que um auxiliar no escritório da fábrica. A promessa do Sr. Erivaldo, gerente na articulação fábrica-lojas, era que passadas as vendas natalinas, assumiria o posto no escritório da indústria, na Avenida João Rodrigues, no Bairro Industrial, onde hoje funciona a Alma Viva.

Precisava duplamente do emprego, pois, filho de operário, com 17 anos, sem trabalhar, era um privilégio excepcional. A outra motivação era de foro íntimo, é que por questões domésticas, tinha me imposto o desafio de passar no vestibular da Federal mesmo trabalhando e estudando à noite. Em casa ninguém sabia de nada. O concurso, a aprovação e a apresentação para o trabalho, só comuniquei depois de tudo acontecido. Surpresa que recebeu a imediata aprovação de meu pai e uma observação de minha mãe – não é melhor você continuar só estudando para o vestibular? Era, mas estava decidido. Em janeiro de 1974, quando as vendas se normalizaram, finalmente fui para o escritório, não o da fábrica, o da loja mesmo. Aquele ano, trabalhando e cursando o 3° anos do Científico, à noite, no Colégio Atheneu, foi um dos mais duros da minha vida. Só eu, minha saudosa mãe e Deus sabem.

O início do ano seguinte, logo em janeiro de 1975, dois grandes momentos. O primeiro, o mais esperado, o concurso vestibular e, o segundo, a incorporação ao Exército para o serviço militar obrigatório. Na loja, tinha me comprometido que pediria dispensa do Exército, pois, era uma práxis informal, os empregadores exigirem que seus empregados homens não optassem pela incorporação, para não manter suspenso vínculo empregatício durante o período do serviço militar. No íntimo, acreditava que não precisaria passar por isso, pois, tinha certeza que o Exército perderia a disputa para a Universidade. Mas, no meio do caminho tinha uma pedra, o vestibular.

As provas começaram no primeiro domingo de janeiro de 1975. Lá estava eu, inscrito no Curso de Licenciatura em História por acreditar que logo após o ingresso no curso superior, começaria a ensinar e, assim, me manter financeiramente. É que nos meus planos, aprovado no vestibular, o emprego em Ribeiro Chaves seria logo descartado, pois, perderia o sentido. Por isso, precisava de um curso que abrisse o mercado de trabalho logo no início e o Magistério era opção mais segura que Direito. Antes da incorporação no Exército, saiu o resultado do Vestibular. Dia seguinte estava lá na fila com os futuros recrutas, já de cabeça raspada e ansioso para dar a resposta previamente ensaiada ao questionamento do oficial da admissão.

– Quer estudar ou servir a Pátria? – Servir a Pátria estudando, senhor capitão. – Está dispensado, mas, como estudante seja um bom soldado do Brasil.

Desci em disparada as escadas daquele que parecia mais suave corredor até a porta principal do Quartel do 28º Batalhão de Caçadores. Vibrava como se estivesse comemorando o acordo de paz que findara a guerra. De lá, direto para o segundo front para anunciar a rescisão do meu primeiro contrato de trabalho. Na Loja 2 de Ribeiro Chaves, sob a gerência de Dona Terezinha Lemos, mulher séria, disciplinadora, afável, competente e muito reservada, aprendi as primeiras e importantes lições de toda vida profissional. De lá sai não como o menor aprendiz empacotador que entrara há um ano e dois meses, mas, como chefe do escritório e subgerente.

Agora, desempregado, mas, universitário, gastei quase todo dinheiro da rescisão contratual em mais de um mês de farras diárias com os amigos, nas festas pelas aprovações na UFS. Chegou março e com ele o início das aulas. Sem dinheiro, chorei quando inocentemente apresentei a lista de livros e recebi do meu pai a mais dura, mas, a mais real e encorajadora sentença: tive o maior orgulho de raspar sua cabeça por você ter passado no vestibular, mas, não tenho como custear seus livros.

Não fiz réplica. Chorei na solidão do meu quarto, cabeça enfiada na porta, mas, antes de abri-la jurei que jamais veria se repetir qualquer cena daquele ato. Só voltei a chorar assim vinte quatro anos depois, e pelo mesmo motivo ainda hoje choro, a morte de minha mãe, em 25 de maio de 1999.

Precisava de dinheiro e tinha que conseguir. Um amigo da Rua Belém, Rui, filho de Seu Muriçoca, um folclórico vendedor de frutas, passou-me sobras de cobranças de dívidas de lojas e de sócios de clubes. Eram débitos já dados por perdidos. Se conseguisse receber, ficaria de 10 % até 20% do recuperado. De bicicleta, depois da Faculdade, pedalava por ruas e ruelas dos mais distantes bairros de Aracaju e até consegui raros sucessos. Lembro de alguns credores, a Relojoaria Aliança, na Rua Santo Amaro, em frente ao antigo Hotel Continental, e também, dos sócios inadimplentes do Confiança. Sempre o Confiança, na minha vida e no meu coração.

Assim se mantinha o novo universitário até que numa noite fria, na esquina do antigo Grupo Escolar José Augusto Ferraz, no Bairro Industrial, próximo aonde morava, um encontro casual e um convite mudou meu destino. O amigo Givaldo Batista, ainda hoje editor de esportes do Jornal do Dia, me convidou para fazer teste na Gazeta de Sergipe. Convite feito, desafio topado. Na segunda-feira, 19 de maio de 1975, início da noite, entrava na redação da Gazeta de Sergipe, na Avenida Rio Branco. Teste rápido e aprovação também. O jornalista Ivan Valença, perguntou: o que você fez no final de semana? de confessável, lembrei a ida à praia no final da tarde do domingo. Escreva sobre o que viu. Claro que tremia, mas, as folgadas teclas da velha máquina de datilografia tremiam muito mais. Depois de menos de uma hora, puxei o papel com pouco mais de 20 linhas. No dia seguinte, 20 de maio de 1975, já estava nas ruas para cumprir as primeiras pautas: uma entrevista com o jornalista Jurandir Cavalcante sobre o aniversário da ASI e outra com ex-secretário estadual de Administração, Enivaldo Araujo, sobre o reajuste salarial do funcionalismo. Foi assim que antes de ser professor, virei jornalista.

* É Jornalista, professor e advogado

Publicado em 10.02.2022, no Blog de Claudio Nunes

Link publicação original > https://bit.ly/3uQwr8L

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